domingo, 31 de janeiro de 2016

Os sumos do André num mundo coiso



Estava ainda a remoer na questão posta pela nossa amiga, a propósito da “dona disto tudo” segundo ela, a filha do Eduardo dos Santos sobre cujo nome tivemos as três uma branca até que a minha irmã se lembrou do nome “Isabel”, nome que ela achou até bonito e pertença também de uma nossa prima de que perdemos o rasto, que era a mais velha e a mais bonita das primas, filha do mais velho e bonito irmão da nossa mãe, o tio Carlos, que fez carreira brilhante em Moçambique, mas morreu em 44, pouco antes da nossa partida para lá, para junto do nosso pai. Lembro-me bem da dor da minha mãe por essa altura, agarrada à prima de Aveiro, que o amara em jovem, as duas prostradas no chão da sala, onde caíram abraçadas. Tendo a nossa mãe ido esperá-la à estação, em grande tristeza emudecida, lenço preto na cabeça, coisa inabitual, só aclarou a notícia quando chegaram à nossa casa, por notícia recebida de África, que fez a minha mãe chamar a prima, que chegou nesse dia, de Aveiro, para lhe suavizar o choque da aflição comum, no abraço fraterno, escondido do mundo. Uma grande senhora, a nossa mãe, são gestos destes e outros que perduram na minha saudade para sempre. As conversas são como as cerejas, e os pensamentos mais ainda, mas estava eu a acabar a frase da nossa amiga - Como não rebentam com tanto dinheiro? – a propósito da, segundo ela, “dona disto tudo”, com pormenores explícitos,  quando o meu ouvido foi seguidamente alertado para mais um diálogo redutor, muito cheio de risadas da minha irmã com ela, que logo transcrevi noutro guardanapo, que são coisa relativamente em conta que a minha irmã paga com a gorjeta opípara:
-É pena o mundo estar coiso-  dizia a nossa amiga.
- Sempre esteve coiso – respondeu a minha irmã.
- Mas agora está mais coiso. Temos o mosquito…
A minha irmã opinou com o paludismo do mosquito anterior que nos fazia tomar quinino e com a malária, mais grave ainda, como prova de que sempre no mundo houve catástrofes e eu não quis deixar de referir a praga dos gafanhotos lá dos tempos do Moisés, e a peste bubónica e outras epidemias com que a Terra se vai defendendo do excesso de fertilidade humana e animal, em, por vezes autênticas hecatombes, sem contar as do fabrico humano. Mas esta do Zika e o seu vírus é tão pavorosa que todas nos arrepiámos com a retracção do cérebro dos bebés, abortos sem culpa.
Entretanto, a minha irmã voltou a falar nos sumos que o seu neto mais velho lhe leva todas as noites, feitos numa máquina slow juicer, cuja propaganda extraio da net:
«Slow Juicer / Extractor de Sumos »
«A nova forma de obter sumos, de frutos, raízes, vegetais e folhas, que vem revolucionar a alimentação do novo século. O slow juicing é um movimento que permite a extração do sumo dos alimentos de forma perfeita, sem aquecimento e consequente destruição dos nutrientes. O resultado é um sumo homogéneo, com muito sabor e extremamente ...»
-Aquilo é uma limpeza, diz a minha irmã, cujas suas últimas análises de sangue revelaram tudo perfeito, em questão de tensão, hemoglobina, etc, etc. Sumos à base de espinafres, beterraba, agrião, erva de trigo (relva), rúcula, aipo, sumo de laranja, de maçã…
Uma mistela, que me fez lembrar, por espírito de oposição a estas modas vegetarianas destruidoras dos prazeres gustativos, o palmier coberto de doce de ovos e açúcar de calda que pesquei ontem no café, de comer e chorar por mais.
Mas deixo aqui a receita do André, que nada come com glúten, muito atento ao seu físico…
Cá por mim, para usar do pleonasmo, entendo que a comida serve para alimentarmos corpo e alma, sem excessos mas também sem exageros de precauções ou picuinhas de pormenor e modernidade, sabendo que tanta gente há a morrer de fome por esse mundo fora…

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