terça-feira, 11 de julho de 2017

Grande Celeste


A nossa prima Celeste baixou ao hospital de Viseu, há cerca de dez dias, ligada a máquinas e a soro que, felizmente, a fizeram recuperar e não tarda que regresse à sua casa de Pinheiro de Lafões, onde vive com a irmã Amarílis – Lilita, para ela - e o cunhado, os quais, possuindo casa em Oliveira de Frades, vieram viver com a irmã, a requerer a companhia e os cuidados da amizade para com aquela a quem os filhos da Amarílis tratam por Madrinha ou Mãe Celeste. Era a casa de Pinheiro, onde sempre gostei de ir, donde se avistam as serras do lado de lá do rio Vouga e da zona de Sejães – S. Macário, Gralheira - transformada agora, Sejães, por barragem e ponte e estradas, onde dantes chegámos a ir piquenicar com as crianças. Pinheiro do cheiro diferente num ar diferente, assim que se muda da autoestrada nacional A 1 para a A 25, autoestrada que serve o distrito de Viseu, e aonde chega ainda o aroma das urzes e giestas e eucaliptos, no ar mais lavado e fresco do interior.
A Celeste adoeceu, pois, e a Amarílis tem sido incansável a acompanhá-la no hospital, e a rezar aos seus santos pela irmã, mas ela própria esgotada com as suas próprias fragilidades de saúde a precisar de descanso. Mas a Celeste vai voltar, e eu recordo mais uma vez a nossa prima grande, que dormia em Pinheiro na cama grande connosco, no meio de ambas, a minha irmã e eu - (a minha mãe ao lado, na cama pequena) - embaladas pela sua voz sonolenta a contar da história da Branca-Flor, fugindo no cavalo, com o bem-amado, duma mãe bruxa que conseguia enganar com o cuspo do travesseiro, o qual ia respondendo enquanto não secava: «- Branca-Flor!» / «- Minha mãe durma e descanse!», provocando, ao secar, as peripécias seguintes da mãe iradamente perseguidora, incorrigível nas suas preocupações maternas e artimanhas criadoras de lagos inultrapassáveis e de bosques emaranhados – mas que o poder do amor do cavaleiro naturalmente conseguia transpor, com a ajuda do cavalo. Era no tempo da guerra, o meu pai em África, nós em Pinheiro, com receio dos submarinos alemães na travessia atlântica, e por isso ficámos em Pinheiro durante a guerra, onde a Celeste frequentou a escola, enquanto não houve escola em Reigoso, mais perto do Carregal, terra dos nossos avós, onde ela nasceu, e onde nasceu a minha mãe, sua madrinha. E na nossa casa de Pinheiro, também lembro a minha mãe passeando de noite a bebé Amarílis, que chorava de grave doença que o Dr. Morgado de Oliveira de Frades diagnosticou, após uma ida oportuna da minha mãe ao Carregal, donde levou a bebé a Oliveira, a pé para o Carregal e do Carregal a Pinheiro, como então se andava, de comboio, de Pinheiro a Oliveira, terras já de civilização, servidas pela Linha do Vale do Vouga, de tão belas recordações paisagísticas.
E a Celeste um dia casou, e passou pela nossa casa, em África, e mais tarde teve a sua própria casa, onde gostávamos de ir, mais bonita do que a nossa, e, finalmente, a da Beira, até ao 25 de Abril da nossa debandada. Não teve filhos, a Celeste, mas foi mãe de muitos filhos, as irmãs e os sobrinhos, que ajudou a ir para África e sempre acarinhou e protegeu. Mas foi a Lilita a sua companheira de sempre, e os filhos desta os seus próprios filhos.

A grande Celeste! Foi sempre assim que a vi, na sua voz doce de menina, não me lembro dela hospitalizada. Por isso apanhámos um grande susto, que já passou, felizmente. A grande Celeste vai voltar, para a sua casa de Pinheiro, sob a protecção da meiga Lilita. Iremos vê-la, como fomos há dois anos, como costumávamos ir, no tempo da minha mãe, e era sempre bom, a Celeste estava ali, sempre doce e carinhosa, já no tempo do Camilo, o seu marido. Tudo será diferente, tudo será mais frágil, mas a minha irmã guia bem. Iremos ver a nossa Celeste, levar-lhe a lembrança do outrora, embora danificado pelas usuras do tempo, que não apaga, felizmente, a recordação nem a amizade, embora cause o impacto da estranheza, pela mudança física. 

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