quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Tempo de Cesário Verde



Ele bem que nos descreveu, pobres e escorraçados, vingando-nos de longe, com o imaginário “binóculo mordaz”. Por isso o cito no fim. Um sujeito poético que se descreve como ser pobre e repelido pela diva da sua paixão, e que insiste, embora escondidamente. Um povo em que o velho professor de latim pede esmola, a velhinha suja e atrevida pede um cigarro, a guarda espanca o povo, em paralelo com o brilho dos espectáculos teatrais.  Traços do passado que se nos colaram à pele. E continuaremos “os da mansarda”, vexados lá fora, porque somos caloteiros e condenamos quem queira pagar - no caso, Passos Coelho. Histórias de vexame contadas por Rui Tavares, contra um tal Günther Oettinger ofensivo na questão da bandeira a meia haste para os países caloteiros da U E, mas defensor - ele, Tavares - dos pontos de vista de Jorge Sampaio, que dá palpites sobre o futuro da U E que lhes convêm aos dois, que são de esquerda, embora eu ache que não deveríamos dar palpites, por não termos cobertura. É o que diz João Miguel Tavares, mostrando aquilo que somos realmente – uns Jobs arrogantes que, não podendo dar outra coisa, dão palpites, como faz Jorge Sampaio, ou ironias, como faz António Costa, para esconder as nossas verdadeiras mazelas.
O Comissário sem qualidades
Rui Tavares
Público, 2 de Novembro de 2016
Não há muitas razões para que o leitor se lembre de Günther Oettinger, e nenhuma é boa. Se rebuscar na memória talvez se lembre que nos idos de 2011 um certo comissário europeu de nacionalidade alemã decidiu improvisar numa entrevista recomendando que as bandeiras dos países com excesso de dívida fossem forçadas a ficar a meia-haste nos edifícios da União Europeia. À época consegui recolher cerca de duzentas assinaturas no Parlamento Europeu contra as declarações do comissário, infelizmente insuficientes para o obrigar à demissão, mas levando-o apesar de tudo a um pedido de desculpas freudiano, segundo o qual 1) não tinha feito aquelas declarações, 2) as declarações tinham sido mal entendidas e 3) caso tivessem sido bem entendidas não passavam de uma sugestão.
Facto curioso, entre os colegas alemães reinava a sensação de que Oettinger era um político demasiado inútil para que nos preocupássemos com ele e que, de qualquer forma, ninguém queria que ele voltasse para a Alemanha.
Pois bem, passado cinco anos eis que Oettinger está à beira de uma promoção, e que chegou a altura de nos preocuparmos. Graças a uma sequência de acontecimentos que relevam do notável tato da sua família política, o Partido Popular Europeu, a comissária búlgara Kristalina Georgieva decidiu sair para um novo emprego no Banco Mundial depois de tentar atrapalhar António Guterres na eleição para a Secretário-Geral da ONU e ficou livre o importantíssimo dossier do orçamento da UE. Em resultado, o presidente da Comissão decidiu atribuir esse pelouro ao comissário Oettinger.
Ora, eu sei que da última vez que me referi à capacidade que o PPE tem para destruir aquilo em que toca acabei por deixar Paulo Rangel, que é eurodeputado do PSD e vice-presidente do PPE, um tanto abespinhado. A nossa disputa consistiu em, segundo Paulo Rangel, que não foi o PPE que coordenou a candidatura de Georgieva à ONU — e segundo eu, que foram pessoas dentro do PPE e, mais importante, por dentro do PPE. Mas agora podemos deixar de lado estes detalhes porque segundo todos os pontos de vista — legal, institucional e político — o PPE tem mesmo responsabilidade e há algo que Paulo Rangel e o PSD podem fazer.
Sucede que o Presidente da Comissão não pode entregar o Orçamento da UE a Oettinger sem passar pelo Parlamento Europeu. E o PSD tem não apenas uma mas duas opiniões decisivas: a de Paulo Rangel e a de José Manuel Fernandes, coordenador do PPE na comissão europarlamentar do orçamento.
E sucede que o comissário Oettinger não esteve parado nos últimos anos. Pelo contrário, foi cada-tiro-cada-melro. Quando tinha sob sua responsabilidade a computação em “nuvem”, declarou que as pessoas que guardavam as suas fotos no sistema que ele deveria proteger eram “estúpidas”. Há pouco tempo meteu-se onde não devia para dizer que Portugal estava perto da bancarrota. Foi apanhado a fazer comentários racistas sobre uma delegação chinesa, dizendo que os chineses eram todos iguais, “com os olhos em bico e o cabelo puxadinho com graxa”. E decidiu até dar uma bicada em Merkel, sugerindo que a sua chanceler planeava tornar o casamento homossexual obrigatório e — mais a sério — que enquanto discutíamos questões de igualdade de orientação sexual arriscávamo-nos a ficar “mais fracos e menos competitivos”.
Das duas uma: ou a UE se posiciona claramente contra o populismo à Trump e Putin, ou promove um comissário que diz as mesmas coisas que eles. E é por isso que estou à espera que o PSD, com Paulo Rangel e José Manuel Fernandes à cabeça, declarem oficialmente que em nome do interesse europeu, da dignidade de países como Portugal e da credibilidade que restar à Comissão, o orçamento da UE não pode ficar nas mãos deste comissário sem qualidades.




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