sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

A escova




Rui Tavares parece muito triste com as tentativas fracassadas da esquerda europeia – nas quais se conta a dele, Rui Tavares, historiador e dirigente do Livre - de refundar, se não refundir a União Europeia. Afirma que foi a Berlim nesse sentido, integrado numa aspiração comum de lançar DiEM – mais um movimento que quer refundar – se não refundir - a União Europeia, e cujo patrono parece ser Yanis Varoufakis, o qual, depois de algumas cambalhotas no trampolim das suas aspirações de conquista, parece reconhecer que o melhor mesmo é permanecer na UE, a cabeça poderosa, diga-se o que se disser - provavelmente também o tronco e os membros - para nela se usufruir dos mesmos proventos que os outros partidos mais dóceis, enquanto, à sorrelfa, lhe vão desfazendo nas directivas somiticamente democráticas, segundo os ideais dessa esquerda bem fornida deles.
E é por isso que Rui Tavares se sente frustrado e considera “idiotas” os parceiros da conspiração de Berlim, na qual participou. É que parecem todos acomodados a uma UE,  
apesar das críticas, UE sempre revitalizadora dos fundos comunitários de cada um, que lhes não convém perder.
É assim que pensa Varoufakis e os camaradas verdes europeus, e os camaradas do Die Link, e Jeremy Corbyn que fará campanha pelo “sim” da continuação do Reino Unido na União Europeia, afinal de contas, mais social do que ninguém, a boa dessa União, onde parece que os delegados parlamentares auferem bom proventos que não  lhes convém perder - isto soube eu por email indignado, que não passei a seu tempo e agora já não poderei confirmar, mas se Rui Tavares está incluído no rol dos receptores pecuniários parlamentares da União, mal faz ele em não pensar da mesma forma, pois até o Podemos está a favor, caramba, e o Tsipras se converteu, espertos que são, embora para Rui Tavares os nossos esquerdos é que são inteligentes, afirma ele pateticamente, agarrado aos seus nobres princípios, de que não quer desistir, para ficar bem na fotografia. Porque o que conta mesmo é a solidariedade, liberdade, igualdade, fraternidade, generosidade, para com os da humildade, nem que para isso se desfaça o resto do país. Daí a frustração de Rui Tavares, passando a mão amaciadora e estimulante sobre os mesquinhos camaradas lutadores do seu país, chamando-os de inteligentes, ao fazer o paralelo com os interesseiros colegas europeus, enquanto ele próprio se vai alambazando lá por fora, no mesmo tacho, a preparar as côdeas da velhice. Afinal, uma esperteza, de desdém fictício, igual à de toda a gente que se preze, mostrar-se meigo e compincha, para manter a posição e a aura, mas locupletar-se lá por fora, fingindo que é contra os camaradas de lá, e a favor dos de cá, em falsa lamúria pueril. Não era assim o «Ladino» de Miguel Torga, um bom pardal?

Uma conspiração de idiotas
Público, 09/02/2016 

Berlim. — Cheguei sem mostrar o passaporte ou qualquer outro documento uma única vez. Os euros não são muitos mas também funcionam aqui. Talvez o idiota seja eu. Ou talvez as notícias do fim de Schengen, do euro e da UE sejam um bocadinho exageradas.
Mas não serei, ao menos, o único idiota. Estou aqui para participar do lançamento do DiEM 25, mais um movimento que quer lutar por uma refundação democrática da União Europeia. Yanis Varoufakis, que tem todas as razões para não gostar das reuniões do eurogrupo e muito poucas para simpatizar com eurocratas, é o nosso anfitrião e também chegou à conclusão, após muitas vicissitudes, que o melhor caminho para a esquerda europeia é ficar dentro do euro e da UE e tudo fazer para os reformar.
Há mais. Estão cá vários camaradas dos verdes europeus, mas esses já são suspeitos de “cosmopolitismo desenraizado” e, quem sabe o horror, às vezes até culpados de federalismo. Mas estão também os camaradas do Die Linke, o partido mais à esquerda na política alemã, que também entendem que a democracia europeia é a forma de não deitar fora as conquistas do pós-guerra.
Podíamos continuar. O líder mais à esquerda que os trabalhistas britânicos já tiveram, Jeremy Corbyn, anunciou recentemente que fará campanha pelo “Sim” no referendo sobre a manutenção do Reino Unido na União Europeia, pois “ficar na UE é a melhor maneira de poder votar por uma Europa verdadeiramente social”. Em Espanha, o Podemos e Pablo Iglesias abandonaram o seu euroceticismo inicial, defendem a reforma do euro e aproximam-se cada vez mais da necessidade de democratizar a União. Na Grécia, Tsipras chegou à mesma conclusão.
No meio de tudo isto, inteligente mesmo é aquela esquerda, numerosa em Portugal, que prefere a desintegração do euro (como Le Pen) e acha que não há lugar para a democracia fora do estado-nação (como Orbán). As profecias sobre o fim da UE, sempre doutas quando não catedráticas, abundam: está para breve, ou é mais daqui a bocado quando as primeiras profecias falham, ou — quando falham as segundas — o fim já foi e o euro ou o projeto europeu, “de facto”, já acabaram (de acordo com uma teoria qualquer que o justifique).
Com tantas certezas, será talvez uma conspiração de idiotas vir a Berlim defender que uma democracia europeia não vai contra as democracias nacionais mas é antes a melhor forma de as preservar sem por em causa a paz e a prosperidade no continente. Será talvez uma idiotice defender uma UE em que a Comissão Europeia seja eleita por via parlamentar, em que os cidadãos possam ir ao Tribunal de Justiça da UE quando os seus direitos são violados, em que o Parlamento Europeu possa iniciar legislação e em que no Conselho da UE não sejamos representados por diplomatas mas por legisladores eleitos. Será talvez idiota dizer aos jovens que já nasceram nesta Europa que, se lutarem por fazê-la democrática, terão aqui futuro — e aqui darão futuro a muitos que o procuram neste continente.
Mas ao menos seria bom que a esquerda portuguesa entendesse que se os progressistas desistirem do projeto europeu estarão a fazer o jogo às duas direitas: à extrema-direita que agradece a reprodução do seu discurso, e à direita no poder que agradece a falta de comparência na definição das políticas europeias.
Historiador, dirigente do Livre

Nenhum comentário: