De repente, a constatação de
que nada nos distingue dos palhaços, nada mais podemos esperar a não ser
palhaçadas. Tudo é impertinência e ousadia, e este artigo de Vasco Pulido
Valente nos descreve na tristeza deste conjunto de pessoas, como já o fizera
Fernando Pessoa mais abstractamente, na expressão de uma sensibilidade educada,
de fleuma colidindo com o desespero, ainda apelando. Pulido Valente, apenas
realista, desprezando.
NEVOEIRO
Nem rei nem lei, nem paz
nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a
entristecer —
Brilho sem luz e sem arder
Como o que o fogo-fátuo
encerra.
Ninguém sabe que coisa
quer.
Ninguém conhece que alma
tem,
Nem o que é mal nem o que
é bem.
(Que ânsia distante perto
chora?)
Tudo é incerto e
derradeiro.
Tudo é disperso, nada é
inteiro.
Ó Portugal, hoje és
nevoeiro...
É a hora!
Valete, Fratres.
Uma
galeria de horrores
Conheci ontem as dez criaturas que resolveram candidatar-se
a Belém. Foi um espectáculo triste e vexatório. Marcelo Rebelo de Sousa anda
por aí a gabar a singularidade desta desgraçada eleição: é mais barata, mais
livre e os partidos não se metem na coisa. Marcelo talvez seja espertíssimo –
um ponto discutível, apesar da propaganda – mas pelo menos não
percebeu que esta palhaçada em que hoje participa o degrada a ele e diminui a
autoridade do Presidente da República.
Nunca na história da política portuguesa (e sabe Deus
que ela desceu a abismos de indignidade) se viu espectáculo assim. A galeria de
horrores que ontem nos mostrou a televisão ultrapassa as piores cenas do
Constitucionalismo e da República. E Marcelo participa nos festejos, abanando
aprovativamente a cabeça, como um sacristão.
Tirando Marcelo, apareceram nove candidatos, sem
currículo ou capacidade para guarda-portão, mas que pretendem guardar a
República e o regime contra qualquer adversidade externa ou interna. Declaram
todos que estão cheios de ideias, talvez porque ninguém ainda se deu ao trabalho,
sem dúvida frustrante, de lhes comunicar o que são ideias. Sampaio da Nóvoa,
hirto como uma vassoura, repete os lugares-comuns do folclore socialista.
Marisa Matias, uma “passionária” de trazer por casa, distribui asneiras que só
mostram a sua ignorância e a sua confusão. Maria de Belém é um poço vazio, com
algumas “causas” sem pés nem cabeça. Paulo Morais, por baixo de uma luxuriante
cabeleira, exibe a sua mania da corrupção, de uma maneira insultuosa e quase
alucinada.
E há mais. Vitorino Silva, o Tino de Rans, que tirou a
sua candidatura do fundo da “alma”; um senhor (Cândido Ferreira) que armou um
pequeno distúrbio porque se imagina com direito a mais tempo de antena; um
segundo senhor (Jorge Sequeira) que propõe a “meritocracia” para a salvação da Pátria
(palavra de honra); um antigo padre, convertido ao PC, que se atrapalha com a
nova teologia. Finalmente, há também Henrique Neto, um homem simpático, de quem
se esperava um pouco mais de juízo.
Os despautérios que se ouviram numa noite chegam para uma
vida. A Assembleia da República devia fabricar uma lei para decoro do regime e
do país: uma lei que obrigasse cada candidato presidencial a depositar 200.000
euros a fundo perdido para adquirir o direito de exibir o seu cabotinismo e a
sua estupidez. O que, pela amostra de 2016, não é muito.
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