sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Poços? Buracos nos bastam…



Parece que foi Tales de Mileto
 – Leio na Internet –
Que viveu nos séculos seis e sete
 (Antes de Cristo),
- Mais logicamente sete e seis
Se andarmos para cá e não para lá,
Para o caos dos tempos -
Que caiu ao poço, distraidamente.
Enquanto procurava nos céus
Uma qualquer estrela
Da sua mira.
Por seu lado La Fontaine,
De dez séculos  posterior,
Desprezava a astrologia
Que achava parlapatice
A qual pretendia transformar,
Com limitada consciência,
Coisas que só a Deus deviam pertencer
Na sua omnisciência.
Eis a fábula de La Fontaine sobre o poço
Onde caiu Tales de Mileto
Buscando a sua Estrela
Ou o seu Teorema:

«O Astrólogo que se deixa cair num poço»
«Um dia um Astrólogo no fundo dum poço se deixou cair.
Todos disseram:  Pobre tolo,
Quando apenas podes ver
À distância dos teus pés,
Por cima da tua cabeça pensas ler?

Sem irmos mais adiante, esta aventura
Pode servir de lição à maior parte dos homens
De maior ou menor envergadura.
Entre  todos os muitos que na terra somos,
Poucos haverá
Que não gostem de ouvir dizer
Que no Livro do Destino os mortais poderão ler.
Mas esse Livro que Homero e os seus cantaram
O que é, senão o acaso, para a Antiguidade
E para nós a Providência?
Ora do acaso não existe uma ciência :
Se houvesse, seria tolice
Chamar-lhe acaso, ou fortuna ou sorte,
Tudo coisas muito incertas.
Quanto às vontades soberanas
D’Aquele que tudo faz e nada faz sem propósito,
Quem as conhece a não ser Ele Mesmo?
Como o Seu espírito reconhecer?
Terá  Ele impresso na fronte das estrelas
O que a noite dos tempos encerra nos seus véus?
Com que utilidade? Para o espírito exercitar
Daqueles que sobre a esfera e o globo foram escrever?
Para males inevitáveis nos fazer evitar?
Para nos tornar, nos bens, incapazes de prazer?
E provocando desgosto por estes bens previstos
Convertê-los em males antes de os ver surgir?
É um erro, ou antes, um crime supô-lo.
O firmamento move-se; os astros fazem o seu curso,
O sol brilha todos os dias,
Todos os dias a claridade sucede à sombra escura,
Sem que possamos algo mais inferir
Do que a necessidade de brilhar e iluminar,
Trazer as estações, as sementes amadurecer,
Lançar sobre os corpos a sua influência de ternura.
De resto, em que é que ao destino pode corresponder
O percurso sempre igual que o universo faz mover?
Charlatães, fazedores de horóscopos,
Deixai de ler os destinos dos príncipes da Europa;
Levai convosco, duma só vez, os videntes.
Vós não mereceis mais fé do que essas gentes.
Estou-me a exceder; voltemos à história
Desse Astrólogo que no poço foi forçado a beber.
Além da vaidade da sua arte presunçosa,
É a imagem daqueles que se espantam de quimeras
Quando são eles que estão em perigo deveras
Não só para si como para os seus negócios
E até para os seus ócios.»

Por aqui se vê quanto La Fontaine, sendo um homem antigo,
Tem tanto de moderno e mesmo de visionário,
Pois, se fosse hoje que vivesse, concordaria
Quanto é fácil cair nos poços, sobretudo
Nos da nossa calçada, onde ainda outro dia
A D. Graça caiu, minha vizinha,
Ao desviar-se dum sujeito
Que ia no mesmo passeio estreito,
- E não de qualquer estrela que no alto procurasse -
Pois temos sempre que nos precaver,
Cautelosamente,
Olhando para baixo para não tropeçar,
O que ela se esqueceu de fazer.
Até acho que hoje em dia
Com a descoberta das galáxias
Que umas das outras se vão afastando
E o universo dilatando,
Assustadoramente,
Até caírem no tal buraco negro,
É melhor não pensarmos nas estrelas
Nem sequer nos poços,
Mas antes nos buracos
Quer os dos passeios, quer os vários
De que falam os nossos
Noticiários.
No fundo - não de nenhum poço, todavia -
O que eu desejei mesmo,
Foi iniciar este ano de 2016 em alegria,
Lembrando buracos e lembrando estrelas
E homenageando La Fontaine
Que tão bem soube contar
Coisas do seu presente e do passado
Que o seu futuro também revelaria.
Na nossa realidade, de verdade,
Como tudo isso é actual -
Buracos, estrelas, quedas…
Tal  e qual.

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