Julguei que finalmente tinham atentado em mim,
sobretudo pelo andar cansado, de passos trôpegos de que não me julgava capaz,
tanto que corri na infância, pé descalço, e me quisessem distinguir com essa
comenda ternurenta de brigada do reumático, incluindo algumas amigas que apesar
de tudo andam muito mais ligeiras e donairosas, embora não tenham corrido tanto
como eu no seu passado mais assente e jamais de pé descalço. Não, não se
tratava de nós, as brigadas eram outras, metiam zelos e ataques, desejos
férvidos de chutar Passos Coelho que não pertence a essa brigada porque a nova
do reumático é da dos que, sendo do seu partido, deveriam ser seus partidários
e tornaram-se seus inimigos, a saber, Miguel Veiga, Luís Mira Amaral, José
Miguel Júdice – por razões que o articulista João Miguel Tavares pesquisou nas
suas funções investigadoras e traduziu para o seu artigo cheio de graça e
artimanha. De outros mais falou, gente de dinheiro e não desejando moderar
ambições, gente da social democracia que se revela apenas da egolatria pecadora.
E por isso quer apear o governo que faz o que pode para repor as coisas
direitas. Alguma dessa nova brigada até já eu estimei, na seriedade dos seus conceitos.
Afinal, descobriram que a brigada dos novatos que governa, lhes convém menos do
que a antiga, que essa se deixou ir na onda do proveito próprio, e é essa onda,
esse vagalhão que lhes convém a todos. Veremos como actuará Costa nesta questão
e em tantas outras, Costa o maior, segundo Júdice, que nem sequer é do partido,
mas já deve ter combinações feitas ou promessas de entreajuda.
Que eu cá sou mais adepta do provérbio caseiro “vira o
disco e toca o mesmo”-
A nova Brigada do Reumático
João Miguel Tavares
11/11/2014
A
lista de sexagenários e septuagenários que são ou já foram da área do PSD e que
dizem de Pedro Passos Coelho o que Maomé não disse do toucinho é
impressionante.
Miguel Veiga deu ontem uma entrevista a este jornal a
defender a subida ao poder de Rui Rio, para que faça “uma limpeza desejável no
PSD”. Luís Mira Amaral deu uma entrevista no sábado ao DN a desancar de cima
abaixo Moreira da Silva, a quem chamou “ministro do CO2” e a quem acusou de ter
“um discurso de talibãs verdes” por se atrever a taxar as gasolineiras. José
Miguel Júdice tem-se desdobrado em entrevistas para demonstrar o seu apoio a
António Costa – segundo ele, “o político mais dotado da sua geração” e “a
pessoa mais indicada para liderar o país nesta conjuntura”.
A
lista de sexagenários e septuagenários que são ou já foram da área do PSD e que
dizem de Pedro Passos Coelho o que Maomé não disse do toucinho é
impressionante. Uns sonham com Rui Rio (Miguel Veiga), outros com António Costa
(José Miguel Júdice), outros nem com um, nem com outro (Mira Amaral), mas todos
eles têm em comum uma profunda aversão a Passos Coelho e ao seu governo. Só que
a aversão deles não é igual à aversão do desempregado, do operário, do
funcionário público, do reformado, nem sequer à aversão de Pacheco Pereira – a
sua aversão deriva da maior dificuldade que certos privilegiados hoje têm em
aceder e em influenciar o poder político. Aquilo que os incomoda não é o
destino dos pobres. Aquilo que os incomoda é a crise, pela primeira vez, ter
chegado aos ricos.
O
embate de Moreira da Silva com o poderosíssimo sector das petrolíferas, o
famoso “não” de Maria Luís Albuquerque a Ricardo Salgado ou a actual recusa do
governo em actuar na PT são das poucas decisões realmente decentes que o
governo de Pedro Passos Coelho tomou – critiquem-no por tudo e um par de botas,
mas não por isso. Infelizmente, os privilegiados do regime fazem outras contas.
Luís Mira Amaral está à frente do BIC de Isabel dos Santos e a gerir as ruínas
do BPN, compradas ao preço da chuva. Miguel Veiga é um “fundador” do PSD que há
dois meses teceu inacreditáveis loas a Ricardo Salgado (“um homem com mão de
ferro em luva de veludo”) numa vergonhosa “reportagem” da RTP, criticando de
caminho Carlos Costa por ter acusado Salgado de forma “tendenciosa, prematura e
injustificada”.
E
José Miguel Júdice, claro está, é José Miguel Júdice, só comparável à forma
como Daniel Proença de Carvalho é Daniel Proença de Carvalho. Quando
questionado pelo jornal i acerca da natureza dos problemas do Grupo Espírito
Santo, Júdice respondeu assim: “A maior parte dos problemas do Grupo Espírito
Santo resulta de a família não ter sido devidamente paga depois de
expropriada.” É isso mesmo. A culpa de milhares de milhões a voar é sobretudo da
injustiça das indemnizações há um quarto de século. Ah, já agora: segundo José
Miguel Júdice, “Zeinal Bava, Henrique Granadeiro ou Ricardo Salgado são
excelentes profissionais em qualquer parte do mundo.” Em qualquer parte do
mundo, excepto em Portugal.
Receio
bem que esta nova Brigada do Reumático, tal como a antiga, tenha uma enorme
tendência para confundir os interesses de Portugal com os seus próprios
interesses e a manutenção dos seus privilégios. É por isso que
convém separar os campos da crítica ao governo com a precisão de um bisturi: a
classe média tem mil e uma razões para se queixar de Passos Coelho, mas as suas
razões não são as razões das classes altas representadas por Júdice, Veiga ou
Mira Amaral. Os primeiros sonham com melhores políticos. Os segundos só sonham
com políticos do antigamente. E eu, para esse peditório, já dei.
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