Quando era criança, costumava
brincar aos médicos, às donas de casa, às lojas, com as amigas da vizinhança e
colegas da escola que nesse tempo íamos chamar às casas de cada uma, numa
liberdade de espaço que dificilmente hoje é concedida às crianças, não só por
receio do mundo, mas também porque a interacção se faz por via telefónica ou através
do skype. Eram brincadeiras de ficção, que metiam bonecas, uma balança feita
pelo meu pai, arroz de areia, bacalhau das folhas das árvores. É certo que recordo
também outras brincadeiras mais reais, que incluíam bolas ou as andas que o meu
pai talhara com o podão, dos galhos das árvores do passeio, nas épocas da poda,
que os trabalhadores da Câmara deixavam algum tempo espalhados em torno das
árvores, andas que o meu pai construiria mais tarde com pregos e madeira aplainada,
com as quais percorríamos os nossos espaços,
como o fazem, em maior amplitude hoje, os rapazinhos nos seus skates. Mas o
tempo das mercearias foi talvez anterior, brincadeiras de ficção em que as
contas não tinham que bater certo, limitadas ao “quanto custa?” E ao “custa
tanto” dos nossos cálculos espontâneos.
Lembrou-me esse passado de
brincadeira e de cálculos arbitrários o artigo de Alberto Gonçalves «Uma experiência chamada
Portugal», de
tal modo este consegue sintetizar – com a indignação que o caso merece – o que
se passou com o rascunho do OE enviado à Comissão Europeia, e a resposta desta,
ao descrevê-la como «horrorizada com tamanho caldo de inépcia,
trafulhice, alucinação e certificada desgraça», tendo devolvido «o papel
acompanhado de uma carta que se esforça por manter a polidez protocolar embora
não esconda certa falta de paciência para as artimanhas de burgessos.»
Mas não foi por brincadeira, foi mesmo a sério, que o
OE foi esboçado, por um governo engasgado, e que vai tentar refazer os cálculos
furados, pressionado pelo compromisso perante a Europa, entalado pelos
compromissos com a esquerda da sua aliança irresponsável, esquerda astuciosa que
não quis ser governo, pois no cais é que está bem, chefe da estação encarregado
apenas do apito, bem refastelado no cais, enquanto o maquinista tenta orientar
a locomotiva para não haver descarrilamento ao longo do percurso.
Alberto Gonçalves descreve magistralmente o caso. Só
nos resta a indignação.
E entretanto, a
Europa – e nós, por arrastamento servil e vil - vai rebaixando-se abjectamente ao
Islão, tapando as suas estátuas por respeito à “pudicícia (!?)” islamita. Parece, de facto, ficção. Bem haja
Alberto Gonçalves que o desmascara brilhantemente.
Uma
experiência chamada Portugal
DN, 31/1/16
Se bem percebi, o alegado governo que nos caiu em cima
enviou à Comissão Europeia um rascunho do Orçamento do Estado, o qual, segundo
quem sabe do assunto, ganharia em ter sido produzido por dois cangurus munidos
de uma "folha" de Excel. A CE, horrorizada com tamanho caldo de
inépcia, trafulhice, alucinação e certificada desgraça, devolveu o papel
acompanhado de uma carta que se esforça por manter a polidez protocolar embora
não esconda certa falta de paciência para as artimanhas de burgessos.
O dr. Costa e os serviçais do governo reagiram através
da desvalorização da carta, até porque, garantiam eles, as objecções da CE
prendem-se com ligeirezas técnicas e, por favor não se engasguem, "não têm
relevância política". Em
simultâneo, um teórico do "costismo" (o equivalente em sofisticação
ao atendedor de chamadas do professor Bambo) acusou a CE de "tentar tramar
o governo português". A acreditar nos socialistas, o Conselho Económico
e Social, o Conselho das Finanças Públicas, a Unidade Técnica de Apoio
Orçamental, quatro agências de rating, a UEFA e um vizinho meu também aderiram
à conspiração.
No que toca aos partidos comunistas que de facto
mandam no circo, e que nem com a queda do muro aproveitaram para fugir do
hospício, instigam o dr. Costa a enfrentar a "Europa dos interesses"
com, engasguem-se à vontade, firmeza. Catarina Martins avisa que a CE
"está a assaltar-nos", mas na verdade o arranjinho que a dra.
Catarina integra é que o fez em Outubro - e agora julgasse ser igualmente fácil
assaltar os contribuintes alemães. Para distinguir o PCP do Bloco, o sr.
Jerónimo repete a lengalenga do Bloco.
De seguida, o dr. Costa, cuja fluência na própria
língua de facto levanta interrogações acerca da comunicação com estrangeiros,
voltou à carga com redobrado delírio, mais a consideração de que as previsões
do governo são "conservadoras e realistas" e a denúncia de que Passos
Coelho - o "senhor primeiro-ministro", nas palavras do alegado -
enganou Bruxelas.
Entretanto, há infelizes que com as melhores intenções
vão à televisão comentar a "situação" como se a "situação"
merecesse comentários. É, evidentemente, uma trabalheira inglória: nada que
saia das infantis cabeças que nos governam (força de expressão) exibe um pingo
de racionalidade e pode ser levado a sério. Séria só a desgraça em que
concorrem para nos deixar, de que eles escaparão com típica impunidade. E que
nós pagaremos com típica resignação e, desconfio, sofrimento inédito. Portugal
é hoje uma experiência, à escala real, para averiguar quanto tempo um país
resiste nas mãos de transtornados. Eis uma previsão conservadora e realista:
pouco.
Sexta-feira, 29 de Janeiro
Vestidos de preconceitos
Sinceramente percebo que o primeiro-ministro italiano,
além de esconder o vinho, tenha encaixotado as deusas e os guerreiros despidos
dos Museus Capitolinos para a visita do presidente iraniano. Afinal, quando se
convive com patrocinadores do terrorismo internacional (ou da resistência ao
"sionismo", para não cairmos no "racismo" e na
"xenofobia") é aconselhável que alguém, nem que sejam as estátuas, se
cubra de vergonha.
Além disso, a cautela foi menos religiosa do que
patrimonial. Em várias cidades europeias, os acontecimentos da passagem de ano
provaram que certas culturas (dizer quais é "racismo" e
"xenofobia") reagem com natural efervescência à nudez alheia. Algumas
pessoas (atenção ao "racismo" e à "xenofobia") tomam uma
orelha destapada como um convite a bacanais de consentimento unilateral.
Imagine-se a excitação do sr. Hassan Rouhani na presença de criaturas, ainda
que de mármore, em pelota integral. E é melhor não imaginar os danos que o
homem infligiria à arte clássica se, para cúmulo, tivesse bebido. No fim de contas,
a sensatez impôs-se, as esculturas salvaram-se, a honra dos castos manteve-se e
tudo acabou bem.
Excepto o que promete acabar mal. É que as sábias
mesuras de Roma infelizmente ainda não contaminam todas as autoridades do
continente. Há dias, o preconceito levou à detenção na Eurodisney de um
inocente com duas armas e um exemplar do Corão. Na sua pequenina escala, o
episódio traduz o recorrente desrespeito pelas tradições do Outro, incluindo a
matança de transeuntes.
Numa dimensão superior de intolerância -
"nazi", importa acrescentar de imediato - temos a Finlândia e a
Suécia, que gostariam de deportar milhares de imigrantes (caso os apanhassem).
Temos a Alemanha, que começa a ceder à incapacidade dos eleitores em verem os
refugiados como a massa dócil que enfeita interlúdios na SIC Notícias e na
TVI24. E temos a habitualmente desumana Dinamarca (lembrar os cartoons de
Maomé), que para desanimar novos refugiados pondera confiscar parte dos bens
aos actuais.
A propósito de tal ultraje, o nosso PS, atento, chamou
o embaixador dinamarquês ao Parlamento com carácter de urgência. Decerto vai
exigir-lhe a abertura total das fronteiras, a participação em 16 vigílias
ecuménicas e uma confissão de amor imoderado ao lendário islão moderado. Na
próxima semana, o PS convocará o representante local da Disney e reivindicará
que vista um par de calças ao Pato Donald. Nem toda a Europa enlouqueceu. O
"racismo" e a "xenofobia" não podem vencer, excepto o
"racismo" e a "xenofobia" deles: como na história dos nus,
é questão de cortesia. Brindemos, sem álcool, à harmonia universal.
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