terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Aval



Fátima Campos Ferreira é uma mulher de armas, que enfrenta o touro pelos cornos,  vê-se bem no seu Prós e Contras semanal, com o amplo contributo de personalidades competentes a dar o seu parecer sobre temas relevantes da economia, da moralidade, da educação, da política em suma, que é da pólis que se trata sempre.
No “Prós e Contras” de ontem, que só apanhei quase no fim, entretida nos meandros sinuosos do “Coração de Ouro”, estava um jovem socialista a defender com unhas e dentes a eutanásia, segundo um parecer de misericórdia e de defesa da dignidade na morte, mesmo que não a tenha havido na vida, a que se seguiram as teses contrárias de Laurinda Alves, de mais um padre e de alguém do CDS, que gostei de ouvir, nos seus ditames contrários, mais de acordo com as leis do cristianismo, por me parecerem justas sobre um acto que não deixa de ser de assassínio, embora bem intencionado, e por isso não despenalizável, como pretendem os do poder avançado, que entendem não ser democrática a não despenalização da tal eutanásia, mesmo que tenha subjacente a intenção de minorar o passamento de sofrimento excessivo e prolongado. A isto, o meu marido comentou sobre o contrassenso entre os avanços da medicina no prolongamento da vida humana e a pretensão humana de acabar com ela, ainda que por motivos morais e de caridade, ou de defesa da dignidade. O que me parece é que, por muito que se apregoem os sentimentos de bondade subjacentes à proposta da despenalização da eutanásia, no fundo também se deseja preservar o nosso próprio sofrimento de assistentes impotentes.
Lembro “La Mort du Père”, 3º tomo de « Les Thibault », de Roger Martin du Gard, em que Antoine, o filho mais velho, médico, na agonia final do pai, se decide, após muita hesitação, a abreviar-lhe a dor, que os momentos derradeiros tornam perfeitamente obscenos, quer em sofrimento quer em puerilidade, apagando, num ápice, a imagem de uma vida que fora imponente e marcante de prestígio no seu mundo. Lembro-me de que me impressionou muito a morte desse pai que Antoine ajudou a morrer, por intermédio de injecção apaziguadora, e esse acto do filho, em parte, criou em mim uma sensação de repúdio que não esqueci, talvez por ter 17 anos na altura em que “devorei” o livro, pela afinidade com a figura rebelde e incompreendida de Jacques Thibault, o filho mais novo.
Todavia, utilizar antídotos que, embora não curem, quando já não há remédios que curem, sirvam para minorar o sofrimento excessivo, parece medida de humanidade. Talvez eu próprio preferisse um apagamento assim, caso o ataque cardíaco me não faça morrer durante o sono.

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