O artigo
de Francisco Louçã, do Público, de 16/11, pg 55, refere a
proposta de António Costa “Uma década em agenda”, título que me
parece megalómano. É claro que o mesmo Louçã põe dúvidas sobre a realização
dessas coisas, tão precária é esta vida que não dá para grandes projectos, mas
Louçã achou-lhe objectivos importantes, como o combate à pobreza, a negociação
colectiva, a penalização das empresas de trabalho precário, a igualdade, o
alargamento da adopção e procriação, etc., etc. Coisas válidas, reveladoras de
bons sentimentos, como António José Seguro também revelava, sem se descoser
demasiado, como fazem todos os candidatos a Primeiros Ministros, aliás - excepto
Passos Coelho, comprometido com um empréstimo crucificante. Mas Louçã apresenta
um Costa que vai à luta, arrancar dinheiro à Europa, segundo o compromisso de
Juncker, para ajudar a relançar os povos deficitários, e vai propor coisas tais
como:
“os principais objetivos da União Europeia devem ser:
• relançar a União como instrumento de democracia e prosperidade
partilhada na Europa, designadamente pela promoção do crescimento económico e
da criação de emprego;
• relançar a dinâmica comunitária de prossecução do interesse comum
numa base de igualdade entre Estados Membros;
• restaurar a coesão social e reganhar a confiança dos cidadãos no
modelo social europeu, voltando a colocar os direitos das pessoas no centro da
construção europeia;
• reforçar a coesão regional;
• completar a arquitetura do euro, retomando a trajetória da moeda
única como uma dimensão do projeto de convergência, desse modo contribuindo
para resolver, de modo sustentável, os desequilíbrios macroeconómicos e
orçamentais”.
Tenhamos,
pois, fé, como Louçã. Mas faltou uma sugestão: o pedido para que nos seja
facilitada a vida, perdoando parte da nossa dívida, como fizeram com a da Grécia.
Eu bem sei que a Grécia foi o berço de tanta coisa bela que deitou cá para fora.
Mas Portugal também se pode considerar uma longa cama que primeiro que ninguém alargou
espaços ao mundo inteiro, também merecia que lhe fosse perdoada parte da
dívida, para podermos levantar cabeça, embora não nos faltem, felizmente ainda, muitos com ela erguida.
Todavia, o artigo da página
seguinte, de Vasco Pulido Valente, “A Educação
de Costa”, põe,
naturalmente, os pontos nos is. Habituados que estamos aos seus esclarecimentos
bem ponderados, recreemo-nos com o tom sardónico da sua prosa, sem a cor a influir. Mas mantenhamos a esperança no Costa, que Louçã
também sabe dizer coisas, mesmo que sejam só para favorecer Costa nas próximas
eleições:
A
Educação de Costa
Os tempos de facilidade e de aclamação acabaram. António
Costa passou de uma promessa a uma dúvida. A política – sobretudo a
política orçamental – da Câmara de Lisboa começa a ser examinada a sério.
Chegou tarde, mas chegou, o fim do pequeno comício semanal na “Quadratura do
Círculo”.
Para
preservar um pouco da aura de antigamente, Costa tenta não falar e, quando
fala, não dizer nada. Só que um candidato a primeiro-ministro, queira ou não
queira, tem de falar. Desta vez, foi uma entrevista à RTP para apresentar a sua
moção ao congresso do partido – a única, de resto. Infelizmente para ele, não
se arranjaram mais de 800 000 portugueses para o ouvir (e a concorrência ganhou
a noite). Como sinal de entusiasmo é fraco e, além de fraco, muito lógico.
O
prodígio António Costa não saiu do calão em uso, nem das generalidades mais
rasteiras. Primeiro, não se comprometeu a diminuir a austeridade num futuro
previsível. Mais prudente e vago, acenou de longe com a possibilidade de
“travar a regressão social” (o que não significa nada) e em “estabilizar
e começar a inverter o ciclo para crescer” (o que significa menos). Quanto ao
pão e à manteiga, pretende uma “política de rendimentos” segura e previsível.
Vai repor as pensões (como eram antes dos cortes) e deixar por enquanto os
salários do funcionalismo à providência do Altíssimo. A sobretaxa, ao que
parece, ainda está para durar; e o desemprego também. Nestas coisas, todo o
cuidado é pouco e Costa não tenciona criar ilusões à sua tresloucada esquerda.
Sobre a
dívida, não houve o mais vago sinal às fantasias dos 74. Pensa num “debate a
nível técnico e académico” (que certamente nos sossegará) e em “encontrar uma
solução a nível da Europa”, que se reduzirá, suponho, a um “debate a nível
técnico e académico”, porque Portugal não pesa, nem decide. Costa
gostaria, claro, que os credores espontaneamente nos desculpassem uma parte da
dívida ou que um investimento indeterminado (mas por força grandioso) nos
“libertasse do garrote”. Ninguém o deve impedir de se consolar com a ideia, que
até o dr. Cavaco, num estilo mais presidencial, acha “positiva”. A educação do
dr. António Costa já começou. Calculo que seja dolorosa e espero que seja
profícua. Que mais se pode, no fundo, esperar dele.
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