domingo, 3 de janeiro de 2016

Não há hora



De repente, a constatação de que nada nos distingue dos palhaços, nada mais podemos esperar a não ser palhaçadas. Tudo é impertinência e ousadia, e este artigo de Vasco Pulido Valente nos descreve na tristeza deste conjunto de pessoas, como já o fizera Fernando Pessoa mais abstractamente, na expressão de uma sensibilidade educada, de fleuma colidindo com o desespero, ainda apelando. Pulido Valente, apenas realista, desprezando.

        NEVOEIRO
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder
Como o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a hora!
                                 Valete, Fratres.


Uma galeria de horrores


Público, 03/01/2016 –
Conheci ontem as dez criaturas que resolveram candidatar-se a Belém. Foi um espectáculo triste e vexatório. Marcelo Rebelo de Sousa anda por aí a gabar a singularidade desta desgraçada eleição: é mais barata, mais livre e os partidos não se metem na coisa. Marcelo talvez seja espertíssimo – um ponto discutível, apesar da propaganda  – mas pelo menos não percebeu que esta palhaçada em que hoje participa o degrada a ele e diminui a autoridade do Presidente da República.
Nunca na história da política portuguesa (e sabe Deus que ela desceu a abismos de indignidade) se viu espectáculo assim. A galeria de horrores que ontem nos mostrou a televisão ultrapassa as piores cenas do Constitucionalismo e da República. E Marcelo participa nos festejos, abanando aprovativamente a cabeça, como um sacristão.
Tirando Marcelo, apareceram nove candidatos, sem currículo ou capacidade para guarda-portão, mas que pretendem guardar a República e o regime contra qualquer adversidade externa ou interna. Declaram todos que estão cheios de ideias, talvez porque ninguém ainda se deu ao trabalho, sem dúvida frustrante, de lhes comunicar o que são ideias. Sampaio da Nóvoa, hirto como uma vassoura, repete os lugares-comuns do folclore socialista. Marisa Matias, uma “passionária” de trazer por casa, distribui asneiras que só mostram a sua ignorância e a sua confusão. Maria de Belém é um poço vazio, com algumas “causas” sem pés nem cabeça. Paulo Morais, por baixo de uma luxuriante cabeleira, exibe a sua mania da corrupção, de uma maneira insultuosa e quase alucinada.
E há mais. Vitorino Silva, o Tino de Rans, que tirou a sua candidatura do fundo da “alma”; um senhor (Cândido Ferreira) que armou um pequeno distúrbio porque se imagina com direito a mais tempo de antena; um segundo senhor (Jorge Sequeira) que propõe a “meritocracia” para a salvação da Pátria (palavra de honra); um antigo padre, convertido ao PC, que se atrapalha com a nova teologia. Finalmente, há também Henrique Neto, um homem simpático, de quem se esperava um pouco mais de juízo.
Os despautérios que se ouviram numa noite chegam para uma vida. A Assembleia da República devia fabricar uma lei para decoro do regime e do país: uma lei que obrigasse cada candidato presidencial a depositar 200.000 euros a fundo perdido para adquirir o direito de exibir o seu cabotinismo e a sua estupidez. O que, pela amostra de 2016, não é muito.


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