domingo, 30 de novembro de 2014

A batota balofa



O artigo de Francisco Louçã, do Público, de 16/11, pg 55, refere a proposta de António Costa “Uma década em agenda”, título que me parece megalómano. É claro que o mesmo Louçã põe dúvidas sobre a realização dessas coisas, tão precária é esta vida que não dá para grandes projectos, mas Louçã achou-lhe objectivos importantes, como o combate à pobreza, a negociação colectiva, a penalização das empresas de trabalho precário, a igualdade, o alargamento da adopção e procriação, etc., etc. Coisas válidas, reveladoras de bons sentimentos, como António José Seguro também revelava, sem se descoser demasiado, como fazem todos os candidatos a Primeiros Ministros, aliás - excepto Passos Coelho, comprometido com um empréstimo crucificante. Mas Louçã apresenta um Costa que vai à luta, arrancar dinheiro à Europa, segundo o compromisso de Juncker, para ajudar a relançar os povos deficitários, e vai propor coisas tais como:
“os principais objetivos da União Europeia devem ser:
• relançar a União como instrumento de democracia e prosperidade partilhada na Europa, designadamente pela promoção do crescimento económico e da criação de emprego;
• relançar a dinâmica comunitária de prossecução do interesse comum numa base de igualdade entre Estados Membros;
• restaurar a coesão social e reganhar a confiança dos cidadãos no modelo social europeu, voltando a colocar os direitos das pessoas no centro da construção europeia;
• reforçar a coesão regional;
• completar a arquitetura do euro, retomando a trajetória da moeda única como uma dimensão do projeto de convergência, desse modo contribuindo para resolver, de modo sustentável, os desequilíbrios macroeconómicos e orçamentais”.

Tenhamos, pois, fé, como Louçã. Mas faltou uma sugestão: o pedido para que nos seja facilitada a vida, perdoando parte da nossa dívida, como fizeram com a da Grécia. Eu bem sei que a Grécia foi o berço de tanta coisa bela que deitou cá para fora. Mas Portugal também se pode considerar uma longa cama que primeiro que ninguém alargou espaços ao mundo inteiro, também merecia que lhe fosse perdoada parte da dívida, para podermos levantar cabeça, embora não nos faltem, felizmente ainda, muitos com ela erguida.

Todavia, o artigo da página seguinte, de Vasco Pulido Valente, A Educação de Costa”, põe, naturalmente, os pontos nos is. Habituados que estamos aos seus esclarecimentos bem ponderados, recreemo-nos com o tom sardónico da sua prosa, sem  a cor a influir. Mas  mantenhamos a esperança no Costa, que Louçã também sabe dizer coisas, mesmo que sejam só para favorecer Costa nas próximas eleições:
A Educação de Costa
VASCO PULIDO VALENTE 15/11/2014
Os tempos de facilidade e de aclamação acabaram. António Costa passou de uma promessa a uma dúvida. A política – sobretudo a política orçamental – da Câmara de Lisboa começa a ser examinada a sério. Chegou tarde, mas chegou, o fim do pequeno comício semanal na “Quadratura do Círculo”.
Para preservar um pouco da aura de antigamente, Costa tenta não falar e, quando fala, não dizer nada. Só que um candidato a primeiro-ministro, queira ou não queira, tem de falar. Desta vez, foi uma entrevista à RTP para apresentar a sua moção ao congresso do partido – a única, de resto. Infelizmente para ele, não se arranjaram mais de 800 000 portugueses para o ouvir (e a concorrência ganhou a noite). Como sinal de entusiasmo é fraco e, além de fraco, muito lógico.
O prodígio António Costa não saiu do calão em uso, nem das generalidades mais rasteiras. Primeiro, não se comprometeu a diminuir a austeridade num futuro previsível. Mais prudente e vago, acenou de longe com a possibilidade de “travar a regressão social” (o que não significa nada)  e em “estabilizar e começar a inverter o ciclo para crescer” (o que significa menos). Quanto ao pão e à manteiga, pretende uma “política de rendimentos” segura e previsível. Vai repor as pensões (como eram antes dos cortes) e deixar por enquanto os salários do funcionalismo à providência do Altíssimo. A sobretaxa, ao que parece, ainda está para durar; e o desemprego também. Nestas coisas, todo o cuidado é pouco e Costa não tenciona criar ilusões à sua tresloucada esquerda.
Sobre a dívida, não houve o mais vago sinal às fantasias dos 74. Pensa num “debate a nível técnico e académico” (que certamente nos sossegará) e em “encontrar uma solução a nível da Europa”, que se reduzirá, suponho, a um “debate a nível técnico e académico”, porque  Portugal não pesa, nem decide. Costa gostaria, claro, que os credores espontaneamente nos desculpassem uma parte da dívida ou que um investimento indeterminado (mas por força grandioso) nos “libertasse do garrote”. Ninguém o deve impedir de se consolar com a ideia, que até o dr. Cavaco, num estilo mais presidencial, acha “positiva”. A educação do dr. António Costa já começou. Calculo que seja dolorosa e espero que seja profícua. Que mais se pode, no fundo, esperar dele.

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