Dois artigos de Vasco Pulido
Valente - sobre a crise na governação, o primeiro, o segundo, sobre Passos
Coelho. O primeiro, no festival de troça que agora virou de direcção, mais
incisiva sobre o governo da autodesignada legitimidade, é corroborado, na mesma
última página, por uma asserção de O INIMIGO PÚBLICO sobre uma confusão da
Comissão Europeia a respeito de Centeno – de expressivo retrato figurando em interior
de moeda: «Comissão Europeia pensava que Centeno era uma unidade em
português», e daí que também o “Escrito na Pedra” da mesma página
lhe assente que nem luva, o que não é de estranhar, pois se trata de um pensamento
do físico genial Albert Einstein (1879/1955): «A descoberta não é afectada
pelo raciocínio lógico, apesar de o produto final estar associado a uma forma
lógica».
Assim, tanto o pensamento
irreverente do «Escrito na Pedra» sobre o ministro das Finanças de
António Costa, como a dedução sobre a lógica da conclusão, mesmo sem grande
pretensão de verdade argumentativa, justificam o pessimismo do primeiro escrito
de Pulido Valente a respeito da “trapalhada financeira portuguesa”, com
antecedentes de séculos passados já descritos por exímios manobradores da
língua portuguesa, que será o que nos pode restar, numa conjectura sem
expectativa de melhoria, em que os que pretendem remendar parecem fazê-lo, no
meio da agonia geral, sobretudo em desesperada tentativa de sobrevivência
pessoal. Daí a proposta de Pulido Valente, de rotativismo na alternância do
poder, como já acontecera no século XIX, dos dois partidos principais de então –
Regeneradores e Progressistas. Os de hoje, PS e PSD, bem os podem imitar, (os
da esquerda acomodados às suas câmaras) – para tudo seguir mais tranquilamente,
pois no “mistério” da nossa história desde longa data, o povo se acomoda a cada
novo governo, como já informava João de Deus no seu epigrama “Eleições”:
Há entre el-rei e o povoPor certo um acordo eterno:
Forma el-rei governo novo,
Logo o povo é do governo
Por aquele acordo eterno
Que há entre el-rei e o povo.
Graças a esta harmonia,
Que é realmente um mistério,
Havendo tantas facções,
O governo, o ministério
Ganha sempre as eleições
Por enorme maioria!
Havendo tantas facções,
É realmente um mistério!
Mas de facto, não será assim hoje. A conclusão de
Pulido Valente - «Se o PS e o PSD
alternassem pacificamente no poder, a pobreza da Pátria não os deixaria fazer
muito mal, nem muito bem. E o PCP que lá se divertisse com as suas Câmaras do
Alentejo e os seus sindicatos, na paz que se deve à velhice.» - nem de longe parece ser passível de execução, o
povo que o PCP manipula – não direi mais politizado, mas mais “livre” - há
muito que deixou de respeitar os sucessivos governos. Ao PCP não interessa a
estabilidade pátria, ele não se diverte apenas nas suas Câmaras, e sem
estabilidade, na contínua recreação das greves, nenhum governo pode governar
bem, a miséria aumentando, que a instabilidade contribui para acentuar.
Quanto ao artigo sobre Passos Coelho, eu continuo a
acreditar nos seus princípios patrióticos como base da sua participação. E espero
nele, após a cambalhota… que desejo que se não dê.
Vasco Pulido Valente
O dr. Centeno (e com ele o governo de Costa) parece um
maníaco daqueles que mudam o dinheiro de bolso na esperança de que ele cresça. Ainda
se houvesse dinheiro suficiente para ficar algum nos bolsos menos fundos, o
exercício podia ter um mérito. Mas não há e, no fim do dia, acaba tudo na
miséria do costume. Quem conhece a história do Portugal da “Regeneração”, o
regime mais comparável ao deste de agora, sabe que a dívida e a trapalhada
financeira sempre foram uma das mais nobres características da raça. E quem se
quiser rir com as nossas mentiras públicas que leia Ramalho e um bocadinho de
Eça. São os dois mais pertinentes do que a retórica por aí anda em curso, tanto
a dos cavalheiros que fazem contas, como a dos que não fazem. De resto, no
tempo deles, de quando em quando, ainda se escrevia português.
De qualquer maneira, a aventura de Costa e dos seus
sócios serviu para revelar uma verdade básica: a III República deixou de ter
partidos. Tem uns bandos que andam à procura de um emprego ou de popularidade;
e tem um museu de Arte Antiga que se chama Partido Comunista Português. As
diferenças não passam do seguinte: a esquerda quer aliviar os pobres, por meio
de um aumento ridículo do respectivo rendimento; a direita quer tirar aos
pobres meia dúzia de tostões mais, para “consolidar as finanças” e contentar os
ricos. Infelizmente, nem à esquerda, nem à direita se vêem os meios das
políticas que prometeram. E, pior do que isso, Portugal por um lado e a
“Europa” por outro não permitem que elas sejam levadas muito a sério ou muito
longe. Em substância, sobra odium theologicum, que esse, pelo menos, não falta.
O PS vive hoje na incompreensível ilusão de que é, ou
se prepara para ser, um partido radical. O PSD, segundo Passos Coelho, é um
partido social-democrata, apenas desviado provisoriamente do seu caminho pela
maldade do mundo. Suponhamos que existia um método qualquer, com certeza
esotérico, para separar estas magníficas visões da humanidade, a oposição entre
elas não justificava com certeza as questiúnculas com que a televisão e a
imprensa nos moem o juízo. E a prova está em que acabou por ser preciso
arranjar umas tantas querelas dúbias como a TAP ou a eutanásia, para tapar os
buracos que a política começava a abrir. Se o PS e o PSD alternassem
pacificamente no poder, a pobreza da Pátria não os deixaria fazer muito mal,
nem muito bem. E o PCP que lá se divertisse com as suas Câmaras do Alentejo e
os seus sindicatos, na paz que se deve à velhice.
Pedro Passos Coelho
Vasco Pulido Valente
Público, 21/2/16
Quando Pedro Passos Coelho se declarou um
social-democrata de “sempre” e para “sempre” apagou a obstinação, a coragem e a
clarividência com que governou durante quatro anos. Nada o desculpa.
Principalmente não o desculpa que este estranhíssimo regresso ao passado tenha
sido provocado pela necessidade táctica de conciliar ou, pelo menos, de calar a
“esquerda” do partido, que desde 2011 se juntou à oposição e lhe fez todo o mal
que pôde. Esta reviravolta de Passos Coelho é tanto mais desgraçada quanto a
social-democracia deixou de fazer sentido e que hoje se limita à defesa da
democracia e do Estado Social, duas coisas que em Portugal não estão ou estarão
em risco num futuro previsível e que ao fim de 40 anos já não entusiasmam seja
quem for.
Não se percebe o que pretende Passos Coelho. Aumentar
os serviços que o Estado hoje presta aos cidadãos? Aumentar a área da sociedade
que depende do Estado ou que o Estado regula? Afogar o que ainda resta de
autonomia e de iniciativa num país mendigo e miserável? Porque se é isto que
esconde a palavra “social-democracia”, há uma pequena coisa a dizer: o dr.
António Costa e a extrema-esquerda são sem dúvida muito mais competentes para
essa empreitada. Basta ouvir Catarina Martins ou Jerónimo da Sousa, que não
abrem a boca sem sugerir que se gastem milhões sobre de euros, para promover a
boa moral e a felicidade do povo. Para que se vai meter o PSD (e, por arrasto,
o CDS) na feira demagógica para onde o PS nos conseguiu empurrar? Para chegar
aonde?
Claro que a política portuguesa vive na iminência de
eleições antecipadas. O Bloco, por exemplo, fala em 2017; e o PC, mais sombrio,
até em 2016. Não me custa a acreditar que Passos Coelho acabasse por sofrer a
influência da ralé partidária, que só pensa em ir para o “governo” o mais
rapidamente possível e de qualquer maneira. E também, porque a conheço desde
1978, não me custa a acreditar que a dita ralé pense que leva a sua avante com
um pouco de populismo, sob o nome absurdo de “social-democracia”. Cabe a Passos
Coelho resistir a estas fantasias (para não lhes dar o nome que merecem) e
preparar um plano para a direita ou, por outras palavras, para todo a gente à
direita do PS. Se se confundir com a turva onda em que se tornou a antiga
coligação CDS-PSD será mau para ele. E para nós.
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