E enquanto lá fora se lançam mísseis provocatórios a merecer
resposta, mas esta a exigir ponderação, tão graves serão as suas consequências,
caso se entre na brincadeira pateta de um governante infantil ou idiota, a
nossa música é outra, de um atordoamento constante, bem tratado por João Miguel
Tavares, aprumado e triste em António Barreto, como já em tantos outros
articulistas se viu e continuará a ver, que as questões do incêndio de Pedrógão
e das armas de Tancos não morrem tão cedo, e oxalá não venha a provar-se o seu
contributo no terrorismo ocasional dos focos europeus que de vez em quando se
atiçam.
São mais dois bons textos, que colho com gosto, seguidos de uma
foto invisível, com o comentário bem pertinente e sensível de António Barreto.
OPINIÃO
O suicídio de Passos e a
felicidade do PS
Os verdadeiros
líderes conhecem-se nas horas más. Passos já provou estar à altura. Costa ainda
não.
João Miguel Tavares
Público, 29 de Junho de
2017,
Para que não
restem dúvidas: a referência aos suicídios em Pedrógão Grande por parte de
Pedro Passos Coelho é inadmissível quer tivessem existido ou não. Como João
Pedro Henriques escreveu no DN:
“Passos pediu desculpa por ter usado informação falsa. Não percebe que não
podia ter usado, mesmo se verdadeira.” É exactamente isso. Embora existam
relatórios oficiais a estabelecer nexos de causalidade entre suicídios e causas
externas – ainda no ano passado o Observatório Português dos Sistemas de Saúde
assinalou a coincidência do aumento de suicídios com o período de crise
2008-2012 –, a verdade é que não se pode nunca falar do tema com ligeireza,
e muito menos de improviso.
Ora, chega a ser
desesperante a forma como os constantes improvisos de Passos Coelho diante das
câmaras de televisão destroem a principal mensagem que quer fazer passar. É
como se ele próprio estivesse tomado por um instinto politicamente suicidário
que o leva a entregar corda, pescoço e patíbulo nas mãos da oposição. Eu
recordo-me de ter escrito, em Agosto do ano passado, um texto chamado “Ó Passos, escreve os
discursos!”, após mais uma intervenção
desastrada na festa do Pontal. Infelizmente, o homem parece não aprender com os
erros, e é verdadeiramente lastimável o desgaste provocado por estas intervenções
absurdas. Aqueles, como eu, que reconhecem a importância do seu papel nos
últimos anos, arrancam os cabelos perante tantas manifestações de amadorismo.
Independentemente
da questão económica e da forma como o Governo aplicou o memorando da troika, Pedro Passos Coelho tem três
méritos enormes, que só não lhe são reconhecidos por quem não tem olhos na cara:
1) libertou a Justiça portuguesa do jugo socrático, deixando-a novamente livre
para investigar; 2) despartidarizou a RTP e não interferiu nos jornais e nas
televisões, sobretudo depois de Relvas ter sido corrido do Governo; 3) não
socorreu Ricardo Salgado, deixando cair o BES com estrondo. Este triplo
legado, que vai muito para além das políticas económicas que decidiu adoptar,
chega e sobra para o país ter uma enorme dívida de gratidão para com ele.
Acredito que a História lhe fará justiça. Mas desconfio que a casmurrice que o
leva a não atender os telefonemas de Salgado é a mesma casmurrice que o leva a
não escrever os discursos e as intervenções públicas.
E, no entanto,
tão obsceno quanto a gafe de Passos Coelho foi a reacção da esquerda à sua
gafe. A felicidade que se viu por essas redes sociais, e nas primeiras
declarações de Ana Catarina Mendes, demonstra um desejo muito mal escondido de
transformar a asneira do suicídio num Diabo Parte II. O Governo e o PS andam
há ano e meio a viver à custa de Passos – tanto do brutal ajustamento que
permitiu a folga para andar agora a aumentar salários, como das declarações de
catástrofe que nunca chegaram a concretizar-se. Já vai sendo horas, diria
eu, de o Governo e o PS começarem a pedalar sem rodinhas, e a assumir as
consequências das suas acções – e das suas inacções. Convém que ninguém se
confunda: não é a oposição que tem de justificar-se por aquilo que aconteceu em
Pedrógão Grande. Esse é um teste – decisivo – para António Costa. Portugal
inteiro já percebeu que ele é óptimo a dar boas notícias. Falta-nos ainda saber
de que têmpera é feito quando tem de lidar com a maior tragédia que Portugal
conheceu em 44 anos de democracia. Os verdadeiros líderes conhecem-se nas horas
más. Passos já provou estar à altura. Costa ainda não.
Rescaldo
DN, 2/7!7
António Barreto
Falhou quase tudo: os
serviços de previsão, prevenção e protecção, a coordenação geral das operações
e os sistemas de comunicação. Como parece estarem agora a falhar o apuramento
de responsabilidades e a detecção de erros.
Com a preocupação de
conhecer o seu grau de popularidade, logo após as duas semanas de incêndios, o
governo (ou o PS) encomendou um estudo dito de focus group. Este gesto resume,
no essencial, a noção que o governo tem da opinião dos cidadãos e dos deveres a
que está obrigado.
Depois de uma sessão
parlamentar durante a qual, para não chocar a opinião, os partidos entenderam
ser cordatos, logo no dia seguinte os deputados e os ministros desancaram-se
sem estribeiras nem educação.
A desgraçada floresta
portuguesa continua a receber tratos de polé! Após três ou quatro décadas de
atraso, a legislação da sua reforma vai agora ser aprovada à pressa, para
mostrar trabalho feito. É triste ver como o desastre leva à asneira. E
vice-versa. Sucedem-se as revelações a propósito das responsabilidades
governamentais na assinatura do contrato de parceria público-privada com o
SIRESP. Crescem as dúvidas, tanto por causa do parecer do Tribunal de Contas
como pelo facto, agora conhecido, de ter sido afastada a alternativa mais
eficiente e mais barata, mas de que não faziam parte o BES, o BPN e a PT.
Entretanto, uma comissão de avaliação do SIRESP é constituída por um organismo
que inclui um accionista do SIRESP.
Cinco organismos públicos e
um privado ao serviço do público, além das câmaras municipais e de vários
grupos de bombeiros, têm ideias opostas sobre o que se passou e, pelas
deficiências encontradas, atribuem responsabilidades a organismos diferentes. A
falta de coordenação e de autoridade com que os operacionais, os consultores e
os subcontratados reagiram nos momentos mais dramáticos prossegue agora nas
operações de rescaldo e na determinação de responsabilidades.
Os bodes expiatórios
abundam, cada um tem o seu. O SIRESP foi o culpado. A ministra deve demitir-se.
A responsabilidade é do eucalipto. O eucalipto deve ser proibido. A culpa é dos
proprietários privados. A responsabilidade pelas mortes é da GNR. A culpa é do
Serviço de Prevenção. Já se percebeu que há muita gente a querer fugir à
responsabilidade. Já se entendeu que a estratégia do governo é a da dissolução
de responsabilidades.
Num caso como este, definir
a causa e a culpa é uma das maiores dificuldades do processo de averiguação. A
falta de previsão e a negligência são muito difíceis de determinar. Distinguir
entre as causas imediatas e longínquas é complexo. Destrinçar responsabilidade,
negligência, dolo, culpa, ineficiência, imprevidência e desleixo é muito
complicado. Identificar as responsabilidades e as culpas, diferentes da
incompetência, é tarefa delicada. Espera-se que nada disto seja motivo para
atraso e manipulação. Espera-se que tudo isto seja razão para diligência e
rigor.
Mais uma vez, o país
mostrou a sua persistente fragilidade. Inundações, incêndios, seca, chuva e
temporal, se ultrapassam as normas e as rotinas, logo se transformam em
desastre. Num país tão sequioso de sucesso e êxito, de vitórias e glória, é
difícil encontrar a mesma atenção para o que é sério, a segurança dos cidadãos.
Entretanto, esperam-se respostas rápidas, prontas e generosas. Indemnizações
magnânimas para muitas vítimas e respectivas famílias. Apoios aos feridos e
doentes, assim como aos que ficaram sem ajuda familiar. Justos subsídios aos
que precisam urgentemente de reconstruir as suas casas. Subvenções aos que
ficaram sem instalações agrícolas, celeiros, adegas, animais e tractores.
Como é hábito e está nas
melhores tradições nacionais, é possível que, relativamente às
responsabilidades e às culpas, nada venha a averiguar-se. Mas, ao menos, que
sejam cuidadas as pessoas e as vítimas. E que, no futuro imediato, se trate,
sem corrupção e sem PPP, dos sapadores, dos bombeiros, dos aviões, dos helicópteros
e das telecomunicações.
Alguém disse: "Quem
não conhece a história, fica condenado a vê-la repetir-se."
As
minhas fotografias
Eira em Tourém, com
trabalhadores e debulhadora Tourém fica no concelho de Montalegre, a norte da
serra do Gerês, numa pequena parte do território português que parece entrar
por Espanha adentro. A freguesia terá cerca de 150 habitantes. O cereal desta
imagem de 1980 é o centeio. Nessa altura, aquela vetusta máquina era
seguramente um sinal de modernidade. Era assim que se fazia agricultura há 40
anos. Ainda haverá sítios onde as coisas não são muito diferentes. Mas, na
maior parte, já nada é assim. A demografia, a emigração, o envelhecimento, o
supermercado, o turismo, as máquinas e talvez os incêndios alteraram tudo. É
curioso verificar como, naquele tempo, no mundo rural, numa sociedade ainda tão
atrasada e patriarcal, homens e mulheres, trabalhavam juntos.
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