domingo, 20 de novembro de 2016

«Come chocolates, pequena!»




São as Tabaqueiras que informam que «Fumar mata», os textos que seguem são menos drásticos, pois só falam de mutações genéticas causadas pelo tabaco. Por isso julgo que o resultado das advertências, que neles estão subentendidas, causará o mesmo efeito que  o aviso dos maços de tabaco, para mais agora, que conhecemos melhor as precariedades da vida, com o homem a destruir a Terra e o Espaço que o rodeia (mesmo sem esses descuidos ligados à limitação de conhecimento de maneiras e de cidadania, que até nos envergonham a nós, portugueses, que deixamos plásticos e outras porcarias nas praias para os peixinhos ou as baleias sufocarem) – e sabemos melhor quão inseguros se vive com o espectáculo das galáxias, a distenderem-se continuamente, que é um ver se te avias perfeitamente obsceno, sem sabermos onde se vai parar.
Por isso os avisos dos artigos seguintes – o segundo uma entrevista na I a um jovem participante na descoberta, Ludmil Alexandrov, acerca das muitas mutações genéticas causadas apenas por um maço de tabaco por dia – não surtem o efeito desejado, para mais que todos conhecemos casos de gente inocente do crime de fumar – até criancinhas pequenas, horror dos horrores – e que morreram ou estão condenadas pela doença. Além de que temos um "livre alvedrio" isento, forro, poderoso", para podermos decidir as nossas opções. O que era preciso mesmo é chegar depressa à descoberta da cura do cancro. 
Toda a gente sabe também quanto a droga destrói, mas os países vão fechando os olhos à sua difusão que rende muito dinheiro, fingindo, no entanto, persegui-la e condenar os que a difundem, muitas vezes mesmo os responsáveis pela sua detecção, fechando os olhos a troco de participação nos lucros… Talvez o mesmo se passe com as Tabaqueiras. Julgo que fornecem bons impostos ao Estado. E os fumadores assim se tornam bons protectores das finanças públicas, o que é heroicidade a sublinhar.
O homem precisa dos prazeres da vida, apesar dos riscos. Já o dizia Álvaro de Campos, explorador como ninguém da relatividade apensa ao sentido da inutilidade, e ao repúdio dos conceitos: Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.” Hoje, talvez mais ainda…

1º Texto
Um maço de tabaco por dia causa 150 mutações genéticas por ano nos pulmões
Teresa Serafim
Público, 03/11/2016

Pela primeira vez, estabeleceu-se uma ligação directa entre o número de cigarros fumados e o número de mutações que isso provoca no ADN e que, mais tarde, poderão terminar em cancro.
Que o tabaco mata já não é novidade. Que o cancro é causado por mutações no ADN também já se sabia. O que agora se encontrou pela primeira vez foi uma relação directa entre o número de cigarros fumados e o número de mutações no ADN. Se fumar um maço de cigarros por dia, ao fim de um ano terá provocado nas células dos seus pulmões, em média, 150 mutações genéticas, o que aumenta o risco de cancro – conclui este trabalho publicado esta sexta-feira na revista Science.
Se há produto constituído por substâncias tóxicas e irritantes, é um cigarro. Ao todo, têm cerca de 7000 substâncias químicas, 70 das quais são cancerígenas. Nas estimativas da Organização Mundial da Saúde, todos os anos morrem pelo menos seis milhões de fumadores e até ao final deste século prevê-se que sejam mais de 1000 milhões.
Uma investigação científica coordenada pelo Laboratório Nacional de Los Alamos (Estados Unidos) e pelo Instituto Sanger (Reino Unido), em colaboração com investigadores do Japão, da Coreia do Sul, de Itália e da Bélgica, identificou algumas mutações genéticas provocadas pela exposição, tanto directa como indirecta, ao fumo do tabaco.
“Até agora, tínhamos um largo corpo epidemiológico sobre a relação do fumo com o cancro. Neste momento, também observámos e quantificámos as mudanças moleculares no ADN para quem fuma cigarros”, sublinha em comunicado um dos autores do estudo, Ludmil Alexandrov, investigador de Los Alamos.
Ao todo, a equipa sequenciou o genoma de 5243 cancros. Os cientistas conseguiram determinar que, entre as pessoas que tiveram aqueles cancros, havia 2490 fumadores e 1063 não fumadores e foram estes dois grupos que foram comparados. Quais são então as diferenças nas células dos fumadores e dos não fumadores? E a conclusão a que se chegou, usando um software para reconhecer padrões nas mutações genéticas, é que essas mutações são mais elevadas nos fumadores. Num vídeo, Ludmil Alexandrov explica a investigação.
O número de mutações nocivas causadas pelo tabaco é alarmante, sobretudo nas células dos pulmões, onde os cientistas contabilizaram as já mencionadas 150 alterações genéticas. “Este número é extremamente elevado e aumenta enormemente o risco de desenvolver cancro dos pulmões nos fumadores”, frisa Ludmil Alexandrov ao PÚBLICO.
Um maço de tabaco por dia também é responsável por mutações genéticas noutros órgãos ao final de um ano, concluiu ainda esta investigação: em média, 97 na laringe, 39 na faringe, 23 na boca, 18 na bexiga e seis no fígado.
Neste momento, o tabaco está ligado a 17 tipos de cancros. Ao longo do estudo, identificaram-se mais de 20 mutações específicas associadas a esses 17 cancros. Essas mutações são assinaturas deixadas no ADN pelo tabaco. Contudo, apenas cinco destas mutações são muito frequentes nos fumadores.
Uma dessas mutações genéticas, que os cientistas designaram como “assinatura 4”, resulta mesmo da exposição directa ao fumo do tabaco – ou seja, os danos no ADN são provocados por substâncias cancerígenas contidas no cigarro, como o benzopireno. “As mutações da assinatura 4 também detectadas em cancros da cavidade oral, faringe e esófago, embora em número muito mais pequeno do que nos cancros dos pulmões e da laringe, talvez devido a uma exposição mais reduzida ao fumo do tabaco”, lê-se no artigo científico.
Outra mutação salientada na investigação é a número 5. Previamente descoberta num outro estudo, também no Laboratório Nacional de Los Alamos, esta alteração vai geralmente ocorrendo em todas as células do corpo e com a regularidade conhecida de um relógio. Só que a mutação número 5 é mais rápida nos fumadores do que nos não fumadores, explica um comunicado do Laboratório Nacional de Los Alamos.
Saber para prevenir
“Os resultados são uma mistura de esperado e inesperado, e revelam um retrato dos efeitos directos e indirectos [do tabaco]. As mutações causadas por danos directos no ADN pelos carcinogénicos do tabaco foram observadas principalmente nos órgãos em contacto directo com o fumo inalado”, salienta outro dos autores do estudo, David Phillips, do King’s College de Londres.
E para quem é “apenas” um fumador social? Fumar um ou dois cigarros de vez em quando também origina mutações no ADN, responde-nos Ludmil Alexandrov. “Um simples cigarro pode causar algumas – embora muito poucas – mutações”, salienta o investigador. Mas o risco de as mutações provocadas pelo tabaco virem a resultar em cancro é menor. “Fumar 50 cigarros ao longo da vida resulta, em média, em uma mutação.”
Para além da relação entre o tabaco e o cancro, detectadas ao nível das mutações genéticas que o fumo provoca, este tipo de estudos pode ser aplicado para descortinar a genética envolvida noutros factores de risco oncológico, como a obesidade e a alimentação. “Poderá ser um contributo para a descoberta de outras causas de cancro”, diz ainda Ludmil Alexandrov.
Ter agora a noção do número de mutações genéticas causadas pelo tabaco pode também ser um argumento de peso usado na prevenção do tabagismo. Para Charlie McMillan, director do Laboratório Nacional de Los Alamos, este trabalho “impulsiona o uso de software de reconhecimento de padrões na monitorização genética e representa um avanço criativo na investigação do cancro.”
Mas nem sempre o tabaco foi considerado nocivo. Esta planta veio da América para a Europa, trazida na época dos Descobrimentos. Chegou a ser divulgada como uma planta medicinal extraordinária. Mascado ou inalado, só nos finais do século XIX o uso do tabaco em cigarros se expandiu na Europa.
E se hoje não há dúvidas dos seus malefícios, nem sempre a indústria tabaqueira assumiu essa realidade, como lembra o pequeno livro de divulgação Cancro Ponto e Vírgula, editado em 2015 pelo Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (Ipatimup). “Demoraram [indústria tabaqueira] cerca de 50 anos a admitir que o consumo de tabaco é prejudicial à saúde”, lê-se na publicação, onde se encontra a ilustração de um cigarro, ao qual se faz a “autópsia de um assassino”.

2º texto: A entrevista a Ludmil Alexandrov
Ludmil Alexandrov. “Fumar é como jogar à roleta-russa”
I, 15/11/2016
O tabaco tem sete mil químicos, 70 cancerígenos. Um estudo publicado na “Science” revelou os estragos que causa nas células e que aumentam o risco de mais de 17 cancros, sobretudo no pulmão. Pela primeira vez, os cientistas conseguiram contabilizar o número de mutações no ADN que um fumador acumula ao longo da vida. O i falou com o autor do trabalho, Ludmil Alexandrov, do Laboratório Nacional de Los Alamos, nos Estados Unidos
Uma mutação nova a cada 50 cigarros, ou 150 num ano: é esta a marca do tabaco no ADN de um fumador.
Ludmil Alexandrov, o cientista por detrás da contagem, tem 30 anos e já foi considerado um dos jovens investigadores mais promissores. Formou-se em Ciências da Computação, mas preferiu a investigação em biomedicina ao mundo das startups e das apps, nos últimos dias tão em voga em Lisboa. Numa entrevista ao i, fala desse outro lado da programação.

Terminou o curso de Ciências da Computação em 2007. Como acaba a fazer investigação em biomedicina?
A minha formação inicial foi em ciência dos computadores, mas descobri muito cedo que preferia os problemas biológicos.
Lisboa recebeu a Web Summit. Habituamo-nos a pensar nos geeks como pessoas mais interessadas em desenvolver aplicações e negócios digitais. O que o levou para outro caminho?
É verdade que a maioria pensa nisso. Para mim, foi sempre foi claro que não iria por aí. No desenvolvimento de software, uma pessoa programa algoritmos e máquinas para fazerem aquilo que queremos que façam. Para um biólogo computacional, a área em que me especializei, o objetivo é perceber como a evolução programou as células e usar esse conhecimento para reprogramar as células, os órgãos e os organismos para fazer aquilo que queremos que façam. Pareceu-me mais entusiasmante.
Como começa a estudar o cancro?
Foi durante o doutoramento no Wellcome Trust Sanger Institute. Hoje em dia, uma grande parte da investigação em torno da genética do cancro precisa de ferramentas poderosas de computação e novos algoritmos. À medida que aumentam os dados de doentes, a investigação computacional acaba por tornar-se uma componente essencial do trabalho dos cientistas.
Como conseguem mapear as mutações genéticas associadas à doença?
Sequenciamos o ADN de doentes e dos tumores e usamos esses dados para detectar mutações, variações no ADN. Por vezes são precisas semanas para desenvolver métodos necessários para analisar os dados ou para perceber os resultados que estamos a ter. São petabytes de informação.
Quais foram as suas maiores descobertas até agora?
Consegui fazer o primeiro mapa do tipo de mutações que causam cancro em humanos, entre os quais processos mutacionais nas nossas células com o funcionamento idêntico ao dos relógios. Neste artigo mais recente identificámos os processos através dos quais o tabaco causa cancro. O grande impacto vai ser ao nível da prevenção: se conseguirmos perceber os mecanismos por detrás do cancro, podemos desenvolver estratégias melhores para intervir mais cedo.
Como funcionam essas mutações que comparam a relógios?
São processos que existem em todas as células e fazem com que estejam sempre a surgir novas mutações, fruto do funcionamento normal das células, por exemplo como resultado de ter sido gerada energia para as alimentar. Basicamente, isto significa que temos um nível relativamente estável de novas mutações a cada ano. Por exemplo, uma célula do cólon sofre 100 mutações por ano, o que significa que uma pessoa com 60 anos tem 6 mil mutações em cada célula do intestino.
A menos que surjam fatores externos. No estudo sobre o tabaco, um desses fatores, qual foi a conclusão mais surpreendente?
Conseguimos identificar os diferentes mecanismos através dos quais o tabaco causa mutações associadas ao cancro, desde danificar diretamente o ADN ao facto de ativar os processos mutacionais dentro das células, o que mostra que tem diferentes impactos. Por exemplo, os órgãos que não estão diretamente em contacto com o fumo inalado não têm as mesmas marcas que encontramos nos pulmões. E descobrimos que o tabaco parece acelerar o ritmo das tais mutações que se acumulam ao longo da vida nas células dos fumadores.
E é por isso que os fumadores têm um risco de maior de desenvolver diferentes cancros?
Sim. Quanto mais mutações uma célula tem, mais hipóteses há de uma dessas mutações ser um gene associado ao cancro e levar à doença.
Mas há um limite de mutações que uma célula consegue suportar antes de se tornar cancerígena?
Há cancros com muitos milhares de mutações nos seus genomas e outros com apenas algumas centenas. É muito variável. Sabemos que quanto mais houver, maior o risco, mas não há um limite que implique que a pessoa, a partir dali, vai ter necessariamente a doença.
Descobriram que alguém que fume um maço de tabaco por dia tem 150 novas mutações por ano. O que seria normal?
Varia de pessoa para pessoa, mas nas células dos pulmões, onde encontrámos essa taxa de novas mutações nos fumadores, num ano, os processos celulares normais levam-nos a acumular menos de 20 mutações, o que significa que estas mutações devem explicar a grande maioria do risco acrescido de os fumadores terem cancro do pulmão.
Além do tabaco, que outros fatores levam a mais mutações no nosso ADN do que seria expectável? No ano passado, a OMS alertou para o risco de comer carne vermelha – é o mesmo efeito?
Até agora sabemos que as mutações aumentam com a exposição a radiação, exposição à luz ultravioleta do sol, ao consumo de produtos que contenham aflotixinas e outros produtos tóxicos. Em relação à carne vermelha, ainda não temos a certeza se o efeito é este.
Haverá sempre fumadores que não têm cancro e pessoas que nunca fumaram e têm. Os vossos resultados ajudam a perceber melhor este paradoxo?
Há sempre um elemento de sorte no cancro. Podemos pensar no tabaco como jogar à roleta-russa. Quanto mais joga, maiores as hipóteses de as mutações acertarem nos genes certos e de a pessoa desenvolver a doença. Isto é o que sabemos. Mas, apesar disto, haverá sempre pessoas com sorte que fumam muito e as mutações não acertam nos genes. Como haverá sempre pessoas com menos sorte que nunca fumaram mas em que as mutações que resultam de processos celulares aleatórios acertam nos genes associados à doença.
Não é estranho um cientista falar de sorte?
Pelo contrário. A sorte, o acaso é algo que podemos classificar dessa forma porque tem em conta as probabilidades. As hipóteses de ter um carcinoma das células escamosas do pulmão são 112 vezes mais baixas nos não fumadores. Isto significa que a maioria das pessoas com este tipo de cancro são fumadoras, mas também que, por azar, uma pessoa pode ter este tipo de cancro sem nunca ter fumado.
Em 2014 foi distinguido pela “Forbes” como uma das 30 mentes mais brilhantes com menos de 30 anos. Os investigadores jovens têm hoje mais espaço para mostrarem o que valem?
O ambiente académico continua a ser muito duro tanto para os jovens como para os cientistas com mais experiência. Há muita pressão para nos candidatarmos a bolsas todos os anos e para publicarmos o maior número de artigos possível. Isto faz com que a ciência seja uma área altamente stressante e competitiva. Para um cientista mais novo, continua a ser difícil seguir as próprias ideias porque o financiamento acaba por ser ainda mais limitado.
Como conseguiu destacar-se tão cedo nesse tipo de ambiente?
Deixei que as ideias me guiassem e tentei não perder a noção mais global daquilo que quero fazer, da big picture. Mas só consegui tornar-me independente na investigação nos últimos dois anos.
Nasceu na Bulgária. Tem planos para regressar ao seu país de origem?
A minha família veio para os EUA quando eu tinha 17 anos e estudei cinco anos em Inglaterra. Neste momento não faria sentido, a minha família vive nos Estados Unidos. Além disso, seria muito difícil, se não impossível, fazer este tipo de investigação na Bulgária devido à falta de recursos e da infraestrutura científica e ao financiamento.
Países pequenos como Portugal têm tido dificuldade em aumentar o financiamento da investigação científica. Como vê o desafio de convencer os governos a destinar mais dinheiro à ciência?
A única forma de os países pequenos competirem no mercado global é através de inovação. E a única forma de ser realmente inovador é ter ciência de ponta devidamente financiada.
Está, pode dizer-se, ainda a começar. A que perguntas gostava de conseguir responder um dia?
Gostava de perceber de que forma a obesidade aumenta o risco de diferentes tumores, como fizemos para o tabaco.
Como vê a eleição de Donald Trump? Há receios na comunidade científica americana?
Foi uma surpresa para a maioria das pessoas. Independentemente das opiniões de cada um, acho que agora há um presidente eleito e que o país precisa de começar lentamente a recuperar das divisões da campanha. No que diz respeito à ciência, quero acreditar que tanto republicanos como democratas percebem a sua importância e que vamos ter cada vez mais progressos no sistema científico.

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