sexta-feira, 7 de julho de 2017

Como uma cana rachada


E enquanto lá fora se lançam mísseis provocatórios a merecer resposta, mas esta a exigir ponderação, tão graves serão as suas consequências, caso se entre na brincadeira pateta de um governante infantil ou idiota, a nossa música é outra, de um atordoamento constante, bem tratado por João Miguel Tavares, aprumado e triste em António Barreto, como já em tantos outros articulistas se viu e continuará a ver, que as questões do incêndio de Pedrógão e das armas de Tancos não morrem tão cedo, e oxalá não venha a provar-se o seu contributo no terrorismo ocasional dos focos europeus que de vez em quando se atiçam.
São mais dois bons textos, que colho com gosto, seguidos de uma foto invisível, com o comentário bem pertinente e sensível de António Barreto.

OPINIÃO
O suicídio de Passos e a felicidade do PS
Os verdadeiros líderes conhecem-se nas horas más. Passos já provou estar à altura. Costa ainda não.
João Miguel Tavares
Público, 29 de Junho de 2017,

Para que não restem dúvidas: a referência aos suicídios em Pedrógão Grande por parte de Pedro Passos Coelho é inadmissível quer tivessem existido ou não. Como João Pedro Henriques escreveu no DN: “Passos pediu desculpa por ter usado informação falsa. Não percebe que não podia ter usado, mesmo se verdadeira.” É exactamente isso. Embora existam relatórios oficiais a estabelecer nexos de causalidade entre suicídios e causas externas – ainda no ano passado o Observatório Português dos Sistemas de Saúde assinalou a coincidência do aumento de suicídios com o período de crise 2008-2012 –, a verdade é que não se pode nunca falar do tema com ligeireza, e muito menos de improviso.
Ora, chega a ser desesperante a forma como os constantes improvisos de Passos Coelho diante das câmaras de televisão destroem a principal mensagem que quer fazer passar. É como se ele próprio estivesse tomado por um instinto politicamente suicidário que o leva a entregar corda, pescoço e patíbulo nas mãos da oposição. Eu recordo-me de ter escrito, em Agosto do ano passado, um texto chamado “Ó Passos, escreve os discursos!”, após mais uma intervenção desastrada na festa do Pontal. Infelizmente, o homem parece não aprender com os erros, e é verdadeiramente lastimável o desgaste provocado por estas intervenções absurdas. Aqueles, como eu, que reconhecem a importância do seu papel nos últimos anos, arrancam os cabelos perante tantas manifestações de amadorismo.
Independentemente da questão económica e da forma como o Governo aplicou o memorando da troika, Pedro Passos Coelho tem três méritos enormes, que só não lhe são reconhecidos por quem não tem olhos na cara: 1) libertou a Justiça portuguesa do jugo socrático, deixando-a novamente livre para investigar; 2) despartidarizou a RTP e não interferiu nos jornais e nas televisões, sobretudo depois de Relvas ter sido corrido do Governo; 3) não socorreu Ricardo Salgado, deixando cair o BES com estrondo. Este triplo legado, que vai muito para além das políticas económicas que decidiu adoptar, chega e sobra para o país ter uma enorme dívida de gratidão para com ele. Acredito que a História lhe fará justiça. Mas desconfio que a casmurrice que o leva a não atender os telefonemas de Salgado é a mesma casmurrice que o leva a não escrever os discursos e as intervenções públicas.
E, no entanto, tão obsceno quanto a gafe de Passos Coelho foi a reacção da esquerda à sua gafe. A felicidade que se viu por essas redes sociais, e nas primeiras declarações de Ana Catarina Mendes, demonstra um desejo muito mal escondido de transformar a asneira do suicídio num Diabo Parte II. O Governo e o PS andam há ano e meio a viver à custa de Passos – tanto do brutal ajustamento que permitiu a folga para andar agora a aumentar salários, como das declarações de catástrofe que nunca chegaram a concretizar-se. Já vai sendo horas, diria eu, de o Governo e o PS começarem a pedalar sem rodinhas, e a assumir as consequências das suas acções – e das suas inacções. Convém que ninguém se confunda: não é a oposição que tem de justificar-se por aquilo que aconteceu em Pedrógão Grande. Esse é um teste – decisivo – para António Costa. Portugal inteiro já percebeu que ele é óptimo a dar boas notícias. Falta-nos ainda saber de que têmpera é feito quando tem de lidar com a maior tragédia que Portugal conheceu em 44 anos de democracia. Os verdadeiros líderes conhecem-se nas horas más. Passos já provou estar à altura. Costa ainda não.

Rescaldo
DN, 2/7!7
António Barreto
Falhou quase tudo: os serviços de previsão, prevenção e protecção, a coordenação geral das operações e os sistemas de comunicação. Como parece estarem agora a falhar o apuramento de responsabilidades e a detecção de erros.
Com a preocupação de conhecer o seu grau de popularidade, logo após as duas semanas de incêndios, o governo (ou o PS) encomendou um estudo dito de focus group. Este gesto resume, no essencial, a noção que o governo tem da opinião dos cidadãos e dos deveres a que está obrigado.
Depois de uma sessão parlamentar durante a qual, para não chocar a opinião, os partidos entenderam ser cordatos, logo no dia seguinte os deputados e os ministros desancaram-se sem estribeiras nem educação.
A desgraçada floresta portuguesa continua a receber tratos de polé! Após três ou quatro décadas de atraso, a legislação da sua reforma vai agora ser aprovada à pressa, para mostrar trabalho feito. É triste ver como o desastre leva à asneira. E vice-versa. Sucedem-se as revelações a propósito das responsabilidades governamentais na assinatura do contrato de parceria público-privada com o SIRESP. Crescem as dúvidas, tanto por causa do parecer do Tribunal de Contas como pelo facto, agora conhecido, de ter sido afastada a alternativa mais eficiente e mais barata, mas de que não faziam parte o BES, o BPN e a PT. Entretanto, uma comissão de avaliação do SIRESP é constituída por um organismo que inclui um accionista do SIRESP.
Cinco organismos públicos e um privado ao serviço do público, além das câmaras municipais e de vários grupos de bombeiros, têm ideias opostas sobre o que se passou e, pelas deficiências encontradas, atribuem responsabilidades a organismos diferentes. A falta de coordenação e de autoridade com que os operacionais, os consultores e os subcontratados reagiram nos momentos mais dramáticos prossegue agora nas operações de rescaldo e na determinação de responsabilidades.
Os bodes expiatórios abundam, cada um tem o seu. O SIRESP foi o culpado. A ministra deve demitir-se. A responsabilidade é do eucalipto. O eucalipto deve ser proibido. A culpa é dos proprietários privados. A responsabilidade pelas mortes é da GNR. A culpa é do Serviço de Prevenção. Já se percebeu que há muita gente a querer fugir à responsabilidade. Já se entendeu que a estratégia do governo é a da dissolução de responsabilidades.
Num caso como este, definir a causa e a culpa é uma das maiores dificuldades do processo de averiguação. A falta de previsão e a negligência são muito difíceis de determinar. Distinguir entre as causas imediatas e longínquas é complexo. Destrinçar responsabilidade, negligência, dolo, culpa, ineficiência, imprevidência e desleixo é muito complicado. Identificar as responsabilidades e as culpas, diferentes da incompetência, é tarefa delicada. Espera-se que nada disto seja motivo para atraso e manipulação. Espera-se que tudo isto seja razão para diligência e rigor.
Mais uma vez, o país mostrou a sua persistente fragilidade. Inundações, incêndios, seca, chuva e temporal, se ultrapassam as normas e as rotinas, logo se transformam em desastre. Num país tão sequioso de sucesso e êxito, de vitórias e glória, é difícil encontrar a mesma atenção para o que é sério, a segurança dos cidadãos. Entretanto, esperam-se respostas rápidas, prontas e generosas. Indemnizações magnânimas para muitas vítimas e respectivas famílias. Apoios aos feridos e doentes, assim como aos que ficaram sem ajuda familiar. Justos subsídios aos que precisam urgentemente de reconstruir as suas casas. Subvenções aos que ficaram sem instalações agrícolas, celeiros, adegas, animais e tractores.
Como é hábito e está nas melhores tradições nacionais, é possível que, relativamente às responsabilidades e às culpas, nada venha a averiguar-se. Mas, ao menos, que sejam cuidadas as pessoas e as vítimas. E que, no futuro imediato, se trate, sem corrupção e sem PPP, dos sapadores, dos bombeiros, dos aviões, dos helicópteros e das telecomunicações.
Alguém disse: "Quem não conhece a história, fica condenado a vê-la repetir-se."


As minhas fotografias

Eira em Tourém, com trabalhadores e debulhadora Tourém fica no concelho de Montalegre, a norte da serra do Gerês, numa pequena parte do território português que parece entrar por Espanha adentro. A freguesia terá cerca de 150 habitantes. O cereal desta imagem de 1980 é o centeio. Nessa altura, aquela vetusta máquina era seguramente um sinal de modernidade. Era assim que se fazia agricultura há 40 anos. Ainda haverá sítios onde as coisas não são muito diferentes. Mas, na maior parte, já nada é assim. A demografia, a emigração, o envelhecimento, o supermercado, o turismo, as máquinas e talvez os incêndios alteraram tudo. É curioso verificar como, naquele tempo, no mundo rural, numa sociedade ainda tão atrasada e patriarcal, homens e mulheres, trabalhavam juntos.


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