Mandou-me este email o meu
filho João.
«ESTA VALE A PENA
DIVULGAR!!! é uma verdadeira vergonha...
»
«...batendo as asas pela noite calada... vêm em
bandos, com pés de veludo...» Os Vampiros do Século XXI:
A Caixa
Geral de Depósitos (CGD) está a enviar aos seus clientes mais
modestos uma circular que deveria fazer corar
de vergonha os administradores - principescamente pagos - daquela instituição
bancária.
A carta da CGD começa, como mandam as boas
regras de marketing, por reafirmar o empenho do Banco em oferecer aos seus clientes as melhores
condições de preço qualidade em toda a gama de prestação de serviços, incluindo
no que respeita a despesas de manutenção nas contas à ordem.
As palavras de circunstância não chegam sequer
a suscitar qualquer tipo de ilusões, dado que após novo parágrafo sobre
racionalização e eficiência da gestão de contas, o estimado/a cliente é
confrontado com a informação de que, para continuar a usufruir da isenção da
comissão de despesas de manutenção, terá de ter em cada trimestre um saldo
médio superior a EUR1000, ter crédito de vencimento ou ter aplicações
financeiras associadas à respectiva conta.
Ora sucede que muitas contas da CGD, designadamente
de pensionistas e reformados, são abertas por imposição legal. É o caso de um reformado por invalidez e quase
septuagenário, que sobrevive com uma pensão de EUR 243,45 - que para ter
direito ao piedoso subsídio diário de EUR 7,57 (sete euros e cinquenta e sete
cêntimos!) foi forçado a abrir conta na CGD por determinação expressa da Segurança Social para receber a reforma.
Como se compreende, casos como este - e
muitos são os portugueses que vivem abaixo ou no limiar da pobreza - não podem,
de todo, preencher os requisitos impostos pela CGD e tão pouco dar-se ao luxo
de pagar despesas de manutenção de uma conta que foram constrangidos a abrir para
acolher a sua miséria.
O mais escandaloso é que seja justamente
uma instituição bancária que ano após ano apresenta lucros fabulosos e que
aposenta os seus administradores, mesmo quando
efémeros, com «obscenas» pensões (para citar Bagão Félix), a vir exigir a quem
mal consegue sobreviver que contribua
para engordar os seus lautos proventos.
É
sem dúvida uma situação ridícula e vergonhosa, como lhe chama o nosso leitor,
mas as palavras sabem a pouco quando se trata de denunciar tamanha indignidade.
Esta é a face brutal do capitalismo selvagem
que nos servem sob a capa da democracia, em que até a esmola paga taxa. Sem respeito pela dignidade humana e sem
qualquer resquício de decência, com o único objectivo de acumular mais e mais lucros, eis os administradores de
sucesso.
Medita e divulga... Mas divulga mesmo por
favor... Cidadania é fazê-lo, é demonstrar esta pouca vergonha que nos atira
para a miserabilidade social.
Este tipo de comentário não aparece nos
jornais, tv's e rádios... Porque será???
Eu já fiz a minha parte. Faz a tua.»
Sem comentário pessoal, lembrei-me apenas do soneto ”O
dia em que nasci” de Camões, mas também da «Consolação às Tribulações de
Israel» do nosso judeu Samuel Usque, de que li partes outrora e que agora
transcrevo da Internet. Servem apenas para nos deslumbrarmos, consolando-nos
com o paralelo que podemos estabelecer entre o outrora e o agora, este cada vez
mais prosaico. E não menos vil.
Leiamos o poema-canto da personagem Icabo:
«Ó
mundo, mundo, / já que tuas racionais criaturas / não consentes se doam de minhas
tribulações e lazeiras, / se nas insensíveis / influirão os céus algum modo secreto
de piedade, / dá licença aos rios / que d’altas montanhas com espantoso rumor /
vêm quebrar suas escumosas águas em baixo, / que detendo o seu arrebatado passo, / com
manso e lamentoso ruído / acompanhem o contínuo curso de minhas lágrimas, / e
em seu correr cansado, / mostrem novo sentimento / de minhas longas misérias! / E vós outros, / príncipes de todos
eles, / Nilo, Ganges, Eufrates, Tigre, / que, desatando-vos do paraíso
terrestre, / desenfreados vindes abrevar / os sequiosos Egípcios, / os moles e
cheiros Índios / e, torcendo o passo, / escondendo-vos nas áreas por muitos
dias, / saís depois a mostrar-vos / aos bárbaros e queimados Guinéus / e subindo
e descendo / por ásperos e montanhosos desertos / ides também saudar / os guerreiros
e cruéis Tártaros pois lá vos comunicais/ co aquele tão desejado mensageiro /
que em carro e cavalos de fogo arrebatado / foi levado aos céus, / rogo-vos que
aqui manso me digais este segredo: /
Quando cansarão meus males e fadigas, / minhas injúrias e ofensas, / minhas
saudades e misérias, / as feridas n’alma e minhas mágoas, / as bem-aventuranças
em sonhos, / as desaventuras certas, os males presentes / e esperanças longas e
tão cansadas?! / E quando terá paz tanta guerra / contra um fraco sujeito, /
temor, suspeita, receios / de minhas entranhas?! / Até quando gemerei, suspirarei, / matarei a
sede / com as lágrimas de meus olhos?!
(in «Consolação às tribulações de
Israel», por Samuel Usque
Leiamos Camões:
O
dia em que nasci moura e pereça,
Não
o queira jamais o tempo dar;
Não
torne mais ao Mundo, e, se tornar,
Eclipse
nesse passo o Sol padeça.
A
luz lhe falte, O Sol se [lhe] escureça,
Mostre
o Mundo sinais de se acabar,
Nasçam-lhe
monstros, sangue chova o ar,
A
mãe ao próprio filho não conheça.
As
pessoas pasmadas, de ignorantes,
As
lágrimas no rosto, a cor perdida,
Cuidem
que o mundo já se destruiu.
Ó
gente temerosa, não te espantes,
Que
este dia deitou ao Mundo a vida
Mais
desgraçada que jamais se viu!
Luís de Camões
Não nos espantemos, pois.
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