Rui Tavares parece muito
triste com as tentativas fracassadas da esquerda europeia – nas quais se conta
a dele, Rui Tavares, historiador e dirigente do Livre - de refundar, se não
refundir a União Europeia. Afirma que foi a Berlim nesse sentido, integrado
numa aspiração comum de lançar DiEM – mais um movimento que quer refundar – se não
refundir - a União Europeia, e cujo patrono parece ser Yanis Varoufakis, o
qual, depois de algumas cambalhotas no trampolim das suas aspirações de
conquista, parece reconhecer que o melhor mesmo é permanecer na UE, a cabeça poderosa,
diga-se o que se disser - provavelmente também o tronco e os membros - para nela
se usufruir dos mesmos proventos que os outros partidos mais dóceis, enquanto,
à sorrelfa, lhe vão desfazendo nas directivas somiticamente democráticas,
segundo os ideais dessa esquerda bem fornida deles.
E é por isso que Rui Tavares
se sente frustrado e considera “idiotas” os parceiros da conspiração de Berlim,
na qual participou. É que parecem todos acomodados a uma UE,
apesar das críticas, UE sempre
revitalizadora dos fundos comunitários de cada um, que lhes não convém perder.
É assim que pensa Varoufakis e
os camaradas verdes europeus, e os camaradas do Die Link, e Jeremy Corbyn que
fará campanha pelo “sim” da continuação do Reino Unido na União Europeia,
afinal de contas, mais social do que ninguém, a boa dessa União, onde parece
que os delegados parlamentares auferem bom proventos que não lhes convém perder - isto soube eu por email
indignado, que não passei a seu tempo e agora já não poderei confirmar, mas se
Rui Tavares está incluído no rol dos receptores pecuniários parlamentares da
União, mal faz ele em não pensar da mesma forma, pois até o Podemos está a
favor, caramba, e o Tsipras se converteu, espertos que são, embora para Rui
Tavares os nossos esquerdos é que são inteligentes, afirma ele pateticamente, agarrado
aos seus nobres princípios, de que não quer desistir, para ficar bem na
fotografia. Porque o que conta mesmo é a solidariedade, liberdade, igualdade,
fraternidade, generosidade, para com os da humildade, nem que para isso se
desfaça o resto do país. Daí a frustração de Rui Tavares, passando a mão amaciadora
e estimulante sobre os mesquinhos camaradas lutadores do seu país, chamando-os
de inteligentes, ao fazer o paralelo com os interesseiros colegas europeus,
enquanto ele próprio se vai alambazando lá por fora, no mesmo tacho, a preparar
as côdeas da velhice. Afinal, uma esperteza, de desdém fictício, igual à de
toda a gente que se preze, mostrar-se meigo e compincha, para manter a posição
e a aura, mas locupletar-se lá por fora, fingindo que é contra os camaradas de
lá, e a favor dos de cá, em falsa lamúria pueril. Não era assim o «Ladino» de
Miguel Torga, um bom pardal?
Uma
conspiração de idiotas
Berlim. — Cheguei sem mostrar o passaporte ou qualquer
outro documento uma única vez. Os euros não são muitos mas também funcionam
aqui. Talvez o idiota seja eu. Ou talvez as notícias do fim de Schengen, do
euro e da UE sejam um bocadinho exageradas.
Mas não serei, ao menos, o único idiota. Estou aqui
para participar do lançamento do DiEM 25, mais um movimento que quer lutar por uma refundação
democrática da União Europeia. Yanis Varoufakis, que tem todas as razões para
não gostar das reuniões do eurogrupo e muito poucas para simpatizar com
eurocratas, é o nosso anfitrião e também chegou à conclusão, após muitas
vicissitudes, que o melhor caminho para a esquerda europeia é ficar dentro do
euro e da UE e tudo fazer para os reformar.
Há mais. Estão cá vários camaradas dos verdes
europeus, mas esses já são suspeitos de “cosmopolitismo desenraizado” e, quem
sabe o horror, às vezes até culpados de federalismo. Mas estão também os
camaradas do Die Linke, o partido mais à esquerda na política alemã, que também
entendem que a democracia europeia é a forma de não deitar fora as conquistas
do pós-guerra.
Podíamos continuar. O líder mais à esquerda que os
trabalhistas britânicos já tiveram, Jeremy Corbyn, anunciou recentemente que
fará campanha pelo “Sim” no referendo sobre a manutenção do Reino Unido na
União Europeia, pois “ficar na UE é a melhor maneira de poder votar por uma
Europa verdadeiramente social”. Em Espanha, o Podemos e Pablo Iglesias
abandonaram o seu euroceticismo inicial, defendem a reforma do euro e
aproximam-se cada vez mais da necessidade de democratizar a União. Na Grécia,
Tsipras chegou à mesma conclusão.
No meio de tudo isto, inteligente mesmo é aquela
esquerda, numerosa em Portugal, que prefere a desintegração do euro (como Le
Pen) e acha que não há lugar para a democracia fora do estado-nação (como
Orbán). As profecias sobre o fim da UE, sempre doutas quando não catedráticas,
abundam: está para breve, ou é mais daqui a bocado quando as primeiras
profecias falham, ou — quando falham as segundas — o fim já foi e o euro ou o
projeto europeu, “de facto”, já acabaram (de acordo com uma teoria qualquer que
o justifique).
Com tantas certezas, será talvez uma conspiração de
idiotas vir a Berlim defender que uma democracia europeia não vai contra as
democracias nacionais mas é antes a melhor forma de as preservar sem por em
causa a paz e a prosperidade no continente. Será talvez uma idiotice defender
uma UE em que a Comissão Europeia seja eleita por via parlamentar, em que os
cidadãos possam ir ao Tribunal de Justiça da UE quando os seus direitos são
violados, em que o Parlamento Europeu possa iniciar legislação e em que no
Conselho da UE não sejamos representados por diplomatas mas por legisladores
eleitos. Será talvez idiota dizer aos jovens que já nasceram nesta Europa que,
se lutarem por fazê-la democrática, terão aqui futuro — e aqui darão futuro a
muitos que o procuram neste continente.
Mas ao menos seria bom que a esquerda portuguesa
entendesse que se os progressistas desistirem do projeto europeu estarão a
fazer o jogo às duas direitas: à extrema-direita que agradece a reprodução do
seu discurso, e à direita no poder que agradece a falta de comparência na
definição das políticas europeias.
Historiador, dirigente do Livre
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