Cheguei tarde ao café, já a minha irmã e a nossa amiga
tinham saboreado os doces eflúvios que o nosso repenicado e vistoso encontro proporciona,
para empregar um jogo aprazível de sinestesias que promovam este meu discurso
as mais das vezes de trazer por casa, o que convém ao seu rigor, neste momento
já a condenar-se por se sentir um tudo nada delambido com a pretensão
figurativa, coisa para arrastar a falta de mensagem, por lhe apetecer antes brincar.
Desta vez, a nossa amiga não se referiu ao meu
vestuário, geralmente descombinado, mau grado as suas frequentes lições sobre a
moda, mas os seus olhos faiscavam de malícia ao perguntar-me se tinha alguma
coisa a dizer da novidade. Percebi que se referia ao Fidel Castro, modestamente
repliquei que pouco tinha a dizer, ligando-o apenas a nomes como Che Guevara,
Baía dos Porcos, fugas de Cuba e a
expansão da miséria por lá, onde era preciso que não houvesse capitalistas, tal
como acontecera na Rússia revolucionária, a menos que a dotação do capital
pertencesse ao “paizinho”, coisas que todas nós sabíamos de cor, mas que não
convinha referir, agora que o paizinho de lá batera definitivamente a bota. Já em
casa, o meu marido lembrou o seu antecessor Fulgêncio Baptista que também fora
ditador mas aliado aos capitalistas e esmagando os opositores, também
ditadores, que Fidel Castro protagonizaria tempos depois com a sua revolução - que tanto entusiasmaria os nossos revolucionários sempre à coca - passando ele a esmagar.
Mas eu levava uma curiosidade – a ementa do meu
primeiro casamento, que eu nem me lembrava que existira, pelos vistos devida a
mais esse encargo para os meus pais, em Coimbra, que estouvadamente ignorara,
por nessa altura já estar a trabalhar no liceu de Aveiro. Oferecera-a a uma
colega – a Conceição Sarmento – amiga de sempre, que a encontrou numa gaveta e
ma enviou agora. Foi a propósito dessa Coimbra dos nossos amores que a minha
irmã contou da estranheza do Destino, que também a ela marcara, quando viera de
Quelimane de licença, embarcando o meu pai em Lourenço Marques, também de
licença, em cata da nossa mãe, que tomava conta de mim desde o ano anterior, os
dois desejando assistir à minha formatura, família coesa sempre e valorizando
um acontecimento para mim pouco significativo - apenas uma etapa conclusiva -
mas que relembro à distância, como uma luz familiar de ternura.
Ao passarem
pelo Lobito, eis que o seu amigo Botinas a apresenta a um amigo que lá vivia, que
imediatamente a considerou a mulher da sua vida, ao que parece, siderado com as
perfeições que nela entreviu. A minha irmã e o meu pai, alheios ao fascínio,
tinham resolvido ir a Benguela, mas o meu pai, sempre “podão”, não acompanhou o
passo elástico da minha irmã e perderam o autocarro. Voltaram para trás, e
reencontraram os dois amigos em animada conversa, que soube mais tarde ser a
seu respeito. E o meu futuro cunhado, ao saber do incidente, logo se oferecera
para os levar a Benguela. “Bumba! Vamos todos p’ra Benguela!, que era muito
bonita, naquele tempo”, exclamação que puxou à tristeza do presente degradado,
até mesmo em Cuba.
Mas retomámos as nossas recordações desse ano passado
em Coimbra, onde, a minha irmã chegara em Maio, por altura da Queima das Fitas,
e em Novembro casava nos Jerónimos, com esse meu fogoso cunhado, que construiu uma
família como ele alta e fogosa, que dá gosto ver.
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