É bastante contundente a
diatribe de Alberto Gonçalves desta semana. Com sentido desprezo nos
designativos redutores - “mocito”, “Adão não sei quê”, idiota,
etc, que de certo modo empanam o brilho do discurso castigador de quem discorda
e argumenta condenando, mas habitualmente com uma ironia mais leve, embora
igualmente incisiva. De toda a maneira, um pensamento claro o ajusta, na
condenação do status, duma RTP de propaganda oficial e dos “mocitos” que
se julgam o máximo – e são-no, realmente, geralmente no sentido oposto. Quanto
ao Presidente--- prefiro não lembrar. Basta ler Alberto Gonçalves, e novamente
a vergonha nos avassala, abrasadora. Certamente que o pai ilustre de Marcelo
Rebelo de Sousa teve mais sentido de Estado. Naqueles tempos ditatoriais em que
não se permitiriam ataques destes, também é certo que os governantes não os mereciam. Como pudemos
chegar aqui? Digamos que em arco de volta inteira, para retomar uma
arquitectura dos primórdios, que renasceu pelo Renascimento, gloriosamente, e
que desdouramos assim, hoje, puerilmente, a merecer tau-tau.…
Os serviçais públicos
Alberto Gonçalves
DN, 20/11/16
Não
é por conselho do meu médico de família, o qual aliás desconheço, que em geral
não vejo "informação" política nas televisões. Nessa matéria,
confesso automedicar-me para evitar fenómenos precoces de degeneração mental.
No outro dia, furei o boicote e imprudentemente apanhei com cinco minutos de um
"debate". Moderado por José Adelino Faria, incluía o deputado ou
ex-deputado do PSD José Eduardo Martins, o grande historiador e grande
ex-promessa do trotskismo Rui Tavares e um mocito chamado Adão não sei quê.
A
certa altura, o moderador pede ao mocito que compare o famoso populismo do sr.
Trump com o menos famoso populismo do Podemos, do Syriza e do Bloco de
Esquerda. O mocito recusa compará--los, sob o argumento - cito de cor - de que,
ao contrário dos partidos nomeados, o sr. Trump é anti-semita, e isso,
principalmente isso, o mocito não admite. Aliás, o mocito adverte que desde a
eleição americana, e só desde então, o anti-semitismo regressou em força à
Terra.
Não
sei se o mocito sofre de percepção limitada (é burro), pseudologia fantástica
(é aldrabão) ou pratica uma modalidade alternativa de comédia (é génio). O
facto é que, mesmo num meio em que a mentira descabelada é língua franca, não
me lembro, nem sequer nas intervenções do dr. Louçã, de alguém se aliviar de
tantos e tão desmesurados delírios em tão pouco tempo. É verdade que Adelino
Faria e Eduardo Martins tentaram, sem demasiada convicção, desmentir a
enxurrada de asneiras. O mocito permaneceu imperturbável. Os idiotas têm essa
vantagem. Ou os charlatães encartados. Ou os génios.
Não
adianta, pois, dizer ao mocito que o sr. Trump, que será imensas coisas
desagradáveis e possivelmente perigosas, não é, que se saiba, anti-semita,
apesar de ter sido apoiado por gente que o é (há uma diferença). Ou esclarecer
o mocito de que a filha, o genro e alguns dos principais conselheiros do sr.
Trump são judeus. Ou elucidar o mocito sobre a promessa do sr. Trump de mudar a
embaixada americana para Jerusalém. Ou lembrar ao mocito o júbilo do
primeiro-ministro israelita ao congratular o sr. Trump pela vitória.
E
ainda que o sr. Trump fosse anti-semita, de que modo sairia desqualificado da
comparação com o Syriza, que além de coligado com um partido neonazi possui
dirigentes que acusam os judeus de incendiarem - metaforicamente, espero - a
Grécia com os candelabros do Hanukkah? E da comparação com o Podemos, cujos
sobas envergam lenços palestinianos, veneram o Hamas e, na melhor tradição de
Goebbels, "desvendam" os "interesses" judaicos
"ocultos" nos filmes da Disney? E da comparação com o BE, rival dos
comparsas acima em matéria de "anti-sionismo", a versão
"correcta" do anti-semitismo de sempre?
Como
o mocito ignora ou finge ignorar isto, não vale a pena informá-lo de que o anti-semitismo
não voltou ao Ocidente na semana passada: é há muito dominante nos votos da
ONU, nos boicotes de universidades e nas estatísticas dos crimes de ódio.
Também não vale a pena aguardar que o poder, qualquer poder, ganhe vergonha e
feche uma RTP hoje quase totalmente ocupada por funcionários da propaganda
oficial: o mocito é apenas um entre inúmeros moços de recados. Mas quando
orgulhosa e descaradamente referem o célebre "serviço público",
podiam explicitar o "público" que servem. Pensando melhor, não é
preciso: já fazemos uma ideia.
Sexta-feira, 18 de Novembro
A criança na primeira fila
Não
é costume divulgar-se as conversas privadas entre estadistas. O breve - e, por
causa do embaraço, interminável - pedacinho conhecido do encontro do nosso
presidente com a rainha da Inglaterra mostram porquê.
Despachado
o protocolo ("É uma honra" e tal), o prof. Marcelo lembra as visitas
de Isabel II a Portugal e desata logo a chamar velha à senhora, ao notar que
aquando da primeira visita ele era uma criança. Pasmada com tamanha falta de
tacto, a rainha adopta o sarcasmo que tenta manter até ao fim daquela espécie
de diálogo: "Acredito..." O prof. Marcelo, porém, não apanha a
indirecta e prossegue impávido, agora a descrever o cenário: "O Terreiro
do Paço, aquela grande praça..." E a rainha, a fingir que em 59 anos não
voltou a pisar outra praça nem a pensar noutra coisa: "Sim..." E o
prof. Marcelo: "A carruagem..." E a rainha, divertida por alguém
imaginar que ela recordaria uma carroça específica: "Sim..." E o prof.
Marcelo: "Com o general Craveiro Lopes..." E a rainha, que
inexplicavelmente não parece ter presente essa incontornável figura da história
contemporânea, ameaça trocar o sarcasmo pelo receio: "Hm, hm." Em
roda livre, o prof. Marcelo desce ao pormenor ("Eu estava lá, em criança,
na primeira fila"), na esperança de que Isabel II o interrompesse: "O
pequenito com suspensórios? Ai era você?" Mas a rainha, quase em pânico,
lança um "A sério?" e, enquanto dá um passo atrás, pensa: "Ele
tem de estar a brincar!" Nisto, o prof. Marcelo, que só brinca, salta para
a visita de 1985, na qual, garante, foi convidado para jantar no Britannia
porque liderava a oposição. Não liderava nada, provavelmente ninguém o convidou
e, a julgar pelo fim abrupto do vídeo, de certeza que o encontro acabou aqui,
com a monarca em fuga a gritar por auxílio ("Ó da guarda!", como
diria Craveiro Lopes).
Moral
da história? A pândega com Fidel mostrou que o prof. Marcelo devia visitar
exclusivamente torcionários tropicais, onde os "afectos" não destoam.
Vergonha por vergonha, pelo menos os ensaios do dr. Sampaio não passam a
fronteira.
Sociólogo
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