A propósito de um texto publicado no “A Bem da Nação”-
uma entrevista a Marcelino dos Santos, e em resultado de uma conversa telefónica
que o Dr. Salles da Fonseca manteve com João Cabrita, autor do livro “Mozambique”,
The tortuous road to Democracy”, o qual lhe telefonou de Mbabane
(Suazilândia), para saber mais dados
sobre Joana Simeão, após ter lido no “A Bem da Nação” um seu texto sobre a sua
relação pontual com aquela, propôs-me o Dr. Salles , sabendo que eu a
conhecera, que escrevesse sobre Joana Simeão. Mas o meu conhecimento só resulta
de memórias, mais ou menos apagadas, embora não esquecidas, de uma voz
estridente numa mulher vistosa e espampanante, na cabeça um espectacular
turbante, e isso ficou registado em texto vagamente poético “Assim é Joana”
de “Pedras de Sal”. Foi uma altura de muito sofrimento, ou antes, de muito
terror e estupefacção que vivi em esperança de reversão, continuando a
trabalhar e a ironizar por escrito, tal como agora se faz também, a respeito do
que se pratica na nossa democracia laracheira - mas não criminosa, como a que
se tentou implantar em Moçambique. Só para rir o afirmá-lo – democracia - ou, pelo contrário, para chorar.
A entrevista de Emílio Manhique com Marcelino dos Santos mostra a crueza de um
regime comunista implantado nessa ex-colónia, como, mais ainda, talvez, em
Angola:
O QUE OS COMUNISTAS
FAZEM A QUEM SE LHES OPONHA
Entrevista
com Marcelino dos Santos por Emílio Manhique, Televisão de Moçambique.
Data: 19 de Setembro de 2005
Programa: “No Singular”
(Excertos)
Emílio Manhique: Lázaro Nkavandame,
Gwenjere, Joana Simeão foram mortos depois da independência, mas a Frelimo
tinha dito que iam ser reeducados, que iam servir de exemplo. Porque é que
foram mortos sem sequer nenhum julgamento?
Marcelino dos Santos: Naturalmente...
primeiro porque consideramos que era justiça.
Manhique: Justiça popular?
Marcelino dos Santos: Altamente popular,
exercida...
Manhique:... mas foi uma justiça
de um movimento guerrilheiro, não de um partido.
Marcelino dos Santos: Justiça contra
traidores porque qualquer um deles se aliou ao colonialismo português.
Manhique: Mas porque é que a
Frelimo primeiro disse que iam servir de exemplo?
Marcelino dos Santos: Sim, e depois sobreveio
a acção, a tentativa do inimigo de buscar elementos moçambicanos descontentes,
em particular aqueles que pudessem ser-lhes bastante úteis. Então, aquela
consciência que nós tínhamos inicialmente de que são traidores e que, portanto,
deveriam ser executados. Bom, numa certa medida podemos dizer que surgiram as
condições que forçaram a implementação de uma preocupação e de um sentimento
muito, muito, muito antigo porque é bom não esquecer que Lázaro Nkavandame...
Manhique: E porque é que não se
informou o povo?
Marcelino dos Santos: Porque aí é preciso ver
o momento em que isso acontece e naturalmente embora nós sentíssemos a validade
da justiça revolucionária, aquela construída, fecundada pela luta armada
revolucionária de libertação nacional, havia, no entanto, o facto de que já estávamos
em Estado independente. Quer dizer, Moçambique se tinha já constituído em
Estado embora a Frelimo fosse realmente a força fundamental desse Estado. Então
foi isso, talvez, que nos levou, sabendo precisamente ainda que muita gente não
estava certamente apta a entender bem as coisas, que nós preferimos guardar no
silêncio esta acção realizada. Mas que se diga bem claramente que nós não
estamos arrependidos da acção realizada porque agimos utilizando a violência
revolucionária contra os traidores e contra traidores do povo moçambicano.
(colaboração de João Cabrita, Mbabane,
Suazilândia)
O
que posso fazer, é transcrever outro texto de “Pedras de Sal” (contido em “Cravos
Roxos”), com um parágrafo que se refere a Joana Simeão. E como contém
referência a Almeida Santos, servirá justamente para o homenagear, lembrando
acções passadas, do agrado de toda a gente agora, como é costume quando se
morre, mas que justamente reconhece nele
o homem inteligente que foi e que teve ocasião de continuar a revelar-se
por cá, protegendo os seus amigos, com a sua voz maviosa, que – mais uma voz –
ficaria gravada na minha lembrança, através do fado doce que lhe ouvi cantar em
Lourenço Marques, e que a internet me faz ressuscitar:
Lá
Longe
Lá
longe ao cair da tarde
Vejo
nuvens d'oiro que são os teus cabelos
Lá
longe ao cair da tarde
Vejo
nuvens d'oiro que são os teus cabelos
Fico
mudo ao vê-los, são o meu tesoiro
Lá
longe ao cair da tarde
Lá
longe ao cair da tarde
Quando
uma saudade se esvai ao sol poente,
Lá
longe ao cair da tarde
Quando
uma saudade se esvai ao sol poente,
Como
canção dolente duma mocidade
Lá
longe ao cair da tarde.
Transcrevo pois, o texto – “Movimentação”
- sobre um passado morto, lamentando a crueldade com que foi tratada a figura
esplendorosa de Joana Simeão, e, afinal, recordando uma figura marcante, de voz
branda e expressiva, Almeida Santos, cuja morte inesperada chocou, após o gesto
de apoio a Maria de Belém, como acto de cavalheirismo e amizade que o elevou, para
mim, por altivamente se revelar indiferente aos comparsas do apoio a Nóvoa.
Movimentação
«Desde 25 de Abril, aproximadamente, toda a gente se
movimenta para fazer coisas – partidos, manifestos, comunicados, discursos,
reuniões, pareceres, propostas de saneamento, peditórios, tentativas de
ilustração das massas..
Os peditórios e as tentativas cabem às senhoras, por
natureza generosas e apóstolas da tentação, como as sereias.
Cá por mim, sinto-me baralhada, pois as opiniões são
muito desencontradas.
Os partidos que se apelidam de democratas, parece que
são mais que um, pois por vezes desmentem-se. Uns mandam telegramas de repúdio
a umas palavras elegantemente levianas – e parecem, pois, repudiar a
leviandade. Logo outros democratas desmentem tal telegrama – o que parece
apoiar a leviandade. Por outro lado, um dos partidos democratas propõe
saneamentos onde não se inclui o da prostituição e logo outro partido democrata
inclui o saneamento da prostituição.
Um outro chamado MIMO deseja mimosamente a
independência total, mas em idêntico telegrama de repúdio às mesmas palavras
levianas expõe que jamais renegará a pátria portuguesa – contradição que me
deixa atordoada pela desorientação de princípios manifesta.
Um partido chefiado por uma mulher – nem só os
peditórios e os partidos são pertença das senhoras – experimenta autodeterminar
a massa negra informando-a de que se não deve amotinar contra a massa branca –
maneira cavilosa de lhe lembrar que pode.
Um ilustre advogado, num artigo de muito génio que
ficará na posteridade como marco simbólico das qualidades humanitárias e
cavalheirescas de um povo – aconselha com muita finura a que deixemos estas
terras aos seus naturais, afirmando que se ele fosse negro era isso mesmo que
desejaria. Esqueceu-se de analisar a questão do outro ponto de vista – do seu –
e de se afirmar numa atitude corajosa e não cordialmente desleixada, de quem se
está nas tintas, ou prefere uma retirada elegante, porque teve tempo de se
estruturar melhor “ailleurs” durante o regime tão criticado, mas com tantos
resultados positivos para si próprio e tantos outros, derrotistas como ele.
Um homem igualmente chique – tem-me chamado muito a
atenção o pormenor do requinte de maneiras (com raras excepções) em todo este
fervilhar – depois de se mostrar, reservadamente embora, conivente com a Junta,
manifesta agora, decididamente, a sua não adesão a respeito do Ultramar. Como é
um homem, ao que se tem visto, habituado a levantar voo frequentemente, cuida
tarefa fácil levantarmos todos voo com ele, e aconselha resignação e calma
ordeira, para tudo se fazer com compostura, na hora do embarque, de acordo com
os seus ideais.
E no meio de tanta leviandade e garotice com que se
debatem os destinos de um povo, de tanto egoísmo e cobardia mascarados de
filantropia, de tanto partido apressado, poucos deles seguem o da sensatez e do
respeito pelas normas do seu Governo, o partido daqueles cidadãos
verdadeiramente livres, ou seja, os que sabem obedecer.»
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