segunda-feira, 5 de abril de 2010

Virou virose

De repente, tudo se alterou. Não consegui mais entrar na Internet. Nem sequer no FreeCell, nem nas Copas. O meu computador era uma fábrica de vírus. O Carolus bem se esforçou por eliminá-los. Tudo inútil. Teve mesmo que reformatar, se é que existe tal verbo. Fiquei longe do mundo, do meu mundo destes dois últimos anos de Internet. O Carolus até me explicou que há umas peças anti-vírus para adaptar ao computador, que elimina os vírus, e que há empresas que fabricam as tais peças, mas vão semeando vírus nas peças anti-vírus, para poderem vender mais peças suas anti-vírus.
Lembrei-me logo das decisões económicas do “Castel-Bénac”, personagem do “Topaze” do Marcel Pagnol, entre outros exemplos, o do seu negócio dos esgotos. Vou mesmo traduzir, que são páginas imortais, de alguém que revelou conhecer bem as características humanas na sua imortalidade:

«Castel-Bénac: Não chegou um certo senhor Rebizoulet?
Topaze:
Não, não. Não veio ninguém.
Castel-Bénac: Pois bem, alguém virá, porque você vai tratar pessoalmente dum negócio. Como é o primeiro (Topaze fora designado como o testa-de-ferro do sr. Castel-Bénac), escolhi-o fácil e como você faz sempre uma cara de enterro, escolhi-o alegre.
Topaze: Sim, senhor conselheiro.
Castel-Bénac: Este Rebizoulet é proprietário da grande cervejaria suíça. No ano passado, os nossos serviços de higiene abriram uma boca de esgoto diante da cervejaria. Ora, à medida que o verão avança e o sol aquece, esta boca de esgoto torna o terraço da cervejaria positivamente infrequentável, e a clientela foge de lá. Rebizoulet veio, pois, procurar-me para me pedir o encerramento desta abertura.
Topaze: Compreende-se.
Castel-Bénac: Eu respondi-lhe que não tinha tempo para me ocupar do caso, mas que, se se dirigisse ao sr. Topaze, a abertura seria fechada naturalmente. Ele vai chegar e você vai-o receber. Vai dizer-lhe que vai concretizar a coisa, mas que há despesas e que exige, antes de quaisquer diligências, uma quantia de dez mil francos.
Topaze: Mas com que pretexto posso colorir o pedido?
Castel-Bénac: Você não tem nada que colorir. Você pede-lhe dez mil francos. Assim mesmo. E ele vai dar-lhos sem nenhuma dificuldade. Então, eu mando fechar essa abertura e mando abrir uma outra em frente, diante do café Bertillon.
Topaze: Mas que dirá o Sr. Bertillon?
Castel-Bénac: Virá dizer-lhe a mesma coisa. Vem dar-lhe os dez mil francos. E depois do Bertillon, outros há. Antes de dar a volta ao quarteirão, teremos empossado mais de trezentas notas. É um negócio seguro, prático e até divertido. Poderíamos correr cinco ou seis cafés por ano de forma regular...»

E aqui está como, à conta dos meus vírus internéticos e do descritivo do Carolus sobre as empresas fabricantes de eliminadores – simultaneamente semeadores – de anti-virais, me lembrei do Senhor Castel-Bénac.
A minha amiga, conquanto suficientemente ingénua para sempre se espantar, sobretudo com as histórias antigas, como a do Topaze, feitas por pessoas com experiência e inteligência do mundo, lembra outros casos por cá, que nascem como tortulhos em dias de chuva. Cada dia há um diferente e o dos submarinos já vai longe, embora não completamente submerso, para além de tudo quanto era pobre ou remediado e repentinamente brotou em aparato e bem-estar. E os que fogem e vivem bem no estrangeiro, sinal de que o estrangeiro os trata também com consideração, e os que são presos por conta própria e por conta de outros que o deviam ser e não são, porque deixaram quem ficase preso na vez deles. E os das fraudes de vária ordem, na permissividade como apanágio nosso. Uma virose a que não é possível pôr cobro, porque não se pode reformatar. Pelo contrário, cada caso chama outro e outro e assim vai alastrando por todos os que têm unhas para os casos.
Oh! Como vão distantes as histórias daquela infância que recompensava os bons e punia os maus, e que às vezes até os redimia, como foi com o burro Cadichon!
Virámos esgoto.

Nenhum comentário: