Fátima Campos Ferreira é uma mulher
de armas, que enfrenta o touro pelos cornos, vê-se bem no seu Prós e Contras
semanal, com o amplo contributo de personalidades competentes a dar o seu
parecer sobre temas relevantes da economia, da moralidade, da educação, da política
em suma, que é da pólis que se trata sempre.
No “Prós e Contras” de ontem, que só
apanhei quase no fim, entretida nos meandros sinuosos do “Coração de Ouro”,
estava um jovem socialista a defender com unhas e dentes a eutanásia, segundo
um parecer de misericórdia e de defesa da dignidade na morte, mesmo que não a
tenha havido na vida, a que se seguiram as teses contrárias de Laurinda Alves,
de mais um padre e de alguém do CDS, que gostei de ouvir, nos seus ditames contrários,
mais de acordo com as leis do cristianismo, por me parecerem justas sobre um
acto que não deixa de ser de assassínio, embora bem intencionado, e por isso
não despenalizável, como pretendem os do poder avançado, que entendem não ser
democrática a não despenalização da tal eutanásia, mesmo que tenha subjacente a
intenção de minorar o passamento de sofrimento excessivo e prolongado. A isto,
o meu marido comentou sobre o contrassenso entre os avanços da medicina no
prolongamento da vida humana e a pretensão humana de acabar com ela, ainda que
por motivos morais e de caridade, ou de defesa da dignidade. O que me parece é
que, por muito que se apregoem os sentimentos de bondade subjacentes à proposta
da despenalização da eutanásia, no fundo também se deseja preservar o nosso
próprio sofrimento de assistentes impotentes.
Lembro “La Mort du Père”, 3º
tomo de « Les Thibault », de Roger Martin du Gard, em que Antoine, o
filho mais velho, médico, na agonia final do pai, se decide, após muita
hesitação, a abreviar-lhe a dor, que os momentos derradeiros tornam
perfeitamente obscenos, quer em sofrimento quer em puerilidade, apagando, num
ápice, a imagem de uma vida que fora imponente e marcante de prestígio no seu
mundo. Lembro-me de que me impressionou muito a morte desse pai que Antoine
ajudou a morrer, por intermédio de injecção apaziguadora, e esse acto do filho,
em parte, criou em mim uma sensação de repúdio que não esqueci, talvez por ter
17 anos na altura em que “devorei” o livro, pela afinidade com a figura rebelde
e incompreendida de Jacques Thibault, o filho mais novo.
Todavia, utilizar antídotos que,
embora não curem, quando já não há remédios que curem, sirvam para minorar o
sofrimento excessivo, parece medida de humanidade. Talvez eu próprio preferisse
um apagamento assim, caso o ataque cardíaco me não faça morrer durante o sono.
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