segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Volteios, tortuosidades



Dois artigos de Vasco Pulido Valente - sobre a crise na governação, o primeiro, o segundo, sobre Passos Coelho. O primeiro, no festival de troça que agora virou de direcção, mais incisiva sobre o governo da autodesignada legitimidade, é corroborado, na mesma última página, por uma asserção de O INIMIGO PÚBLICO sobre uma confusão da Comissão Europeia a respeito de Centeno – de expressivo retrato figurando em interior de moeda: «Comissão Europeia pensava que Centeno era uma unidade em português», e daí que também o “Escrito na Pedra” da mesma página lhe assente que nem luva, o que não é de estranhar, pois se trata de um pensamento do físico genial Albert Einstein (1879/1955): «A descoberta não é afectada pelo raciocínio lógico, apesar de o produto final estar associado a uma forma lógica».
Assim, tanto o pensamento irreverente do «Escrito na Pedra» sobre o ministro das Finanças de António Costa, como a dedução sobre a lógica da conclusão, mesmo sem grande pretensão de verdade argumentativa, justificam o pessimismo do primeiro escrito de Pulido Valente a respeito da “trapalhada financeira portuguesa”, com antecedentes de séculos passados já descritos por exímios manobradores da língua portuguesa, que será o que nos pode restar, numa conjectura sem expectativa de melhoria, em que os que pretendem remendar parecem fazê-lo, no meio da agonia geral, sobretudo em desesperada tentativa de sobrevivência pessoal. Daí a proposta de Pulido Valente, de rotativismo na alternância do poder, como já acontecera no século XIX, dos dois partidos principais de então – Regeneradores e Progressistas. Os de hoje, PS e PSD, bem os podem imitar, (os da esquerda acomodados às suas câmaras) – para tudo seguir mais tranquilamente, pois no “mistério” da nossa história desde longa data, o povo se acomoda a cada novo governo, como já informava João de Deus no seu epigrama “Eleições”:
Há entre el-rei e o povo
Por certo um acordo eterno:
Forma el-rei governo novo,
Logo o povo é do governo
Por aquele acordo eterno
Que há entre el-rei e o povo.
Graças a esta harmonia,
Que é realmente um mistério,
Havendo tantas facções,
O governo, o ministério
Ganha sempre as eleições
Por enorme maioria!
Havendo tantas facções,
É realmente um mistério!
Mas de facto, não será assim hoje. A conclusão de Pulido Valente - «Se o PS e o PSD alternassem pacificamente no poder, a pobreza da Pátria não os deixaria fazer muito mal, nem muito bem. E o PCP que lá se divertisse com as suas Câmaras do Alentejo e os seus sindicatos, na paz que se deve à velhice.» - nem de longe parece ser passível de execução, o povo que o PCP manipula – não direi mais politizado, mas mais “livre” - há muito que deixou de respeitar os sucessivos governos. Ao PCP não interessa a estabilidade pátria, ele não se diverte apenas nas suas Câmaras, e sem estabilidade, na contínua recreação das greves, nenhum governo pode governar bem, a miséria aumentando, que a instabilidade contribui para acentuar.
Quanto ao artigo sobre Passos Coelho, eu continuo a acreditar nos seus princípios patrióticos como base da sua participação. E espero nele, após a cambalhota… que desejo que se não dê.

Vasco Pulido Valente

O dr. Centeno (e com ele o governo de Costa) parece um maníaco daqueles que mudam o dinheiro de bolso na esperança de que ele cresça. Ainda se houvesse dinheiro suficiente para ficar algum nos bolsos menos fundos, o exercício podia ter um mérito. Mas não há e, no fim do dia, acaba tudo na miséria do costume. Quem conhece a história do Portugal da “Regeneração”, o regime mais comparável ao deste de agora, sabe que a dívida e a trapalhada financeira sempre foram uma das mais nobres características da raça. E quem se quiser rir com as nossas mentiras públicas que leia Ramalho e um bocadinho de Eça. São os dois mais pertinentes do que a retórica por aí anda em curso, tanto a dos cavalheiros que fazem contas, como a dos que não fazem. De resto, no tempo deles, de quando em quando, ainda se escrevia português.
De qualquer maneira, a aventura de Costa e dos seus sócios serviu para revelar uma verdade básica: a III República deixou de ter partidos. Tem uns bandos que andam à procura de um emprego ou de popularidade; e tem um museu de Arte Antiga que se chama Partido Comunista Português. As diferenças não passam do seguinte: a esquerda quer aliviar os pobres, por meio de um aumento ridículo do respectivo rendimento; a direita quer tirar aos pobres meia dúzia de tostões mais, para “consolidar as finanças” e contentar os ricos. Infelizmente, nem à esquerda, nem à direita se vêem os meios das políticas que prometeram. E, pior do que isso, Portugal por um lado e a “Europa” por outro não permitem que elas sejam levadas muito a sério ou muito longe. Em substância, sobra odium theologicum, que esse, pelo menos, não falta.
O PS vive hoje na incompreensível ilusão de que é, ou se prepara para ser, um partido radical. O PSD, segundo Passos Coelho, é um partido social-democrata, apenas desviado provisoriamente do seu caminho pela maldade do mundo. Suponhamos que existia um método qualquer, com certeza esotérico, para separar estas magníficas visões da humanidade, a oposição entre elas não justificava com certeza as questiúnculas com que a televisão e a imprensa nos moem o juízo. E a prova está em que acabou por ser preciso arranjar umas tantas querelas dúbias como a TAP ou a eutanásia, para tapar os buracos que a política começava a abrir. Se o PS e o PSD alternassem pacificamente no poder, a pobreza da Pátria não os deixaria fazer muito mal, nem muito bem. E o PCP que lá se divertisse com as suas Câmaras do Alentejo e os seus sindicatos, na paz que se deve à velhice.

Pedro Passos Coelho
Vasco Pulido Valente
Público, 21/2/16

Quando Pedro Passos Coelho se declarou um social-democrata de “sempre” e para “sempre” apagou a obstinação, a coragem e a clarividência com que governou durante quatro anos. Nada o desculpa. Principalmente não o desculpa que este estranhíssimo regresso ao passado tenha sido provocado pela necessidade táctica de conciliar ou, pelo menos, de calar a “esquerda” do partido, que desde 2011 se juntou à oposição e lhe fez todo o mal que pôde. Esta reviravolta de Passos Coelho é tanto mais desgraçada quanto a social-democracia deixou de fazer sentido e que hoje se limita à defesa da democracia e do Estado Social, duas coisas que em Portugal não estão ou estarão em risco num futuro previsível e que ao fim de 40 anos já não entusiasmam seja quem for.
Não se percebe o que pretende Passos Coelho. Aumentar os serviços que o Estado hoje presta aos cidadãos? Aumentar a área da sociedade que depende do Estado ou que o Estado regula? Afogar o que ainda resta de autonomia e de iniciativa num país mendigo e miserável? Porque se é isto que esconde a palavra “social-democracia”, há uma pequena coisa a dizer: o dr. António Costa e a extrema-esquerda são sem dúvida muito mais competentes para essa empreitada. Basta ouvir Catarina Martins ou Jerónimo da Sousa, que não abrem a boca sem sugerir que se gastem milhões sobre de euros, para promover a boa moral e a felicidade do povo. Para que se vai meter o PSD (e, por arrasto, o CDS) na feira demagógica para onde o PS nos conseguiu empurrar? Para chegar aonde?
Claro que a política portuguesa vive na iminência de eleições antecipadas. O Bloco, por exemplo, fala em 2017; e o PC, mais sombrio, até em 2016. Não me custa a acreditar que Passos Coelho acabasse por sofrer a influência da ralé partidária, que só pensa em ir para o “governo” o mais rapidamente possível e de qualquer maneira. E também, porque a conheço desde 1978, não me custa a acreditar que a dita ralé pense que leva a sua avante com um pouco de populismo, sob o nome absurdo de “social-democracia”. Cabe a Passos Coelho resistir a estas fantasias (para não lhes dar o nome que merecem) e preparar um plano para a direita ou, por outras palavras, para todo a gente à direita do PS. Se se confundir com a turva onda em que se tornou a antiga coligação CDS-PSD será mau para ele. E para nós.

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