O texto de Vasco Pulido
Valente, publicado hoje no Público, só pode pedir um comentário de apreço. Um
homem culto e inteligente, que procura as fontes para as suas razões. É certo
que, num país de traição tantas vezes cometida, onde a mesquinhice e a inveja
se casam lindamente com a pequenez intelectual, não são de estranhar estas
novas reformas no ensino em função da tal massificação que se introduziu há
muito, que o restabelecimento do bom senso conseguiu em parte minimizar, mas
que a nova viragem a uma esquerda cujos valores se resumem – ficticiamente, é
certo, pois há sempre os espertos que desejam mais para si – a uma tolhida
generosidade para um igualitarismo ideal para os com menos valia.
Vasco Pulido Valente informa
sobre a tese do livro “Les Héritiers” de Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron,
publicado em 1970, que serviu aos nossos revolucionários de 74, e a Tiago Brandão
Rodrigues na revolução de 2016.
O certo é que há sempre os
filhos mais protegidos, os alunos mais curiosos ou mais trabalhadores que
hão-de sempre distinguir-se. E isso dá-nos
coragem para esperar que tudo mude novamente, ainda que não no meu tempo.
Mas de facto, ao ouvir há dias
António Costa, posto perante a pergunta de Pacheco Pereira, sobre se se
propunha mudar o AO e responder que não, pois já houvera outro AO a que ele se
submetera e não morrera por isso, dando uma imagem de ignorância sobre o cariz
de idiotia que este AO comporta, ou ao ouvi-lo larachar no Parlamento sobre a
inutilidade dos exames, não sei se haverá razões fortes para esperar ainda.
Eu confiei na sensatez de
Passos Coelho e do seu Governo, mas também ele se mostrou fechado à eliminação do
Acordo, embora explicadas as suas anomalias por cabeças gradas do país. E o
desrespeito pela língua pátria é bem símbolo da nossa miséria moral e
intelectual, a acrescentar à material, que de nós faz contínuos devedores, sem
pruridos de consciência, também aí, eliminado o governo anterior que os tinha.
Tudo isso relacionado com a tolice dos exames que se eliminam nuns anos e se
propõem em outros, nem se percebe porquê.
Revoluções
Não se percebe como Cambridge, uma cidade
universitária, tranquila e campestre nos mandou um primitivo português como
Tiago Brandão Rodrigues. Verdade que o homem trabalhava lá e se passeava pelas
mesmas ruas e pela mesma relva por onde tinham andado Newton, Wittgenstein e
Russel. Só que nada disso lhe deu um grão de modéstia e de prudência. Chamado
por Costa, não hesitou em virar do avesso o sistema de ensino que por aqui
encontrou e que levara vinte e tal anos de esforço e de polémica a chegar a um
relativo equilíbrio. O valente trazia um plano no saco e não hesitou em
escaqueirar tudo, para abrir um “novo ciclo” de justiça para a Pátria e os
professores. Pode haver quem ache esta maneira de fazer a felicidade do próximo
um pouco extravagante. Se há, é gente pérfida, com razões malévolas.
A coisa vem de um livro, publicado por volta de 1970,
por Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron (talvez por Bourdieu sem Passeron),
com um título prometedor, “Les Héritiers”. A tese geral desta obra era simples:
a “classe dominante” tinha reproduzido a sua tirania transferindo o capital
para a descendência; mas no mundo moderno passara a transferir o “saber” e não
o “capital”. Ou seja, o seu método de “reprodução” mudara e o dever do
verdadeiro socialista estava agora em destruir essa nova maquinação da
burguesia. Ora como esta venenosa manobra da “classe dominante” assentava, por
um lado, nos privilégios que se “herdavam” da família e, por outro, no carácter
selectivo da escola, que o exame e a nota simbolizavam, o objectivo essencial
era obviamente transformar a escola num lugar de prazer e acabar com o exame e
a nota.
Que as criancinhas ficassem num estado de completa ou
quase completa ignorância interessava pouco. A operação pelo menos destruía os
filhos da “classe dominante”, que sem “capital” e sem “saber” seriam absorvidos
por um igualitarismo militante; e também alegrava os professores que deixavam
de responder pelo seu trabalho perante o Estado da burguesia (Bourdieu
detestava os professores que ensinavam e em 1968 tentou correr com Aron da
Sorbonne). Como se calculará, esta perfeita idiotia foi recebida em Portugal
por meia dúzia de profetas, que durante o PREC arrasaram a “escola” a pretexto
de a “sanear” primeiro e de a “salvar” a seguir. A balbúrdia que estabeleceram
liquidou a vida a muita gente. As reformas do ministro Tiago liquidarão mais.
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