quinta-feira, 29 de abril de 2010

Casa mortuária

O meu marido gosta de os ouvir. Mas perde horas a ouvi-los e eu, que vou alternando ocupações, quando chego à televisão, continuo a escutar as vozes monocórdicas dos que são chamados a depor e dos que os interrogam, tentando demonstrar as falcatruas e os cinismos que envolvem os vários casos incriminatórios, mas sempre defendidos com as ironias e os desvios manhosos daqueles a quem não convém serem incriminados, mas que no fundo se estão nas tintas para tudo e todos, e até para as incriminações, porque sabem que estas ninguém as demonstra porque não encontram as provas cabais, só centrados no jargão jurídico, ou nos jogos de uma pseudodiplomacia irónica, para asno ouvir, do estilo de Vara “admitir que o engenheiro Sócrates conhecia informalmente o negócio, acreditando ele na palavra de Sócrates (que o disse) a respeito da compra da TVI por parte da PT”. Só formalmente é que conta, portanto. Outra frase de fuga, usada por Vara e por outros “não sou propriamente um delator” ou “não tenho o direito de pôr em causa o bom nome bla, bla, bla... “ da escusa. Ou mesmo, muito safardana, a fazer tempo para estudar a resposta: “Tenho estado aqui a pensar se tive conhecimento antecipado bla bla bla...”
De nada vale a seriedade dos que se propuseram averiguar a verdade a respeito das mentiras que envolveram actuações menos criteriosas do PM em alguns dos processos tantas vezes referenciados. A comandita dos envolvidos estudou em grupo as respostas da escusa, mais ou menos idênticas, e todos eles se vão safando, sem que os acusadores consigam furar a muralha da sua astúcia, ou da sua negação de resposta, caso de Rui Pedro Soares.
Perde-se tempo. Os da Comissão de Inquérito sabem bem da inutilidade do seu papel ali, naquela espécie de casa mortuária onde se fala fala fala... Em surdina. Como gostamos, afinal. Passando tempo.
É certo que o dirigente do PSD já se reuniu com o do PS, para ambos estudarem a salvação do país. Estão ambos felizes, interapoiando-se com ternura e a elevação a que Passos Coelho nos habituou, aparentemente para salvar Portugal, na realidade para fazer parte também do grupo dos que vão roendo no osso, creio que já na abordagem do tutano. De facto, Sócrates já mandou dizer que todos os projectos a que se tinha proposto se vão fazer, agora com o apoio de Passos Coelho e dos da comandita deste, o que ressalva, creio bem, muitos do PSD, que os acham ruinosos.
Assim vamos vivendo. Em litania, na questão da Comissão de Inquérito televisionada. Dançando o vira, no caso do nosso Primeiro. Virando com ele, no caso dos seus acompanhantes, agora com Passos Coelho respeitosamente participando. Gemendo e chorando, na maioria dos habitantes indecisos do nosso vale. "Morituri te salutant", diriam os gladiadores. Dizemos nós. Que os Neros não se distinguem.

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