Dois artigos no DN desta
semana que se completam na dimensão crítica, incidindo sobre os portugueses e o
governo – um, o de António Barreto, numa argumentação que se pauta pelo
incisivo da contundência crítica, resultante do muito amor pelas coisas nacionais
que o registo das suas fotografias tantas vezes acompanha, como esta da joia
arquitectónica do Mosteiro da Batalha a lembrar façanhas antigas, profanada
pelo rapazinho do skate, indiferente ao sentido dir-se-á hierático do local. O
artigo seguinte, de Alberto Gonçalves, na virulência faceta sobre os “casos
nacionais” e o seu povo deslizando sem preocupação pelos novos caminhos da “bonomia
descarada” de um governo tranquilizador e sorridente – “Avozinha, porque
tens a boca tão grande?” - a par da abertura grotesca e não exigente de
provas ao “refugiado” político, que se revelará angariador jihadista de
terroristas nacionais para a sua causa, ou a visita do presidente amador de “visitas
ilustres” a um chefe terrorista de outros tempos …
Dois textos ricos, para fazer ponderar,
embora não o façam, que somos calaceiros, acomodados na tranquilidade dos jogos
de vídeo, nada como a energia contemporânea nos seus inícios, que despertava os
prazeres sádicos e masoquistas de Álvaro de Campos…:
Eh-lá grandes desastres de comboios!
Eh-lá desabamentos de galerias de minas!
Eh-lá naufrágios deliciosos dos grandes
transatlânticos!
Eh-lá-hô revoluções aqui, ali, acolá,
Alterações de constituições, guerras, tratados,
invasões,
Ruído, injustiças, violências, e talvez para breve o
fim,
A grande invasão dos bárbaros amarelos pela Europa,
E outro Sol no novo Horizonte!
Que importa tudo isto, mas que importa tudo isto
Ao fúlgido e rubro ruído contemporâneo,
Ao ruído cruel e delicioso da civilização de hoje?
Tudo isso apaga tudo, salvo o Momento,
O Momento de tronco nu e quente como um fogueiro,
O Momento estridentemente ruidoso e mecânico,
O Momento dinâmico passagem de todas as bacantes
Do ferro e do bronze e da bebedeira dos metais. ODE TRIUNFAL
O tempo...
António Barreto
D N, 27/11/16 Sem Emenda
O
tempo, esse grande escultor... É um belo livro de ensaios de Marguerite
Yourcenar. A autora alude ao tempo que constrói e modifica, que
transforma os objectos e as obras de arte e que lhes dá nova vida depois de
criados. Muito do seu pensamento é também metáfora. O tempo também constrói
carácter e sentimentos. Também pode trazer sabedoria.
Mas
não é esta a única maneira de olhar para o tempo e os seus efeitos. Outra ideia
é a que faz da passagem do tempo a fonte da amnésia, que tudo faz
esquecer e tudo torna relativo, sem importância. Pode haver sageza nesta
concepção. Mas oportunista. Pode tratar-se de uma boa solução para evitar
ansiedade e que nos ajuda a ver que há muitos problemas que não existem, que
são só aparência e que se esfumam com uma breve e judiciosa espera. É um velho
princípio: o que esquecemos não existe.
Há
mais. Por exemplo, a convicção ou a esperança de que a passagem do tempo
tudo arranja e tudo repara. Não faz esquecer, mas ajuda a consertar. O
tempo esbate a precipitação, o tempo traz serenidade e sabedoria. O tempo
permite pensar e agir com segurança. O tempo ajuda a sobreviver.
Mas
não é sempre bem assim. O adiamento é tantas vezes mortal! O que não se faz
em seu tempo nunca se fará. Ou far-se-á nas piores condições. Ou faz-se mal... Os
últimos anos foram férteis em situações de adiamento desaconselhado, mas
inevitável. Os ajustamentos financeiros, por exemplo. Cinco anos antes, tudo
teria sido mais fácil, mais eficaz e menos doloroso. Já hoje podíamos estar
longe da austeridade dos últimos anos e da aspereza dos próximos. O
tempo foi a arma dos covardes.
A
Constituição é mais um caso exemplar. A sua revisão, à espera há
anos, com tanta matéria que poderia ser examinada serenamente, acabará
finalmente por se fazer um dia, ninguém sabe quando, sem a preparação
suficiente, sem o tempo necessário ao estudo e ao debate. E possivelmente em
más condições. As anteriores, embora atrasadas e sob intensa polémica,
fizeram-se em tempo útil. A próxima, há muito uma necessidade, até já foi
tentada, sem resultado. Quando chegar a vez, será seguramente tarde. Ou já
teremos enveredado definitivamente por caminhos constitucionais que impedirão
novas políticas. O tempo é a resposta dos fracos.
Os
famosos processos judiciais, "les causes célèbres", que
alegadamente envolvem figuras conhecidas da política e da economia e têm a
corrupção como actividade criminal, arrastam--se sem decoro, a ponto de se
extinguirem, de os crimes prescreverem, de os ânimos arrefecerem e de as
influências se exercerem com o intuito de alterar o curso da justiça. Antigos
governantes e deputados poderosos, antigos altos funcionários e antigos
banqueiros e empresários esperam e receiam que justiça seja feita. E quanto
mais esperam, menos justiça há. A justiça precisa de tempo. Mas o tempo mata a
justiça.
A
Caixa Geral de Depósitos é talvez o exemplo mais actual do modo como o tempo
torna tudo mais difícil. Com o tempo, quase todos ficaram a
perder. Quase todos ficaram a merecer epítetos e julgamentos severos, sempre
adequados. Uns por imperícia. Outros por má fama e reputação. Outros ainda por
incompetência. E outros finalmente por calculismo e interesse político.
Quaisquer que tenham sido as promessas do governo, as exigências dos gestores,
as garantias dadas e não cumpridas, as imposições dos partidos e as
contradições entre diplomas legais, as conclusões parecem simples: os
gestores têm de cumprir a lei, justa ou injusta; o governo tem de corrigir o
que disse e fez; os gestores têm de cumprir ou ser substituídos. O que é
certo é que quase toda a gente saiu mal. A administração da Caixa fica ferida
de reputação. O ministro e o secretário de Estado ficam feridos de palavra. O
Parlamento fica maculado por incompetência e oportunismo. A sabedoria
precisa de tempo. Mas o tempo destrói a sabedoria.
Um sucesso com precedentes
DN,27/11/16
Enquanto
saía à rua a celebrar o abençoado governo que Deus (e o dr. Costa) nos deu, o
pagamento antecipado de dois mil milhões ao FMI e um crescimento de 0,8%, o
povo não reparou que o reembolso estipulado no início do ano era de quase sete
mil milhões e que a vertiginosa subida do PIB, pouco inferior aos 2 e tal ou 3
e tal previstos pelo dr. Centeno, se deveu: a) ao turismo; b) à retoma de
trabalhos na refinaria de Sines, parada no trimestre anterior; c) à venda de
uns aviões F-16 à Roménia.
Sobre
o turismo, convém rezar para que os apetites em "regulamentá-lo", ou
afogá-lo em taxas e proibiçõezinhas, não o estrafeguem de todo. Sobre a
petrolífera, julgo que não há hipóteses de reabrir uma refinaria por trimestre
a benefício das exportações. Sobra o exemplo dos F-16, que pode substituir com
vantagens a falhada aposta no consumo interno enquanto novo paradigma
económico: vender pechisbeques usados a países ainda mais pelintras do que o nosso.
Não
estou a par das relíquias disponíveis, mas é plausível que haja por aí
motorizadas dos anos 1980 para transaccionar com o Níger, frigoríficos e
torradeiras em segunda mão para enviar à Albânia, máquinas de fax para impingir
à Bolívia e, claro, os computadores Magalhães do eng. Sócrates (Deus o tenha)
para quem os quiser. Em matéria de sucata, temos para dar e, de preferência,
vender.
O
importante não é só manter o crescimento "em alta" (desculpem o
jargão): é manter a ilusão de que assim o país é viável. É manter
os avençados, perdão, os politólogos a decretar o sucesso da frente de
esquerda. É manter os media entusiasmados com o tipo de "boas
notícias" que serviam de paródia no tempo de Pedro Passos Coelho. É manter
a convicção de que a "teimosia" de Pedro Passos Coelho é o único
obstáculo a que o PSD adira à União Nacional dos Afectos. É manter a fezada de
que a "Europa" durará sempre. É manter a ilusão de que sem esmolas
alheias iremos a algum sítio que não o abismo. É manter o povo a cantar e a rir
no caminho. É acreditar como nunca na fraude de sempre.
Quinta-feira, 24 de Novembro
Da ingratidão
Isto
assim é difícil. Hicham el Hafani, marroquino de 26 anos, entrou em
Portugal em Outubro de 2013 alegando ser perseguido politicamente em Marrocos.
Em vez de investigar as alegações, como fariam certas nações metediças, as
autoridades daqui concederam-lhe num ápice o estatuto de refugiado. O gesto
demonstra uma generosidade invulgar: sei por experiência própria que, mesmo
antes da posse de Trump, os EUA não entregam o green card a quem se considera
fiscalmente perseguido por cá.
Mas
a generosidade lusitana foi mais longe. Um mês depois de chegar o sr. Hafani já
beneficiava de um subsídio estatal de 190 euros para gastos miúdos, alojamento
gratuito (em Aveiro, cidade aprazível), alimentação idem e, por motivos que me
escapam e talvez escapassem ao sujeito, "acompanhamento social". Em
Julho de 2014, o sr. Hafani passou ao nível de "autonomizado", desceu
para um quarto alugado na Gafanha da Nazaré e - sem arranjar qualquer emprego -
subiu para uma subvenção de 250 euros mensais. Em data não especificada, requisitou
naturalmente o rendimento mínimo, pedido que, numa absurda excepção ao
altruísmo desta história, alguém rejeitou. Finalmente, há dias, suponho que em
Marselha, a polícia francesa deteve o sr. Hafani, afinal um profissional da jihad,
por suspeita de envolvimento na preparação de um atentado naquelas paragens.
Apesar
de a propaganda oficial insinuar o contrário, a capacidade de atracção de
Portugal no exterior é uma rematada desgraça. Podemos convidar refugiados
muçulmanos com empenho idêntico ao da "historiadora" de
extrema-esquerda que se fotografou com um cartaz a dizer "Welcome
refugees!" (embora esteja por apurar quantos recebeu em casa). Podemos dar-lhes
conforto material. Podemos até providenciar-lhes conforto espiritual através de
mesquitas pagas pelo contribuinte. Contas feitas, acabam sempre a exercer as
competências noutros lugares e a deixar-nos entre o espanto e o enxovalho.
Entretanto,
em Lisboa, espalhou-se uma ameaça de bomba para afagar a nossa
"auto-estima". Evidentemente, a coisa era falsa: por muito que nos
esforcemos, nem os terroristas querem nada connosco. Excepto subsídios, claro.
Sábado, 26 de Novembro
Peso morto
O
prof. Marcelo, especialista em selfies e obituários, chamou a Fidel Castro uma
personalidade "marcante", "cujo peso na história não se pode
negar". De facto, a criatura marcou sobretudo as suas incontáveis vítimas,
executadas, torturadas ou, nos dias em que acordava bem-disposto, apenas presas
por delito de opinião. E não serei eu a negar o tal "peso" de Fidel
na história, a par de figuras estimáveis como Estaline, Hitler, Mao, Pol Pot,
os ditadores argentinos e, numa escala modesta mas comparável na barba, o estrangulador
Landru. Por sorte, dele e nossa por osmose, o prof. Marcelo ainda foi a tempo
de conhecer o Carniceiro, perdão, o Comandante de Havana. Temos, em suma, um
presidente esclarecido. Já os americanos terão o sr. Trump, que considerou
Fidel um "ditador brutal". Tamanha ignorância assusta.
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