domingo, 27 de novembro de 2016

Vamos todos p’ra Benguela




Cheguei tarde ao café, já a minha irmã e a nossa amiga tinham saboreado os doces eflúvios que o nosso repenicado e vistoso encontro proporciona, para empregar um jogo aprazível de sinestesias que promovam este meu discurso as mais das vezes de trazer por casa, o que convém ao seu rigor, neste momento já a condenar-se por se sentir um tudo nada delambido com a pretensão figurativa, coisa para arrastar a falta de mensagem, por lhe apetecer antes brincar.  
Desta vez, a nossa amiga não se referiu ao meu vestuário, geralmente descombinado, mau grado as suas frequentes lições sobre a moda, mas os seus olhos faiscavam de malícia ao perguntar-me se tinha alguma coisa a dizer da novidade. Percebi que se referia ao Fidel Castro, modestamente repliquei que pouco tinha a dizer, ligando-o apenas a nomes como Che Guevara, Baía dos Porcos, fugas  de Cuba e a expansão da miséria por lá, onde era preciso que não houvesse capitalistas, tal como acontecera na Rússia revolucionária, a menos que a dotação do capital pertencesse ao “paizinho”, coisas que todas nós sabíamos de cor, mas que não convinha referir, agora que o paizinho de lá batera definitivamente a bota. Já em casa, o meu marido lembrou o seu antecessor Fulgêncio Baptista que também fora ditador mas aliado aos capitalistas e esmagando os opositores, também ditadores, que Fidel Castro protagonizaria tempos depois com a sua revolução - que tanto entusiasmaria os nossos revolucionários sempre à coca - passando ele a esmagar.
Mas eu levava uma curiosidade – a ementa do meu primeiro casamento, que eu nem me lembrava que existira, pelos vistos devida a mais esse encargo para os meus pais, em Coimbra, que estouvadamente ignorara, por nessa altura já estar a trabalhar no liceu de Aveiro. Oferecera-a a uma colega – a Conceição Sarmento – amiga de sempre, que a encontrou numa gaveta e ma enviou agora. Foi a propósito dessa Coimbra dos nossos amores que a minha irmã contou da estranheza do Destino, que também a ela marcara, quando viera de Quelimane de licença, embarcando o meu pai em Lourenço Marques, também de licença, em cata da nossa mãe, que tomava conta de mim desde o ano anterior, os dois desejando assistir à minha formatura, família coesa sempre e valorizando um acontecimento para mim pouco significativo - apenas uma etapa conclusiva - mas que relembro à distância, como uma luz familiar de ternura.
 Ao passarem pelo Lobito, eis que o seu amigo Botinas a apresenta a um amigo que lá vivia, que imediatamente a considerou a mulher da sua vida, ao que parece, siderado com as perfeições que nela entreviu. A minha irmã e o meu pai, alheios ao fascínio, tinham resolvido ir a Benguela, mas o meu pai, sempre “podão”, não acompanhou o passo elástico da minha irmã e perderam o autocarro. Voltaram para trás, e reencontraram os dois amigos em animada conversa, que soube mais tarde ser a seu respeito. E o meu futuro cunhado, ao saber do incidente, logo se oferecera para os levar a Benguela. “Bumba! Vamos todos p’ra Benguela!, que era muito bonita, naquele tempo”, exclamação que puxou à tristeza do presente degradado, até mesmo em Cuba.
Mas retomámos as nossas recordações desse ano passado em Coimbra, onde, a minha irmã chegara em Maio, por altura da Queima das Fitas, e em Novembro casava nos Jerónimos, com esse meu fogoso cunhado, que construiu uma família como ele alta e fogosa, que dá gosto ver.

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