Nas nossas
conversas “en friche” deste domingo, falou a minha irmã com muito entusiasmo de
um filme que vira no 1º canal – “As minhas tardes com Margueritte”-
tradução, que achou descabida, do título “La tête en friche”, que nos aconselhou
a ver, agora que já manejamos o replay com mestria. Não sei o que fez a nossa
amiga, que diz ter perdido a paciência para filmes, mais propensa aos do nosso
quotidiano, ela que, repete, em Lourenço Marques não perdia nenhuma das
matinées de sábado, com as amigas e os amigos, e mais tarde em Quelimane com o
marido e as amigas das muitas diversões zambezianas. Já eu, docilmente, passei
uma tarde de domingo entre os filmes do Maigret, o cochilar de permeio, os DDT
que falhara na véspera, e, finalmente, o filme de 2010, realizado por Jean
Becker, leio na Internet, adaptado da obra de Marie-Sabine Roger. A minha irmã
falara no excelente papel de Gérard Depardieu e eu resolvi libertar-me, não dos
«grandes ruídos modernos das rodas e engrenagens da fábrica», da
expressão do Álvaro de Campos na sua Ode Triunfal, tanto mais que era
domingo, Dia do Senhor, e por isso de descanso, mas da vozearia ou sequer
cicio das espécies de diálogos
presidenciais que, afinal me põem igualmente “em fúria fora e dentro de mim,
por todos os meus nervos dissecados fora, por todas as papilas fora de tudo o
que eu sinto” e que aspirei a ignorar nessa tarde de santo ripanço. E o que
vou no próximo domingo dizer à minha irmã é que concordo inteiramente com o seu
repúdio a respeito da tradução da “tête en friche” para a insonsa “Minhas
tardes com Margueritte”, além de outros desvios na tradução brasileira, mais
uma vez exemplificativos da máxima “traduttore traditore” não só desvirtuadora
do sentido mas eliminadora, neste caso, de um tropo afinal simbólico de todo o enredo:
uma cabeça en friche, deixada ao abandono, sem cultura, como o matagal bravio:
história de um rapaz simples mas bonacheirão, vítima de troça na escola, como
do azedume frustrado da mãe, num ambiente de aldeia, em que a taberna e os
homens que a frequentam são o ponto central para o convívio e o ruído das
disputas e das entreajudas. Margueritte é uma velhinha simpática sentada num
banco de jardim junto das pombas, todas com nome e especificidades anotadas
pelo homem da “tête en friche” que com ela travou conhecimento, escutando-lhe
as leituras da “Peste” de Camus que ele mal acompanhava mas de que fixava
conceitos. A amizade pela velhinha que assim lhe vai desbravando o espírito, terá
o seu clímax quando ele a vai buscar a um lar do Estado, onde a família a enfiara
por não poder continuar a pagar-lhe o particular onde estivera, e a leva para a
casa que herdou da mãe, que afinal sempre vivera a pensar no filho,
deixando-lhe uma pequena fortuna. Uma história cor de rosa, simpática e bem
desempenhada, uma história de vida como gostaríamos que fosse a vida, sem camicases
nem jihadistas, nem gente em fuga morrendo afogada, nem cenas tristes de gente sem
vergonha, querendo sair do anonimato, em balbucios verbais de absoluta irrisão,
como os de tantos desses candidatos presidenciais da nossa farsa política. Uma
tarde de domingo em cheio, no esquecimento.
terça-feira, 12 de janeiro de 2016
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