O meu filho João enviou-me o texto feito pela sua
filha Beatriz que tem dez anos e creio que uma memória prodigiosa, pelas coisas
que fazia aos três e mais, e pelo nível de linguagem que desde cedo demonstrou.
Agora, com dez, já tem revelado uma maturidade em textos da escola que me
deixam admirada. Tal é o caso deste, sobre um final diferente que quis dar à “Fada
Oriana”, da Sophia de Mello Breyner, livro que leram neste seu
quinto ano e que eu nunca tinha lido. Achei o texto da Beatriz
extraordinariamente concebido, revelando imaginação, sensibilidade, sentido de
humor e um poder de reflexão acima do que alguma vez concebera para uma criança
de dez anos, além da perfeita sequência de argumentação e criatividade. A
Internet forneceu-me a história completa da Fada Oriana, e voltei a ler a
redacção da Beatriz, para confirmar o prazer que sentira. Guardo-a no meu
blogue, com muita alegria, sublinhando a negrito os dois erritos comuns em
pessoas mais crescidas:
Querido diário, hoje
tive uma bela ideia: peguei na minha varinha de condão cintilante e colorida e
criei-te. És tão bonito, tão colorido!
Ainda bem que
tudo o que passei nos últimos tempos terminou! Cresceu uma enorme solidão
dentro de mim, tão grande que até tive vontade de desistir, mas lembrei-me dos
meus amigos e dizia para mim própria: “Oriana, não queiras desistir! Pensa nos
teus amigos, na tristeza das suas famílias! Não desistas por todos, e pelas
tuas asas e pela tua varinha de condão!”, e por isso eu enchi-me de forças e
nunca, mas nunca desisti, tal como não deixei de pensar na infelicidade dos
outros que eu outrora cuidara. Quando a Rainha das Fadas Más veio ter comigo
para me dar umas asas, eu recusei, porque ela queria que eu fizesse várias
coisas maléficas, como: sujar a água das fontes, colocar teias de aranha em
cima das flores, fazer secar as sementes que estão na terra a germinar, roubar
a voz aos rouxinóis, azedar o vinho, roubar o dinheiro aos pobres, empurrar as
crianças, apagar o lume dos idosos, roubar o perfume das flores, assustar os
animais e desencantar o mundo. Eu sempre preferi não ser uma fada e ser como as
outras meninas a ser cruel e sem coração.
Bem, agora vou te contar todos os meus planos para o
futuro: Eu cuido da floresta. Mas, sempre sonhei em ter algo maior, mais
divertido, com mais sonhos! Então, penso
que devo transformar a casa da minha querida amiga velha, e trazer-lhe outras
tais que estejam a passar pela mesma situação, pois ninguém merece estar a
viver solitária na 3ª idade. Depois arranjo-lhe a casa, limpando-a,
colocando-lhe coisas menos estragadas pela casa fora (e dentro), fazendo
arranjinhos, um quintal, e com uma vedação por onde os forasteiros não poderão
passar. Quanto ao lenhador, ele necessita de uma casinha mais formada, então
vou criar um andar em cima da sua casa, em que terá os quartos, e outras coisas
que de eles necessitem realmente. O moleiro e a sua família terão tudo
no seu ponto correto, e haverá uma máquina automática de limpeza. O Poeta não
precisa de nada, pois nunca o ouvi queixar-se de nada do que tem. No que eu
tenho mais preocupação é com os animais, mas tenciono dar-lhes um espaço
blindado anti-tiros. Irá ser como uma cúpula, mas da cor da floresta e
camuflada, sem se ouvir o som por fora. Espero apenas que consiga fazer algo
assim com a minha magia de novata, porque ouvi dizer que não dá para se fazer
isso sem treino. Só que, acho que me esqueço de algo… Ah! Já me lembro: DE
MIM!
Bem, de vez em
quando sinto-me igual à velha: solitária e triste. Acordo sem ninguém na minha
casinha, e apenas vejo os galhos da minha doce e adorável árvore. De vez em
quando penso que preciso de alguém com quem socializar, mas agora lembro-me de
que uma vez vi uma fada linda: tinha cabelo azul, olhos azuis, pele clara como
a cal, asas coloridas e uma roupa azul e cintilante. Aliás, chama-se Luna, a
Fada Luna. Ela contou-me que vivia sozinha, e a nossa humilde Rainha a mandou
cuidar de outra floresta aqui pertinho. Mas agora eu decidi que vou
perguntar-lhe se quer vir viver para aqui para a minha floresta. Ela tem uma
idosa como amiga, a passar pela mesma situação que a minha amiga, um casal de
ferreiros e seu filho, a passarem o mesmo que os lenhadores, e um casal de
carpinteiros com os seus onze filhos, cujo homem adulto deixa sempre tudo em
desordem. Ela perguntou se não podia trazer os seus amiguinhos para a minha
floresta, pois a dela é antiga e já quase não tem vida, tal como precisa de
alguém com quem conviver, ou poder ser a irmã mais velha ou mais nova, e eu
disse-lhe que estava a passar pelo mesmo que ela, então sugeri-lhe diversas
ideias, como, por exemplo, o que escrevi nalgumas linhas atrás sobre a sua
amiguinha idosa vir viver com a minha na sua antiga casinha, que tenciono que
fique bem mais formada. Perguntei-lhe também se ela queria que fizesse o mesmo
com os Ferreiros e os Lenhadores, e os Carpinteiros e os Moleiros.
Sabes, querido diário, eu sempre penso como estará
aquele ingrato e covarde peixe que me vez perder as minhas asas e a minha
varinha de condão, juntamente com todos os meus amigos. E se ele estiver de
novo em apuros? E se ele, entretanto, já tiver morrido? E se ele se arrependeu
do que me fez? Questiono-me todos os dias sobre isso. Sabes, acho que amanhã
vou visitar o lago, e também vou criar um para todos os peixes viverem na
floresta. Vou treinar os meus poderes para conseguir completar todos os meus
planos para o futuro, e assim acho que sempre conseguirei. Mas agora irei
focar-me mais na tarefa que me foi dada, e tentarei comunicar o mais rápido
possível à Rainha das Fadas que irei juntar fronteiras com a Fada Luna D’
Blu’e, e vou fazer isso agora mesmo, quando acabar de escrever aqui no diário.
Bem, agora que penso nisto, acho que vou pegar numas
pedrinhas e irei colocá-las numa casinha que eu encontrei (para não andar a
usar os meus poderes por tudo e por nada e para não ter de ir à Gnomolândia, à
Trollolândia ou ao Polo Norte para ir buscar Gnomos, Trolls ou Duendes para
construírem uma casa à maneira apenas para umas simples pedrinhas) e depois
encanto aquele local e assim tenho sempre pedrinhas para os lenhadores, os
moleiros, os carpinteiros e para os ferreiros.
Com amor,
Até amanhã,
Maria Beatriz Lacerda
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