Alberto Gonçalves, um herói dos novos tempos, na determinação
dos seus princípios, na coragem com que os afirma, certamente que arrostando os
insultos, tantas vezes obscenos dos tais “patriotas” dos novos tempos, aqueles para quem a
designação “pátria” continua a limitar-se ao povo esmagado, à maneira sensível das personagens de Gorki, pelo menos as de
que me lembro do livro “A Mãe”, lido nos tempos impressionáveis da juventude. Foi uma obra que até parece ter
motivado os russos para a execução em bloco da realeza reinante, em função, é
certo, de futuras ditaduras russas igualmente
de grande rigor executivo, embora de pendor mais proletário, pelo menos
enquanto se não consolidou a aristocratização dirigente, fruto das naturais ambições
de contínua melhoria do status pessoal. Essas ideologias também por cá estão em
pleno destaque, frisando uma ditadura do proletariado não só através dos chefes
sindicais, como através das greves e das marchas reivindicativas que, aliás, os
sindicatos e os partidos próprios impõem.
E o país vai esmorecendo, com as exigências dos benefícios sociais constantes,
como direitos próprios e sem estímulo ao trabalho, na inveja dos “ricos” – a suprimir
- segundo Alberto Gonçalves, «os
ricos que trabalham no sector privado, os ricos que auferem mil euros, os ricos
que fumam, os ricos que bebem, os ricos com carro, os ricos com filhos, os
ricos sem filhos, os ricos com conta bancária, os ricos que comem tostas, os
ricos que pagam os feriados, os ricos que pagam IRC, os ricos que pagam os
juros da dívida, os ricos que pagam um manicómio com a capacidade de atrair
investimento do Butão, os ricos que vão pagar um isolamento orgulhoso e triste.» Faltou
acrescentar os que usam gravata, que nos meus tempos de outrora distinguia,
sobretudo, o “doutor”, e que os Varoufakis de hoje desdenham democraticamente,
causando diminuição na venda do produto.
E a diatribe sobre o “castigo dos ricos”
é uma pequena definição que mereceria ser recortada – como, aliás, todo o
artigo – e reproduzida por toda a imprensa não manipulada por sectarismos
obtusos e vilipendiosos da tolice nacional. Um artigo, para mim, “o máximo dos
máximos”, para usar um recurso de superlativação ao modo salomónico do “Cântico
dos Cânticos”. Por ser corajoso. Por ser suficientemente erudito, sintético e
crítico. Por defender valores e sentimentos sem se deixar intimidar pelas
opiniões contrárias, dos tais para quem a anarquia e a licença representam o nec
plus ultra da modernidade e da
virtude.
Lembro um filme que revi ontem, e que revejo
sempre que a televisão o mostra, nos canais próprios. É com Roberto de Niro, no
papel de um oficial do exército cego que se faz acompanhar por um jovem
estudante num fim de semana em Nova York, antes de se suicidar. O jovem,
sensível e bom, (Chris O’Donnell), tudo arrosta para o tornar feliz e o fazer
perder a ideia do suicídio. O jovem frequenta uma instituição escolar que o
catapultará para a Universidade se ele denunciar uns colegas prevaricadores.
Durante o seu julgamento e o do filho do pai importante, como únicos que
presenciaram o desacato dos colegas, contrariamente à pusilanimidade do “filho
de papai”, o jovem Charlie (Chris O’Donnell) mantém-se firme no seu estatuto
moral que o impede de denunciar os colegas, apesar da ameaça de expulsão. Mas
Frank Slade (Al Pacino), entretanto aparecido na sala do julgamento, ergue-se
em veemente defesa do seu jovem protegido, lembrando a extraordinária força
moral por este revelada, contrariamente ao colega do “parecer que viu” indeciso,
mas apesar de tudo denunciante. Um filme que, ao contrário da doutrina moderna
que, na defesa da liberdade antidogmática, relativiza todos os conceitos, pondo
verdade e mentira no mesmo cesto, se atreve a defender o conceito moral como
princípio fundamental da racionalidade humana.
Também Alberto Gonçalves se não acobarda
perante os vendedores de banha da cobra, vendedores de pseudo-patriotismos,
sempre aptos a erguer a férula contra a governação «à direita», perante a
complacência dos que fingem acreditar que não é a pátria que eles atingem mesmo,
nas tintas para essa. De toda a maneira, o risonho A. Costa promete mundos e
fundos e isso é um dado que nos aquece a alma, ansiosos pela inversão do provérbio
“São mais as vozes que as nozes”. Costa promete, sempre rindo, contente de si,
as nozes em número superior às vozes. E nós gostamos.
Os
patriotas que vão acabar com a pátria
Um inglês célebre afirmou que o patriotismo é o último
refúgio dos pulhas. Esqueceu-se de acrescentar que às vezes é o primeiro.
Duzentos e tal anos depois, há aqui uma espécie de governo e uma espécie de
maioria tão empenhados em arruinar-nos quanto em acusar de deslealdade os
críticos da empreitada. É o velho método "gonçalvista" do "quem
não está connosco está contra nós", naturalmente aliado ao velho método
salazarista da aversão à malévola influência "estrangeira".
A ideia, hoje e ontem, é a de que as alucinações do PS
e da extrema-esquerda, desculpem a redundância, passariam incólumes na
"Europa" se não fosse a acção subversiva e o espalhafato da cáfila de
"vende-pátrias" (termo curiosamente utilizado há meses pelo Avante!).
Aliás, um conselheiro de Sua Ex.ª, o Senhor Primeiro-Ministro, esticou há dias
a corda e a cabecinha para chamar precisamente isso aos "vendidos"
que discordam desta vergonha: traidores, quase de certeza ao serviço da
Alemanha.
Não admira que os jagunços do dr. Costa se prestem a
tal papel. Admirável é haver jornalistas dispostos ao mesmo. No i, uma senhora
com carteira profissional, Ana Sá Lopes, deixou fluir a imaginação e até
lembrou a "quinta coluna" nazi, os míticos infiltrados de Berlim que,
supostamente, derrotariam a partir do interior a Inglaterra na II Guerra. Nas
televisões, vêem-se diversas glosas à tese por parte de comentadores isentos,
liderados por Pacheco Pereira em matéria de isenção. Em alvoroço, garantem-nos
que somos controlados por entidades não eleitas. E nem sequer se acalmam se
lhes dermos razão e os recordarmos do 4 de Outubro.
Tudo isto a propósito do Orçamento do Estado e das
respectivas exigências da Comissão Europeia. A troika, se quiserem chamar-lhe
assim, reclama no fundo que gastemos de acordo com o que produzimos, ou só um
pouco acima. O governo e a extrema-esquerda, se quiserem distingui-los, insiste
na existência de uma alternativa à "austeridade". Por acaso, como
qualquer chefe de família perceberá, existem várias: o empréstimo a longo
prazo, o roubo a curto prazo, o suicídio ou uma mistura dos três antecedida de
ruidosa fanfarronice, género agarrem-me ou eles espancam-me.
Na semana anterior, o berreiro preparou o caminho. O
horror suscitado em Bruxelas pelo rascunho de OE elaborado por rascunhos de
economistas provocou, cá dentro, uma divertida pândega. Para consumo interno, o
PS atacava a "direita" e o BE e o PCP avisavam o PS de que não
tolerariam desvios à linha justa. Para consumo externo, sujeitos anónimos
ameaçaram a "Europa" com referendos, "bombas atómicas" e
outras armas cujo impacto era proporcional à brutal irrelevância dos
guerrilheiros. Os que, por fé ou infantilidade irreversível, acreditaram nas
bravatas depararam-se com uma autêntica demonstração de patriotismo:
maluquinhos convencidos de que Portugal é tão maravilhoso que a União não vive
sem ele. Após engraçadas correcções e vexames (de que o elogio da sra. Merkel a
Passos Coelho nas barbas do dr. Costa constituiu a punch line), a CE lá tolerou
o OE e os maluquinhos correram a proclamar o fim da "austeridade" e a
agitar euforicamente o consentimento dos senhores da Europa, de súbito
promovidos de tiranos do capital a avaliadores consagrados.
A realidade? O recurso a um arremedo da estratégia do
inspirador Syriza, com os espectáveis resultados do Syriza. Através do Hélder
Ferreira, que escreve no Diário Económico e que Pacheco Pereira apresentou na
Quadratura do Círculo como exemplo das vozes que ultrapassam os limites
(tradução: insultou os patriotas, pelo que é outro insanável traidor), soube
que a negociação grega foi considerada a mais desastrada de 2015 pela Harvard
Law School. Não é para menos: começa-se por falar grosso com aqueles de que se
depende e termina-se a aceitar tudo e um par de botas de modo a não se ser
escorraçado. Pelo meio, avança-se com esmero rumo à miséria.
Na prática, a "vitória" diplomática do dr.
Costa traduz-se no castigo dos ricos, os ricos que trabalham no sector privado,
os ricos que auferem mil euros, os ricos que fumam, os ricos que bebem, os
ricos com carro, os ricos com filhos, os ricos sem filhos, os ricos com conta
bancária, os ricos que comem tostas, os ricos que pagam os feriados, os ricos
que pagam IRC, os ricos que pagam os juros da dívida, os ricos que pagam um
manicómio com a capacidade de atrair investimento do Butão, os ricos que vão
pagar um isolamento orgulhoso e triste.
O PS apenas ganhou na medida em que aguentou no poder
a criatura que manda naquilo. O PCP ganhou porque satisfez as clientelas da
função pública. E o BE ganhou porque continuou a desgastar o PS. Evidentemente,
perdemos todos: com os seus inúmeros defeitos, receios e desvios, a
"austeridade" de PSD-CDS tinha um fim; o "tempo novo" do
governo e da extrema-esquerda (peço perdão pelo pleonasmo) é o próprio fim, mas
não o da "austeridade". Os patriotas de agora são os que, em prol da
sobrevivência imediata, afundam deliberadamente o país de acordo com delírios
pessoais. O último a fazê-lo acabou na cadeia. O candidato actual à proeza anda
à solta, para desgraça dos traidores, que são muitos. Somos.
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