Os historiadores futuros respigarão
dos jornais presentes estes artigos que nos elucidam sobre a época que vivemos,
sobre as pessoas que somos, sobre as ignorâncias de que sofremos, que Vasco
Pulido Valente se apressa em descrever, olho arguto, sentado na comodidade da
sua cadeira, consultando os seus livros e os seus jornais e a sua traquinice retratista.
Histórias das nossas guerras, afinal, histórias dos nossos tempos, histórias de
todos os nossos tempos. Creio que já ouvi – ou li – a Clara Ferreira Alves, que
só os jornalistas hoje em dia, e muito especialmente os repórteres de guerra
são aptos a descrever a vida, a romancear as vidas. E a apimentá-las com o seu
muito saber, que Camões também revelou, na sequência do seu muito saber, de
Fernão Lopes aos historiadores da sua época, e às suas experiências de vida, e
à sua leitura dos clássicos de outras eras. Clara Ferreira Alves sabe aplicar
com muita arte essas suas experiências também, não se limitando às crónicas a
que nos habituou, mas lançando-se na versatilidade do romance, através da sua
experiência de repórter de guerra, no palco do oeste asiático, e do seu conhecimento
do mundo e da psicologia, com originalidade e sem inibições. Leio o seu “Pai
Nosso” com um prazer religioso, mais
uma prenda de Natal de que a vida não permite a leitura rápida que o espírito
apetece. Há muito já que um livro não me seduzia tanto, de escritores
portugueses actuais. Lembro um livro de Lídia Jorge que logo pus de parte, tão
tenebroso é o desejo dos considerados escritores de criar originalidade através
da obscuridade e da sofisticação. Clara Ferreira Alves é clara e rica de saber
e arte, ao revisitar os lugares do oriente, que Eça já tinha romanceado com a
sua graça e o seu realismo, lugares que o olhar atento de Clara desmonta nas
incomodidades e medos da sua guerra, actual e mais antiga, documento original
de beleza, psicologia, contraste do saber bíblico caseiro e a realidade do
palco desses conflitos desmistificados dos nossos tempos, de terror e
incomodidade e maus cheiros e destruição e separação de famílias que não se
reconhecem mais, na distância e hábitos de outros espaços e costumes. E da
responsabilidade de americanos e outros na sua “ajuda” interesseira, apontada
aqui e ali, pela voz submissamente revoltada dos naturais, despojados do seu
mundo antigo, e sem mais esperança.
Por isso me sinto feliz lendo esses
escritores das nossas realidades, como a da Pluma Caprichosa, na sua clareza e
riqueza, sem pedantismo ou sofisma, mas com uma constante ironia, em frase
breve, de anotação e paradoxo, que se
casa com a seriedade que as tragédias reais merecem.
Assim também Vasco Pulido Valente,
capaz de nos dar da nossa realidade caseira, o retrato cruel e sem ilusões,
síntese perfeita de banalidades e misérias, que apetece guardar. Em desesperança
sempre.
Posições
Público, 23/01/2016
Durante a campanha eleitoral os
comentaristas não pararam de falar da “esquerda”, da “direita” e do “centro” e
das combinações que se podiam fazer entre estes “conceitos” sem sentido. O
vocabulário disfarça a ignorância, parece rigoroso e facilita a vida a quem
escreve. Mas não quer dizer nada. Comecemos pela “direita”. Por causa do
exacerbamento ideológico do PREC, ainda hoje ninguém se atreve a reconhecer que
é de “direita” (com a excepção de Paulo Portas). Ser de “direita” ainda hoje
serve de insulto e convoca o desprezo. Pior do que isso, cobre tendências
diferentes de um grande bloco de opinião, que só se define pelo facto de não
ser de “esquerda”. Autoritários, democráticos, liberais, dirigistas cabem todos
nesse grande cesto de opróbrio.
Os
políticos portugueses preferem assim proclamar que pertencem ao “centro” ou
mesmo ao “centro-direita” e, por cerimónia, os jornalistas aceitam
submissamente esta descrição. O ponto fraco desta tese está em que o “centro”
não existe, excepto como noção geométrica ou lugar de compromisso; e oscila
para um lado ou o outro conforme as circunstâncias do momento. É a razão
porque em épocas de tensão e de crise também a “esquerda” gosta de se declarar
“centro-esquerda”. Ali naquele lugar vazio fica mais protegida e menos responsável
pelo que der e vier. Claro que esta brincadeira com as posições de cada um não
tem um fim visível ou lógico. Nada impede uma criatura de se definir como da
“extrema-esquerda da direita” ou como a “extrema-direita da esquerda”. A
asneira é livre.
De
resto, nunca houve na verdade uma “esquerda”. Houve desde o princípio facções,
com uma caracterização teórica miudinha, separadas por um odium theologicum,
difícil de imaginar para quem não leu Marx ou Lenine e o rebanho dos seus
seguidores. Quem é capaz de explicar o que separa, por exemplo, o Bloco e o
PC? Ninguém; nem sequer, desconfio, os desmiolados que por lá andam. Ou as
divisões do PS não directamente relacionadas com a carreira e as promoções da
militância mais zelosa do seu próprio interesse? E, no entanto, o sopro
romântico da “esquerda” continua eficaz na sociedade romântica em que vivemos.
É essa a sua força essencial, que se distribuiu ao acaso pelos “corações
sensíveis”. Politicamente quase nunca faz sentido ou é seguramente
classificável. Mas persiste na sua barafunda. Ser de “esquerda” não deixou de
ser um certificado de virtude.
Hélas...
Público, 22/01/2016
Depois de meses a ouvir falar as dez criaturas que se
resolveram candidatar à Presidência da República continua a não haver uma
campanha à Presidência da República, excepto aquela que os jornalistas se
esforçaram por inventar. Na televisão dúzias de entrevistadores, comentadores e
uns tantos políticos quase anónimos não se calam com a “táctica”, com o
“posicionamento” e o “carácter” dos candidatos. Vivemos dois meses numa ilusão
ou, se preferem, numa falsificação. E hoje continuamos a não saber nada sobre eles.
Para dar uma ajuda ao cidadão perplexo aqui vai uma pequena lista:
Henrique
Neto – Industrial da Marinha Grande. Escreveu um livro sobre a
maneira infalível de salvar a Pátria, que não pára de exibir (fechado) a
benefício do cidadão comum.
Sampaio
da Nóvoa – É e não é o candidato da esquerda do PS. Repete, sem se
rir, os mesmos lugares-comuns desde o princípio da campanha. Dado a voos
líricos, lembra um baladeiro sem capa e sem guitarra.
Marisa
Matias – Uma senhora excitável que grita, a propósito e a despropósito,
contra a injustiça do mundo como se estivesse numa religião evangélica. Jura
Pablo Iglésias que ela “avança” para o Céu.
Edgar
Silva – Outro padre laico. Este recita com unção o catecismo do PC,
com os maneirismos da Santa Madre Igreja.
Jorge
Sequeira – Parece um vendedor de automóveis, que se enganou na porta
e se recusa a sair.
Vitorino
Silva (o Tino de Rans) – É o intermédio cómico; e não percebeu. A
seguir ao colega Sequeira, o maior exibicionista do rancho.
Maria
de Belém – É e não é a candidata da direita do PS. Obcecada por se
fazer valer, chega constantemente ao patético, sem passar pelo grave.
Paulo
de Morais – Quer varrer a corrupção da política portuguesa. Vamos
conversar sobre isso em 3016.
Cândido
Ferreira – Muito conhecido nos cafés de Leiria e da Nazaré, queria
uma atenção proporcional à sua importância e dignidade. Como não a teve, amuou.
E
falta alguém? Falta o Prof. Marcelo, que Portugal inteiro conhece e não
é preciso descrever, hélas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário