segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Passado, presente e futuro



O tempo passa a correr, Janeiro acabou, um artigo de Alberto Gonçalves me escapou, que reponho antes do desta semana, tão prazeroso é para mim guardar estes pequenos frescos sobre o nosso mundo torcido, como ferro de carruagem após descarrilamento.
Que é de descarrilamento que se trata, em despenhadeiro de ravina, diria mesmo de fiord, caso os houvesse por cá, e caso não sentisse quanto devem ser ainda mais arrasadores e sem esperança os momentos que se vivem lá pelas bandas do Médio Oriente e tantos outros sítios dum mundo descontrolado, que exigem solidária contenção no nosso lamuriar. Apesar de tudo, o ridículo é algo de humilhante e o saber desmascará-lo algo de profundamente didáctico, caso fôssemos sensíveis a ensinamentos de inteligência e bom senso. Não é assim por cá. Mas os textos aí estão, vivos e acutilantes, como bichas de rabear, comentário este puramente figurativo, que nada significa mas com que apetece agradecer ao autor dos textos, que nos fazem, hélas! prever uma continuação visceral nesta colossal carreira do asnático e da vaidade de um “finis patriae” da nossa constância fatalista.



O braço esquerdo da barbárie
Alberto Gonçalves
 Janeiro 19, 2016

A fim de justificar o voto em Marisa Matias, a jornalista do Público Alexandra Lucas Coelho começa por louvar o empenho da eurodeputada nas "relações com Síria, Líbano, Egipto e Jordânia", nos "direitos dos refugiados" e no combate à "violência contra os territórios palestinianos ocupados". De seguida, destaca a "coragem pessoal" necessária para se ser candidata à Presidência da República "num país machista como Portugal". Nem por um instante Alexandra Lucas Coelho repara no ligeiro absurdo que é resistir ao "machismo" caseiro e deixar-se fascinar por culturas em que o mero "machismo" seria um alívio para as mulheres. Por isso é que o feminismo anda pelas ruas da amargura.
Em compensação, na passagem de ano foi outra coisa a andar pelas ruas de diversas cidades europeias. As primeiras notícias falavam em bandos de indivíduos que assaltaram, agrediram e violaram as senhoras que lhes apareceram pela frente. As segundas notícias, escassas e tímidas, notavam que os indivíduos eram, na quase totalidade, de origem árabe e, nalguns casos, asilados recentes. As terceiras notícias transmitiam os conselhos da presidente da câmara de Colónia, onde os agressores chegaram a mil e as agredidas a cento e tal: ou as fêmeas guardam um "braço de distância" de possíveis atrevidotes ou não se venham queixar. As últimas notícias davam conta da posição (sem trocadilhos) de diversos movimentos feministas, os quais naturalmente tomaram o partido dos violadores sob o pretexto de que estes, na medida em que pertencem a uma "minoria", já são discriminados o suficiente.
O estatuto minoritário desses infelizes é apenas questão de tempo e demografia. Quanto à discriminação, não percebi. Por sorte, uma feminista alemã explicou: as pessoas centram-se nos (insignificantes) delitos cometidos por muçulmanos porque são racistas e esquecem-se que os ocidentais também abusam das mulheres. Na minha ignorância, desconhecia que hordas de cristãos, ateus e animistas alemães costumavam violar dezenas de concidadãs por recreação. E que recusar a selvajaria à solta em certas sociedades é "racismo". E que ocultar crimes é a melhor forma de alcançar a harmonia.
De qualquer maneira, o importante é que o feminismo militante se apressou a organizar manifestações. Contra tarados? Era o que faltava: contra a "islamofobia", o grande perigo desta história. Pelos vistos, é possível que alguns europeus não apreciem o estupro das respectivas esposas e desatem a adoptar atitudes fascistóides. Ou no mínimo a suspeitar que quem embrulha a cônjuge em farrapos tende a interpretar mal a liberdade da cônjuge alheia. Há biltres capazes de tudo. E tudo depende de nós.
Por mim, logo que termine de admirar a "coragem pessoal" da dona Marisa, que se arrisca a sofrer piropos e horrores similares às mãos (salvo seja) do marialva lusitano, tenciono sair por aí a berrar apelos à concórdia universal e ao extermínio do homem branco, razão de todas as tragédias. E a mulher branca não pense que escapa: daqui a apedrejarmos as galdérias que atraem e transtornam as vítimas da "islamofobia" é um passo. Ou um braço.
O BOM
Sound and vision
Na morte de David Bowie, que venerei na adolescência e quase esqueci após um concerto fracote em 1990, os obituários repetiram o mito da "inovação". De facto, o mérito dele consistiu em farejar "tendências" e transformá-las em matéria digerível pelas massas. Pelo meio, houve poses, talento e a esporádica jóia. Hunky Dory, de 1971, é uma abençoada colecção de canções, e uma rara ocasião em que o "conceito" não afoga a substância. Nada mau, embora não tão bom como dizem.
O MAU
O desrespeitinho
Ricardo Costa, irmão de um PM sem votos nem vergonha, pergunta na televisão ao candidato presidencial Vitorino Silva: "O que é que você está aqui a fazer?" Resposta: "Estou aqui porque a SIC me convidou." Não tenho simpatia por "Tino" de Rans ou ilusões sobre os "homens simples", mas pior que a boçalidade óbvia de uns é a soberba infundada de outros. Ricardo Costa podia ter dedicado a arrogância a pelo menos mais seis ou sete candidatos. Não o fez, e essa cautela é o retrato de um País triste.
O VILÃO
Um estadista
Com a classe e a subtileza que o celebrizaram, o dr. Costa acusa a "direita" de estar "raivosa" porque "o Governo não só existe como também funciona". Então não? Após entregar a educação ao ministro Mário Nogueira e os transportes ao ministro Arménio Carlos, atirar para o contribuinte novo desastre da banca, demolir qualquer hipótese próxima de investimento estrangeiro e encaminhar o País rumo ao Terceiro Mundo, o Governo funciona. Sucede apenas que, como a cabeça do dr. Costa, não funciona bem.

Os pupilos do senhor reitor
Alberto Gonçalves
Janeiro 26, 2016

Não me interessa saber se Sampaio da Nóvoa se licenciou em teatro, ou rendas de bilros. A julgar pelas suas intervenções públicas, a única coisa que estudou na vida foram as cantigas concorrentes ao Festival RTP nos anos 70, sobretudo as letras de Ary dos Santos. À época, uma pessoa ouvia aquilo e perguntava: de que diabos estão para ali a falar? Ninguém respondia. O mesmo desconforto é suscitado no século XXI pela retórica do candidato presidencial, a qual partilha o tom presunçoso, saloio, desconchavado e em última instância infantil de versos como "Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia" ou "Meu irmão, minha amêndoa, meu amigo".
Não há apenas o anatómico "Tudo no meu corpo é Minho, todo o meu corpo é Norte". Há também a vinícola imagem do "saca-rolhas" que "puxa" por um "país sem amarras", decerto ajudado pelos "cavalos-potência do conhecimento". Há o presidente "que tem na cabeça o mapa do futuro" e é "das palavras e das causas" e, talvez a horas impróprias, "quer acordar Portugal". E há as verdades indesmentíveis da "democracia que se faz na democracia" e do "cada pessoa aqui presente será um de nós". E o apelo desesperado a não sei o quê que devemos agarrar "com as mãos inteiras e com o coração inteiro". E há a misteriosa aversão a certo tipo de recipientes, já que o prof. da Nóvoa detesta "caixas de pensamento", "caixinhas de formalismos" e "caixas clássicas" (?). Nesta linha, exige que se pense "fora da caixa" e agradece "contributos fora da caixa". Literalmente, o homem não dá uma para a caixa.
Donde a necessidade de nos perguntarmos que espécie de gente, entre a população adulta, é capaz de levar a sério semelhante colectânea de pateguices. Agora a resposta existe, e é fácil: gente igualzinha ao prof. da Nóvoa. No site oficial da candidatura, diversas "personalidades" que presumo célebres (não conheço 95%) explicam o que as leva a apoiar tão patusca figura. Dúzia e meia de exemplos chegam e sobram para se perceber com quem estamos a lidar.
Um cavalheiro apoia-o "pela sua humanidade". Outro porque "é um presidente de futuro". Outro ainda porque ele "faz a diferença que [sic] Portugal necessita para se reencontrar". E não esqueçamos os que votam no prof. da Nóvoa "pela sua leveza", por "incorporar a irreverência do artista, que usa as palavras como matéria-prima essencial", "pela forma como fala da liberdade e do sonho", por ser "um homem ousado que nos trás [sic] alegria e esperança", por ser urgente "ver a cultura tratada como merece", por possuir "uma ampla mundividência", porque "com ele o futuro tem futuro", porque resiste ao "austeristarismo" [sic], porque nos resgatará do "pântano anímico", porque "dá lugar a amplos horizontes", porque é "um amante de livros e bibliotecas", porque é "uma luz", porque regenera a "nação, apoucada e traída por arteiros e serviçais de uma Europa plutocrata", porque é contra "as políticas fascizantes", porque "é Abril na presidência", etc. A terminar, o meu depoimento preferido, o da jovem que quer, "como quer a juventude, perder a vergonha em deixar brilhar os olhos. Os olhos querem brilhar, o coração quer bater", eira de milho, luar de Agosto, quem faz um filho fá-lo por gosto, lá lá lá.
Se, catastroficamente, viesse a realizar-se, o tempo Nóvoa, perdão, novo seria isto. E isto é um manicómio a céu aberto.

O BOM
Espectacular
O sonho de sociólogo de Augusto Santos Silva é assistir a um espectáculo de Tony Carreira. Há coincidências espantosas: o meu é assistir a um espectáculo de Augusto Santos Silva. Principalmente aqueles realizados no ministério dos Negócios Estrangeiros e que incluem, logo a abrir, a compra de um faqueiro por 100 mil euros ou de um serviço Vista Alegre por 43 mil. Por azar, são restritos a convidados. E a segurança à entrada é severa com quem, como eu, não possui consciência social.
O MAU
Um fantasma
Durante anos, referi-me por diversas vezes a Assunção Cristas como a "ministra da UDP". Notório exagero: a senhora é apenas uma socialista comum, do género que castiga com multas os "excessos" dos mercados. Numa entrevista, aliás, a dra. Assunção confessa partilhar com a esquerda o valor da liberdade, prova cabal de que não sabe o que isso é. Não espanta a sua chegada à liderança do CDS. Espanta que, num País assombrado pela ideia da "direita", a direita nem sequer exista.
O VILÃO
Manter o nível
O Podemos espanhol distingue-se pelos dreadlocks de um deputado e o rabo-de-cavalo do líder. O rabo-de-cavalo veio apoiar a candidata do Podemos português. E disse que Marisa Matias é "uma pessoa normal". Dez segundos depois disse que ela tem "algo mágico": "nós, pessoas normais, caminhamos – a Marisa avança". Ou seja, não disse coisa com coisa. Logo, integrou-se perfeitamente na campanha das "presidenciais", uma coisa indigna de eleições para o condomínio.

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