Eu nem percebo porque é que a minha amiga se indigna. Hoje saiu-se com esta e eu tomei logo nota num guardanapo da casa, mas acho que nós também não fazemos mais nada que gastar tempo na conversata, agora menos porque ando “a toque de caixa”, que a minha Mãe não é das pessoas conformadas com o destino e exige atenção constante, a gritos ou gemidos de metralhadora.
Voltou-se – a minha amiga – para a minha filha, que as férias da Páscoa disponibilizaram mais para uma curta companhia na nossa bica diária, e continuou:
- Eu digo-te uma coisa. Tenho que andar sempre a olhar para o chão, que Nosso Senhor castiga sempre, por causa das críticas.
A minha filha ponderou, do alto da sua experiência humana e livresca:
- Com a idade as pessoas aguçam a sua maneira de ser. Lembro-me da minha madrasta e do meu pai. Com a idade, ih! pá! O que ela dizia mal da Alemanha e dos programas de televisão, com a exposição pessoal nos talk shows que nós imitámos mais tarde, e das pessoas severas que não perdoam deslizes, em ressonâncias nazis... Os mais ausentes ficam mais ausentes com a idade. Conheço um sujeito assim, um homem calado, introvertido, que tem sofrido com a doença, cada vez mais fechado, mas rodeado da preocupação dos filhos. A mulher é um pouco ridícula no seu blá blá exibicionista, mas fala, está viva. E sofre também com os ossos, as varizes, etc, mas não lhe ligam tanto, atidos ao preceito de que mulher doente é mulher para sempre.
- Era o que eu costumava dizer para a minha Mãe, nas cartas – atalhei eu revivendo passados remotos. Enquanto o meu Pai era sóbrio e impecável nas suas cartas para África, já depois da reforma, a minha Mãe queixava-se profusamente das suas dores e das do meu Pai, para além de contar tudo muito esmiuçadinho o que se passava por cá, sem preocupação de burilar escritas, que não estava nos seus hábitos. Eu gostava muito das cartas dela, e hoje vejo, pela exibição prodigiosa da sua memória, e do refinar, por vezes, do seu vocabulário, quando não está virada para as suas dores ou para as grades da sua cama, que era uma pessoa, de facto, inteligente, atenta aos espaços que percorreu e às pessoas com quem conviveu.
Não, não chegámos a focar o tema da indignação da minha amiga, que não houve tempo. Creio que se referia às conversatas constantes nos audio-visuais sobre a temática da economia, da corrupção, da corrupção, da economia, da economia, da corrupção.... E das doenças, que os media viraram também hospital. Ou da educação, ou falta dela, numa previsão pessimista de estilhaço social. Ai Jesus, ai Jesus, ai Jesus... Redunda nas mesmas expansões da minha atribulada Mãe: Ai, Jesus, Deus me valha, Deus nos valha...
- Ai, Jesus! (Falam também as minhas costas, o meu pescoço, os meus pulsos...).
Voltou-se – a minha amiga – para a minha filha, que as férias da Páscoa disponibilizaram mais para uma curta companhia na nossa bica diária, e continuou:
- Eu digo-te uma coisa. Tenho que andar sempre a olhar para o chão, que Nosso Senhor castiga sempre, por causa das críticas.
A minha filha ponderou, do alto da sua experiência humana e livresca:
- Com a idade as pessoas aguçam a sua maneira de ser. Lembro-me da minha madrasta e do meu pai. Com a idade, ih! pá! O que ela dizia mal da Alemanha e dos programas de televisão, com a exposição pessoal nos talk shows que nós imitámos mais tarde, e das pessoas severas que não perdoam deslizes, em ressonâncias nazis... Os mais ausentes ficam mais ausentes com a idade. Conheço um sujeito assim, um homem calado, introvertido, que tem sofrido com a doença, cada vez mais fechado, mas rodeado da preocupação dos filhos. A mulher é um pouco ridícula no seu blá blá exibicionista, mas fala, está viva. E sofre também com os ossos, as varizes, etc, mas não lhe ligam tanto, atidos ao preceito de que mulher doente é mulher para sempre.
- Era o que eu costumava dizer para a minha Mãe, nas cartas – atalhei eu revivendo passados remotos. Enquanto o meu Pai era sóbrio e impecável nas suas cartas para África, já depois da reforma, a minha Mãe queixava-se profusamente das suas dores e das do meu Pai, para além de contar tudo muito esmiuçadinho o que se passava por cá, sem preocupação de burilar escritas, que não estava nos seus hábitos. Eu gostava muito das cartas dela, e hoje vejo, pela exibição prodigiosa da sua memória, e do refinar, por vezes, do seu vocabulário, quando não está virada para as suas dores ou para as grades da sua cama, que era uma pessoa, de facto, inteligente, atenta aos espaços que percorreu e às pessoas com quem conviveu.
Não, não chegámos a focar o tema da indignação da minha amiga, que não houve tempo. Creio que se referia às conversatas constantes nos audio-visuais sobre a temática da economia, da corrupção, da corrupção, da economia, da economia, da corrupção.... E das doenças, que os media viraram também hospital. Ou da educação, ou falta dela, numa previsão pessimista de estilhaço social. Ai Jesus, ai Jesus, ai Jesus... Redunda nas mesmas expansões da minha atribulada Mãe: Ai, Jesus, Deus me valha, Deus nos valha...
- Ai, Jesus! (Falam também as minhas costas, o meu pescoço, os meus pulsos...).
- Ai, Jesus! – Fala um país inteiro, desatento a tudo o que não seja o pânico de um presente sem futuro. Por conta da economia, da corrupção, da corrupção, da economia, da impreparação da nossa juventude circunscrita a um horizonte umbilical.
Um país doente, um país sem rumo. A não ser na conversata. Circular.
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