São de muito interesse as notas de Paula Almeida,
traduzidas do inglês. Achei por bem referi-las em página própria, lembrando
toda uma sociedade a desfazer-se, a instabilidade e o terror a apoderar-se
gradualmente dos Judeus, segundo a carta transcrita de Georg Solmssen, num ano
em que eu ainda não tinha nascido. Só mais tarde, por alturas da escola primária,
numa aldeia da Beira – Pinheiro de Lafões – onde vivemos durante a Guerra, o
meu Pai em Moçambique – sabíamos de algo que acontecia, que fazia racionar o
açúcar e o arroz, entre outros produtos, a minha Mãe dando-nos horrível caldo
de cebola ou leite adoçado a rebuçados, igualmente horrível, antes de partirmos
para a escola. Nada de muito duro, embora assim nos parecesse, e quando a Sr.ª
Palmira, nossa vizinha excelente, começou a trocar as senhas da nossa massa
pelas do seu açúcar, o céu azulou até à nossa partida para junto do meu Pai, em
finais de 44.
A carta de Georg Solmssen é assustadora, sobretudo
conhecendo como se concretizaram as previsões do seu autor, anos depois, em
horripilantes campos de concentração criados por um espírito maligno e maníaco,
de uma ambição desmedida e cruel, como se não existisse humanidade para ele.
Parece que havia um cão.
Mais tarde, quando aqui trabalhei, por um piparote
revolucionário, pude, a certa altura, dar-me conta do clima de hostilidade
entre colegas, surgido por competitividades e emulações que as políticas
educativas fomentavam, e soube o que era a intranquilidade e o medo do futuro,
sobretudo entre os colegas mais jovens, ultrapassados por colegas lestos e mais
aproximados dos compartimentos directivos, por engenho e apetência pessoais,
que admitia servilismos e denúncias. Mas
lá fomos vivendo, não no horror do clima vivido pelos Judeus na Alemanha
e outros Estados, à medida das ocupações germânicas, e hoje gritam-nos que
estamos falidos, apesar do Governo denunciar progressos económicos, no que
ninguém quer acreditar. Mas as pessoas sem emprego devem ver o seu futuro negro,
a acrescentar ao seu presente infernal. É a nossa Guerra, uma guerra feia, que
nos deslustra. Porque em vez de nos respeitarmos e interapoiarmos numa base
construtiva, digladiamo-nos sem educação nem vergonha.
NOTAS DA SEGUNDA GUERRA
Por Paula Almeida
1939
¾ Em Bratislava, é assinado um tratado entre a Alemanha
e a Eslováquia, através do qual esta pode reaver 225 quilómetros quadrados do
antigo território polaco, território da Checoslováquia que a Polónia tinha
progressivamente anexado em 1920, 1924 e 1938.
1940
¾ Em Sydney, o governo australiano apresenta o seu
orçamento de guerra para o ano seguinte. Vinte por cento da receita nacional
será destinada a despesas com a guerra e financiada por aumentos consideráveis
nos impostos.
1944
--- Na Albânia, os membros da resistência albanesa
ocupam Tirana e Durazzo.
Trecho da carta escrita em 1933 por Georg
Solmssen, porta-voz da administração do Deutsche Bank e filho de um judeu
ortodoxo. Foi dirigida ao presidente do conselho do mesmo banco. (in Nazi Germany and the Jews: The Years of Persecution, 1933-1939, vol. 1, 1997, de Saul Friedländer):
Receio que estejamos apenas no início de um processo
que visa, de forma deliberada e de acordo com um plano bem preparado, o
aniquilamento económico e moral de todos os membros da raça judia que vivem na
Alemanha, sem quaisquer distinções. A passividade total, e não só das classes
da população que pertencem ao Partido Nacional Socialista, a ausência de
quaisquer sentimentos de solidariedade que se começa a revelar entre aqueles
que até agora trabalhavam lado-a-lado com colegas judeus, o desejo cada vez
mais óbvio em tirar proveito pessoal relativamente aos cargos que vão vagando,
o silenciamento sobre a desgraça e a vergonha desastrosamente infligida ás
pessoas que, embora inocentes, testemunham a destruição da sua honra e da sua
existência de um dia para o outro - tudo isto indica uma situação tão
desesperante que seria errado não a enfrentar diretamente sem qualquer
tentativa de embelezamento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário