domingo, 30 de julho de 2017

O genérico


Creio que João Miguel Tavares joga à defesa, ao escrever o título do texto que segue, ultimamente arrogando-se do poder de se constituir vedeta em pequenos episódios sem relevância que tomou infantilmente como matéria de opinião. Não é o caso do texto que segue, mas não gostei da sua superioridade de formiguinha defendendo em aparência o velho rei Leão, na realidade, em servilismo febril perante as outras formigas do seu reino, a quem deseja revelar o seu modernismo ideológico, de democrata que tudo respeita em termos de opiniões, mas não deixa de as definir negativamente – e atrevidamente - como “palermices”, mesmo vindas de um rei leão. É pena este exemplo que a fábula contempla, num jovem que me habituei a ler com prazer, no anterior acerto modesto de opiniões que pareciam não deslizar no genérico das modas do consenso revolucionário.
 Quanto à defesa de Gentil Martins, outras opiniões transcrevo, suficientemente aptas, como resposta à arrogância pretensiosa dos falsos pregoeiros das novas moralidades – as do abandalhamento dos costumes, tal como um genérico na botica – mais barato e acessível.
I Texto:  Deixem as pessoas dizer palermices!
O respeito pela homossexualidade é importante, com certeza. Tal como o respeito pela velhice e pela liberdade de expressão.
João Miguel Tavares
António Gentil Martins, um médico de 87 anos que ainda se deve lembrar do dia em que Adolf Hitler invadiu a Polónia e que já era trintão quando participou nos Jogos Olímpicos de 1960 (tiro com pistola a 25 metros), resolveu declarar numa entrevista ao Expresso que a homossexualidade é uma “anomalia”. Note-se que a homossexualidade foi efectivamente considerada uma “anomalia” até 1982, altura em que a sua prática deixou de ser criminalmente punida em Portugal, tinha então Gentil Martins 52 anos. Infelizmente, nas últimas três décadas e meia, Gentil Martins ainda não teve tempo para se habituar à ideia. É pena? Com certeza que é. Tratou-se de uma afirmação estúpida? Com certeza que se tratou. Como foi estúpido chamar “estupor” a Cristiano Ronaldo, classificar D. Dolores como uma mãe incapaz, ou embirrar com o sadomasoquismo. Só que Ronaldo e D. Dolores têm mais que fazer e os sadomasoquistas estão deficientemente organizados.
Vai daí, ficámos limitados às queixas do costume: os muito compreensíveis protestos públicos contra as declarações homofóbicas do senhor e os muito pouco compreensíveis gestos para o calar através de acções disciplinares. Parece que duas médicas (pelo menos) já requereram a intervenção da Ordem, exigindo um processo contra Gentil Martins. Subitamente, a coisa está a ficar bastante parecida com um caso de Novembro do ano passado, envolvendo a psicóloga Maria José Vilaça. Lembram-se? Vilaça começou por comparar a homossexualidade à toxicodependência, dizendo que se tivesse um filho homossexual iria amá-lo, mas que não era uma coisa natural. Eu argumentei na altura que a senhora deveria ter a liberdade de defender publicamente aquilo em que a sua fé católica lhe mandava acreditar. Contudo, logo a seguir surgiu na net um vídeo antigo onde Vilaça se propunha “curar” homossexuais no seu consultório. Quando esse vídeo apareceu, muita gente argumentou que uma psicóloga não pode propor a cura de homossexuais, porque a homossexualidade não é uma doença. Esse é um argumento que faz todo o sentido: Vilaça deveria ser investigada não por ter aquela opinião, mas por estar a impingi-la na sua prática clínica.
Comentário de Elord Sigo     19.07.2017
Uma verdadeira palermice foi o que acabei de ler, e eu até costumo gostar dos seus artigos. Então este homem como tem 87 anos não tem credibilidade? Não se deve dar importância ao que diz, e deve ser desvalorizado? Mas que valores são estes que andamos a pregar afinal? É isto que queremos ensinar aos nossos filhos? Olhem, meus caros, o Dr.Gentil Martins para além de Médico cirurgião plástico, é um senhor de uma extrema cultura em vários âmbitos. O que vocês fazem, não é defender a homossexualidade, é tomar uma posição política perante a homossexualidade, nada tem de científico, e é a posição que qualquer ignorante toma por facilidade, pois. Eu subscrevo totalmente as afirmações de Gentil Martins, palavras fortes, mas de alguém que sabe, que leu, estudou, viu, enfim, que viveu, e vive.
II Texto: Fernando Assis Pacheco, António Gentil Martins e a porcaria dos novos inquisidores
No último sábado li Walt, a noveleta do Fernando Assis Pacheco publicada em 1978. Nela são recorrentes expressões utilizadas pelo narrador-alferes -- um alter ego do próprio FAP --, como paneleirices ou fufas. Estou em crer que tivesse o FAP meditado escrever algo semelhante por este ano de 2017, se autosupliciaria, se autocensuraria, pois, ao usar, num registo realista, palavras do nosso léxico como paneleirice ou fufa, pensaria três ou quatro vezes se estaria na disposição de aturar o fogo de artilharia pesada dos censores do costume, mais os patetas acoplados. E, extremamente fodido, provavelmente renunciaria a.
Parece que no último sábado o Expresso publicou uma entrevista a António Gentil Martins, cujos ecos só agora me chegaram. Tenho um familiar próximo cuja vida, ainda com meses, foi salva por ele. E assim com milhares de crianças. Não é por isso que deixarei de estar distante do médico, desde logo a começar pela religião. Deus sabe o quão ateu sou. Nasce-se homossexual, não se escolhe sê-lo. (Quem disser o contrário, não passa dum aldrabão.) Estando fora da norma, não deixa de ser um fenómeno natural (e não contranatura, como defendem os seus perseguidores) e, por isso, deve ser encarada com naturalidade nas sociedades civilizadas e evoluídas.
Ora, este senhor de 87 anos terá tido uma expressão bastante infeliz, qualquer coisa como "sou completamente contra os homossexuais". Talvez tivesse querido dizer que era contra a promoção da homossexualidade, e, aí, estaria bastante melhor, do meu ponto de vista.
Recuo um sábado: estava em Évora, entro numa tabacaria para comprar o jornal e dou de caras com a capa duma revista com o nome duma parola que esganiça por essas bardatelevisões além, dois marmanjos em ósculo envolvente -  o triunfo do kitsch em todo o seu horrorO cúmulo da miséria moral é que certamente não existe, em quem empreende a folha de couve, a mínima intenção cívica e pedagógica de promoção da tolerância, mas tão-só o propósito de arrebanhar mais uns cobres. O mercenarismo de mãos dadas com o merceeirismo.
Mas isto é a minha sensibilidade, o meu gosto, a minha educação, a minha mundividência essencialmente conservadores e tradicionais a falar. Nunca me passaria pela cabeça escrever sobre o assunto, por duas razões: a homossexualidade pertence à esfera íntima de cada um; a exteriorização feérica dela, embora seja um dos avatares do mau gosto em que estamos imersos, não é suficientemente importante para que me dê ao trabalho. Há coisas muito mais sérias, graves e urgentes. Faço-o agora, só para dizer -- porque me apetece e por ser conflituoso --, que a homossexualidade, enquanto desvio do padrão, enquanto prática minoritária, está, objectivamente, fora da norma, é portanto, nesse sentido, uma anomalia -- como o ser-se albino ou, dizem, ter os olhos azuis. 
É provável que Gentil Martins não esteja a ser apenas um técnico -- altamente qualificado, sublinhe-se, daqueles que são (deveriam ser) orgulho de uma comunidade --, e a sua afirmação esteja contaminada pelo vírus religioso. É uma maçada, mas é a sua opinião, não só legítima, como expressa no seio de uma sociedade liberal, incompatível, pois com atitudes de bufo, de reles denunciantes que foram apresentar queixa à Ordem dos Médicos, que por sua vez vai abrir um inquérito ou palhaçada semelhante.
Gentil Martins esteve também mal ao pessoalizar a questão das barrigas de aluguer. Podia referir-se-lhe sem trazer à colação o Cristiano Ronaldo, e da forma como o fez. Nunca me debrucei sobre o assunto, não tenho grande opinião, salvo uma rejeição instintiva, embora possa estar aberto a aceitar a prática em situações extremas, com as quais, felizmente, nunca fui confrontado. Mas há uma coisa que eu sei: uma criança não é uma coisa que se compre como quem vai à loja dos animais à procura dum bicho de estimação.
Tudo isto é controverso, e é natural que assim seja. O que não pode ser tolerado é a perseguição, fanática e pidesca, a quem exprime as suas opiniões, conservadoras, tradicionalistas e confessionais -- e com todo o direito a fazê-lo. 
PUBLICADA POR RICARDO ANTÓNIO ALVES 


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