Um artigo grave, o que segue,
de Paulo Rangel, a merecer a atenção de todos. Realmente, eles, a nossa
troika governativa, a cada passo se gabam e afirmam as suas pequenas vitórias,
que lhes parecem coisa em grande, pois aparentemente favorecem aqueles que lhes
apraz favorecer, segundo doutrina espraiando-se no garganteado, como o sebo
derretido a escorrer no pires. E o chamado centro-direita todo se cala,
expectante e dócil a uma governação que se entreajuda na fanfarronice das
conquistas visíveis, arrumando ao canto, sub-repticiamente, os tais serviços
públicos da exposição de Paulo Rangel, que teriam que ser forçosamente
afectados, os dinheiros da coisa pública não sendo elásticos, para acudir a
todas as frentes. E o que me parece grave também, são as histórias que se
contam de Pedro Passos Coelho, ele próprio reduzido a uma
insignificância que o próprio partido, além das forças mediáticas, se aprazem
em propalar, atirando para a frente nomes como o de Rui Rio para o substituir
na chefia. Longe vá o agoiro! Não vejo, entre nós figura tão cheia de decisão e
rectidão para enfrentar os cornos da desgraça. Cobardemente, vamos lançando
lama para cima dele, apontando a sua presente aparente insegurança ante o tom
triunfante de Costa, que nos vai mantendo, ao que parece, e como combinou, a
codeazinha que rigidamente nos fora tirada pelo tal Passos de má memória,
vergado pelas circunstâncias pecaminosas da actuação anterior, em precipício e
arrogância, que todos preferimos ignorar.
A
ruptura iminente dos serviços públicos
Público, 11/10/2016
1. Não se pode deixar passar em claro um desenvolvimento da
situação social do país que tem sido disfarçado e escondido por uma ardilosa
estratégia de comunicação – uma “novilíngua” orwelliana e um
linguajar de propaganda – a que voltarei noutra crónica. Existe um
silêncio sepulcral e inexplicável à volta da situação periclitante dos serviços
públicos no país, que só uma imprensa complacente e a domesticação dos
sindicatos pode explicar. É hoje manifesto que os serviços de saúde
estão à beira da ruptura. Para quem diz defender o Estado social e o Serviço
Nacional de Saúde, este Governo e os seus cúmplices da esquerda radical
desferiram um golpe brutal no sistema, sem qualquer paralelo nos últimos
quarenta anos. A quantidade de consultas e cirurgias que têm sido
adiadas sem explicação plausível é crescente. A quantidade de exames que não
podem ser realizados por falta de manutenção dos aparelhos dos hospitais é
incontável. A subida vertiginosa da dívida dos hospitais, que deixaram de fazer
pagamentos, é escandalosa. Ao contrário do que foi sempre propalado
pelos actuais detentores do poder – que agora destroem sem apelo nem agravo o
serviço público de saúde –, o anterior Governo, pela mão de Paulo Macedo, fez
um enorme esforço para tornar sustentável e solvente o sistema de saúde. E,
isso sim, é defender, garantir e cultivar o Estado social. Estes
senhores – que gastam e haurem a palavra “social” de tanto a usarem – não se
coíbem de, para esconder o despesismo estéril a que se votaram, fazer
cativações que afectam os mais elementares e indispensáveis cuidados de saúde.
Não culpo o Ministro da pasta nem a sua equipa que, em boa verdade, parecem ter
uma visão da sustentabilidade futura do sistema e gostariam de continuar na boa
direcção do Governo anterior, mesmo que com correcções de rota. É o
embuste de Costa e de Centeno – apadrinhado pelo Bloco e pelo PCP – que é
responsável por este abandono da saúde, prejudicando todos os cidadãos e, em especial,
os mais pobres e vulneráveis. O foguetório da devolução imediata e total
de rendimentos tem um preço e os portugueses estão a pagá-lo do modo mais duro:
o vibrar de um golpe de misericórdia
na qualidade do sistema de saúde, por certo a mais importante conquista social
da nossa democracia
2. O colapso iminente dos
serviços públicos, porém, não fica por aqui. Na educação, onde se
encenou um início regular do ano lectivo, a ruptura dos serviços escolares está
instalada. Basta pensar na falta de pessoal auxiliar em quase todas as escolas,
cujo recrutamento foi travado pelas cativações que garantem a sempre evocada
reposição integral de rendimentos, para perceber as graves deficiências de
funcionamento que o sistema enfrenta. Já não bastava a política surrealista do
Ministro da Educação e dos seus inefáveis Secretários de Estado, só faltava
mesmo a falência das mais básicas condições de funcionamento das escolas. As
esquerdas radicais e o PS não se calam com a defesa da escola pública, mas a
verdade é que tudo estão a fazer para a destruir, impedindo na prática o seu
funcionamento. Defender a escola pública não é gritar desaustinadamente
contra as instituições privadas, a Igreja Católica ou o sector social. Isso é
fácil, é audível, mas não resolve nenhum problema de alunos, pais, professores,
auxiliares e de todos os que diariamente trabalham para qualificar os jovens
portugueses. Defender a escola pública e o papel social do Estado no ensino e
na educação é não fazer cortes abruptos, que impossibilitam o normal
funcionamento das escolas. Para levar a cabo a política de rendimentos a que se
vincularam, Costa, Centeno, Mário Nogueira, o PCP e o Bloco não hesitam em
privar o sistema escolar de recursos absolutamente indispensáveis ao quotidiano
das escolas. Para quem enche a boca com o Estado social e o ensino público, aí
está a grande hipocrisia orçamental.
3. O único sector em que não
subsiste ainda um estranho silenciamento, próprio da paz podre que
antecede todos os movimentos de colapso e derrocada, é o sector dos
transportes públicos. Aí a vergonha em que se tornou a ruína do
metropolitano de Lisboa, embora não faça títulos, já não é escondida nem
simplesmente comentada em voz baixa. O esgotamento dos bilhetes que já havia
acontecido no metro do Porto e que obriga a longuíssimas filas e aos mais
atávicos incómodos para os passageiros é apenas a ponta visível do iceberg. A
supressão de carreiras dentro das várias linhas, os atrasos sistemáticos, a
paragem do material circulante por falta de dinheiro para manutenção são a
prova provada de que este Governo e os seus apoiantes radicais, para fazerem
flores com certos sectores da população, deixam o Estado social à míngua. E,
de uma assentada, mesmo a esses sectores que dizem beneficiar, dão com uma mão
o que tiram com a outra. Dão-lhes através da reposição mais alguma
disponibilidade financeira, mas depois suprimem cuidados hospitalares,
deixam a escola a funcionar em modo intermitente, privam-nos de transporte
colectivo. E muito provavelmente a pouca folga que ganharam é despendida no
colmatar das brechas e crateras que o Governo PS-Bloco-PCP abriu e continua a
abrir no Estado social.
4. Ainda nem todos tomaram
consciência de que o Governo e os seus parceiros, para se ufanarem de
eventualmente atingir a meta do défice – propósito que dantes execravam
–, estão a escavacar o Estado social. Não o fazem no plano da
legislação, nem o admitem no plano do discurso, mas desmantelam-no todos os
dias, sufocam-no até limites inauditos, põem-no sob a pressão da penúria, do
adiamento e do esvaziamento. Não deixa de ser irónico que Portugal, enquanto
esteve sob assistência financeira internacional e sob o controlo férreo da
troika, tivesse os serviços sociais a funcionar melhor e mais eficazmente do
que nestes dias de aparente e celebrado relaxe e alívio. Ainda vamos acabar a
concluir que “geringonça” trata pior o Estado social do que a troika…
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