domingo, 2 de julho de 2017

Atamos a guita à bala


A nossa amiga estava excepcionalmente combativa, com a questão das armas subtraídas do nosso arsenal militar. Parece que uma delas era suficiente para arrasar o nosso país, vê-se que esteve atenta às notícias arrasadoras que tanto a minha irmã como eu depreciámos em parte, quer por optimismo, quer por laços passadistas, atidas à antiga sugestão de Raul Solnado na sua guerra memorável de 1908. Não que pensássemos em matar apenas com uma bala atada a uma guita puxável, e nem sequer em facilitar cedendo os planos da pólvora ao inimigo, e até mesmo mandando a Maria Albertina, vestida de organdi a servir de espia, como fora o próprio Solnado, que, despedido do seu laboratório de material farmacêutico por ter partido um comprimido, fora obrigado a empregar-se na guerra, por decisão da sua mãe e da sua tia, e para onde foi de táxi para não encher de moscas a guerra, em cavalo comprado na feira.
Nada disso, todavia, foi suficiente para impedir a preocupação da nossa amiga e então lembrei um programa da TV5 que vi ontem, por onde perpassaram vozes e cantos de encanto, de músicas de ópera de uma espectacularidade de sonho, na arte, bom gosto, perfeição orquestral e vocal, traduzindo riqueza e uma educação com que jamais poderemos não digo ombrear, mas sequer sonhar, parcialmente que seja. Mas na RTP também se apresentava um despique de bandas filarmónicas que António Vitorino de Almeida e Olga Prats iriam classificar, sob as chalaças de Júlio Isidro que se julga o máximo na sua autodepreciação fictícia de mau gosto, ou outras graças, e a dada altura ouvimos – a minha irmã e eu – um qualquer recitador num arrazoado que nos pareceu despropositado, específico da nossa mediocridade encardida, e regressámos a outros programas, retomando eu o programa musical francês, e a minha irmã e a nossa amiga creio que o 2º canal, onde também cheguei a ouvir um pouco da Traviata.
Não, não conseguimos acalmar as raivas da nossa amiga, na sua crítica destrutiva contra uma situação de penúria nacional em todos os níveis e sobretudo nessa da desresponsabilização e mândria que afecta o país, de tal modo que pôde descambar num incêndio mortífero e quem sabe se, como ela diz, em actos terroristas neste ou noutros países, por conta dessas inúmeras armas roubadas, cujo número poderá ser muito superior ao que é denunciado pelos responsáveis envergonhados ou temerosos de castigo. Mas não têm razão para o estar, a brandura nos favorece o esquecimento, pesem embora as excepções.

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