Creio que João Miguel Tavares joga
à defesa, ao escrever o título do texto que segue, ultimamente arrogando-se do
poder de se constituir vedeta em pequenos episódios sem relevância que tomou
infantilmente como matéria de opinião. Não é o caso do texto que segue, mas não
gostei da sua superioridade de formiguinha defendendo em aparência o velho rei Leão,
na realidade, em servilismo febril perante as outras formigas do seu reino, a
quem deseja revelar o seu modernismo ideológico, de democrata que tudo respeita
em termos de opiniões, mas não deixa de as definir negativamente – e atrevidamente
- como “palermices”, mesmo vindas de um rei leão. É pena este exemplo que a
fábula contempla, num jovem que me habituei a ler com prazer, no anterior acerto
modesto de opiniões que pareciam não deslizar no genérico das modas do consenso
revolucionário.
Quanto à defesa de Gentil Martins, outras opiniões
transcrevo, suficientemente aptas, como resposta à arrogância pretensiosa dos
falsos pregoeiros das novas moralidades – as do abandalhamento dos costumes, tal
como um genérico na botica – mais barato e acessível.
I Texto: Deixem as pessoas dizer palermices!
O respeito pela
homossexualidade é importante, com certeza. Tal como o respeito pela velhice e
pela liberdade de expressão.
João Miguel Tavares
António Gentil Martins, um médico de 87 anos que ainda se deve lembrar
do dia em que Adolf Hitler invadiu a Polónia e que já era trintão quando
participou nos Jogos Olímpicos de 1960 (tiro com pistola a 25 metros), resolveu
declarar numa entrevista ao Expresso que a homossexualidade é uma “anomalia”.
Note-se que a homossexualidade foi efectivamente considerada uma “anomalia” até
1982, altura em que a sua prática deixou de ser criminalmente punida em
Portugal, tinha então Gentil Martins 52 anos. Infelizmente, nas últimas três
décadas e meia, Gentil Martins ainda não teve tempo para se habituar à ideia. É
pena? Com certeza que é. Tratou-se de uma afirmação estúpida? Com certeza que
se tratou. Como foi estúpido chamar “estupor” a Cristiano Ronaldo, classificar D.
Dolores como uma mãe incapaz, ou embirrar com o sadomasoquismo. Só que Ronaldo
e D. Dolores têm mais que fazer e os sadomasoquistas estão deficientemente
organizados.
Vai daí, ficámos limitados às queixas do costume: os muito
compreensíveis protestos públicos contra as declarações homofóbicas do senhor e
os muito pouco compreensíveis gestos para o calar através de acções
disciplinares. Parece que duas médicas (pelo menos) já requereram a intervenção
da Ordem, exigindo um processo contra Gentil Martins. Subitamente, a coisa está
a ficar bastante parecida com um caso de Novembro do ano passado, envolvendo a
psicóloga Maria José Vilaça. Lembram-se? Vilaça começou por comparar a
homossexualidade à toxicodependência, dizendo que se tivesse um filho homossexual
iria amá-lo, mas que não era uma coisa natural. Eu argumentei na altura que a
senhora deveria ter a liberdade de defender publicamente aquilo em que a sua fé
católica lhe mandava acreditar. Contudo, logo a seguir surgiu na net um vídeo
antigo onde Vilaça se propunha “curar” homossexuais no seu consultório. Quando
esse vídeo apareceu, muita gente argumentou que uma psicóloga não pode propor a
cura de homossexuais, porque a homossexualidade não é uma doença. Esse é um
argumento que faz todo o sentido: Vilaça deveria ser investigada não por ter
aquela opinião, mas por estar a impingi-la na sua prática clínica.
Comentário de Elord
Sigo 19.07.2017
Uma verdadeira palermice
foi o que acabei de ler, e eu até costumo gostar dos seus artigos. Então este
homem como tem 87 anos não tem credibilidade? Não se deve dar importância ao
que diz, e deve ser desvalorizado? Mas que valores são estes que andamos a pregar
afinal? É isto que queremos ensinar aos nossos filhos? Olhem, meus caros, o
Dr.Gentil Martins para além de Médico cirurgião plástico, é um senhor de uma
extrema cultura em vários âmbitos. O que vocês fazem, não é defender a
homossexualidade, é tomar uma posição política perante a homossexualidade, nada
tem de científico, e é a posição que qualquer ignorante toma por facilidade,
pois. Eu subscrevo totalmente as afirmações de Gentil Martins, palavras fortes,
mas de alguém que sabe, que leu, estudou, viu, enfim, que viveu, e vive.
II Texto: Fernando Assis Pacheco,
António Gentil Martins e a porcaria dos novos inquisidores
No último sábado li Walt, a noveleta do
Fernando Assis Pacheco publicada em 1978. Nela são recorrentes expressões
utilizadas pelo narrador-alferes -- um alter ego do próprio FAP --,
como paneleirices ou fufas. Estou em crer que
tivesse o FAP meditado escrever algo semelhante por este ano de 2017, se
autosupliciaria, se autocensuraria, pois, ao usar, num registo realista,
palavras do nosso léxico como paneleirice ou fufa, pensaria
três ou quatro vezes se estaria na disposição de aturar o fogo de artilharia
pesada dos censores do costume, mais os patetas acoplados. E, extremamente
fodido, provavelmente renunciaria a.
Parece que no último sábado o Expresso publicou
uma entrevista a António Gentil Martins, cujos ecos só agora me chegaram.
Tenho um familiar próximo cuja vida, ainda com meses, foi salva por ele. E
assim com milhares de crianças. Não é por isso que deixarei de estar
distante do médico, desde logo a começar pela religião. Deus sabe o quão ateu
sou. Nasce-se homossexual, não se escolhe sê-lo. (Quem disser o
contrário, não passa dum aldrabão.) Estando fora da norma, não deixa de
ser um fenómeno natural (e não contranatura, como defendem os seus
perseguidores) e, por isso, deve ser encarada com naturalidade nas sociedades
civilizadas e evoluídas.
Ora, este senhor de 87 anos terá tido uma expressão
bastante infeliz, qualquer coisa como "sou completamente contra os
homossexuais". Talvez tivesse querido dizer que era contra a
promoção da homossexualidade, e, aí, estaria bastante melhor, do meu ponto de
vista.
Recuo um sábado: estava em Évora, entro numa tabacaria
para comprar o jornal e dou de caras com a capa duma revista com o nome
duma parola que esganiça por essas bardatelevisões além, dois marmanjos em
ósculo envolvente - o triunfo do kitsch em todo o seu horror. O
cúmulo da miséria moral é que certamente não existe, em quem empreende a folha
de couve, a mínima intenção cívica e pedagógica de promoção da tolerância, mas
tão-só o propósito de arrebanhar mais uns cobres. O mercenarismo de mãos dadas
com o merceeirismo.
Mas isto é a minha sensibilidade,
o meu gosto, a minha educação, a minha mundividência essencialmente
conservadores e tradicionais a falar. Nunca me passaria pela
cabeça escrever sobre o assunto, por duas razões: a homossexualidade
pertence à esfera íntima de cada um; a exteriorização feérica dela, embora seja
um dos avatares do mau gosto em que estamos imersos, não é suficientemente
importante para que me dê ao trabalho. Há coisas muito mais sérias, graves
e urgentes. Faço-o agora, só para dizer -- porque me apetece e por ser
conflituoso --, que a homossexualidade, enquanto desvio do padrão, enquanto
prática minoritária, está, objectivamente, fora da norma, é portanto, nesse
sentido, uma anomalia -- como o ser-se albino ou, dizem, ter os olhos
azuis.
É provável que Gentil Martins não
esteja a ser apenas um técnico -- altamente qualificado, sublinhe-se,
daqueles que são (deveriam ser) orgulho de uma comunidade --, e a sua
afirmação esteja contaminada pelo vírus religioso. É uma maçada, mas
é a sua opinião, não só legítima, como expressa no seio de uma sociedade
liberal, incompatível, pois com atitudes de bufo, de reles denunciantes
que foram apresentar queixa à Ordem dos Médicos, que por sua vez vai abrir um
inquérito ou palhaçada semelhante.
Gentil Martins esteve também mal ao pessoalizar a
questão das barrigas de aluguer. Podia referir-se-lhe sem trazer à colação o
Cristiano Ronaldo, e da forma como o fez. Nunca me debrucei sobre o assunto,
não tenho grande opinião, salvo uma rejeição instintiva, embora possa estar
aberto a aceitar a prática em situações extremas, com as quais,
felizmente, nunca fui confrontado. Mas há uma coisa que eu sei: uma
criança não é uma coisa que se compre como quem vai à loja dos animais à
procura dum bicho de estimação.
Tudo isto é controverso, e é
natural que assim seja. O que não pode ser tolerado é a perseguição, fanática e
pidesca, a quem exprime as suas opiniões,
conservadoras, tradicionalistas e confessionais -- e com todo o direito a
fazê-lo.
PUBLICADA POR RICARDO ANTÓNIO ALVES
Nenhum comentário:
Postar um comentário