domingo, 16 de julho de 2017

O erro foi da estrada


Um artigo que nos deprime, o de Alberto Gonçalves. Pela virulência do seu ataque, com certeza, mas pela justeza de observação que, impaciente pela inoperância das suas críticas, tantas vezes bafejadas por sarcasmos e ironias demolidoras, aparentemente desiste de tentar converter, escolhendo o riso do recuo perante o riso de avanço do governo e seus acólitos. Voltamos ao pesadelo dos totalitarismos manipulando as peças da sua jurisdição, descritos por Kafka, por Orwell, por Camus… Mas as observações que cita A.G. dos que disseram coisas justificativas do incêndio ou das armas são de tal ordem estapafúrdias de irracionalidade lorpa que até é de mau gosto tentar encaixá-los nos escritos daqueles, a parceria mais justa sendo, antes, de equiparação com os quadros governativos dos novéis países que criámos quando os entregámos.
Também António Barreto se entristece e se alarga em explicações, no “Portugal a entristecer”, de que se salvam as suas fotografias e os respectivos comentários para animar as hostes.  

PS
Rir é o único remédio
Alberto Gonçalves aos respectivos chefes.
OBSERVADOR, 15/7/2017
Embora sem descurar a habitual concentração de intrujices, descaramento e prepotência, existem sinais nítidos de que o PS decidiu deixar-se de meias medidas e começar a gozar abertamente com o pagode.
As frases que se seguem são recentes, aleatórias e reveladoras. Primeiro, surgiu a Paris Hilton indígena, Pedro Silva Pereira, a explicar os mortos de Pedrógão Grande com as falhas na concepção rodoviária: “Se a estrada não existisse, as pessoas também não teriam morrido ali naquela estrada”. Depois, veio o ministro da Defesa desvalorizar o assalto de Tancos mediante informações alusivas ao “ranking” continental da incompetência (e a assumir posição destacada no “ranking” ocidental da falta de vergonha): “Não foi a maior quebra de segurança deste século em toda a União Europeia”. De súbito, apareceu o demissionário secretário de Estado dos Assuntos Fiscais a jurar ser vulgaríssimo aceitar presentes de uma empresa que recusa pagar 100 milhões em impostos: “Não cometi um acto ilícito”. Por fim, entrou o primeiro-ministro, que retomou o episódio das armas para garantir que, afinal, o exército português não se deixou roubar por gangues organizados ou grupos terroristas, mas por uma junta de palermas que não distingue um perigoso arsenal de um armário de pechisbeques: “Este acontecimento não (terá) qualquer impacto no risco da segurança interna e designadamente associação a qualquer tipo de atividade terrorista nacional ou internacional”.
Tudo somado, eis um facto novo. Embora sem descurar a habitual concentração de intrujices, descaramento, inépcia e prepotência, existem sinais nítidos de que o PS decidiu deixar-se de meias medidas e começar a gozar abertamente com o pagode, perdão, a população que o sustenta. Não admira que, no deprimente Estado da Nação, o dr. Costa trocasse o esgar satisfeito que o costuma acompanhar pelas gargalhadas próprias dos impunes. Os socialistas não riem com os portugueses: riem deles. E quem diz os socialistas diz os respectivos parceiros de aliança, fora as clientelas felizes, os avençados do “comentário” e a excelência que habita Belém.
É natural. Já Orwell falava no riso cruel dos ditadores. E um inglês muito antigo atribuía-lhes o “riso artificial”, uma “mistura de hipocrisia, maldade e prazer bárbaro”. Sempre que escorrega para o autoritarismo, ou que deriva do dito, o poder raramente evita a troça alarve. Há anos, por acaso ou delírio, ocupei um serão na companhia da televisão pública de Caracas. Acima da propaganda e da manipulação, o que saltava à vista era o vasto gozo dos indivíduos que mandavam a expensas dos indivíduos que oprimiam. Num “debate”, dois “chavistas” e o “moderador” entretinham-se a escarnecer dos representantes da oposição (evidentemente ausentes) – não porque estes não tivessem razão, mas porque não tinham voz. Por mim, nunca vira em directo tamanha exibição de desumanidade. E não penso que a natureza dos “chavistas” de cá, estimulada por sondagens e a geral irresponsabilidade do sistema, seja essencialmente distinta.
Perante isto, é fácil desanimar, ceder à amargura ou sonhar com sublevações violentas. É melhor manter a calma. É melhor constatar que, apesar de a oligarquia que nos desabou em cima ser sinistra, mentirosa e repulsiva, é, antes de mais, ridícula. É melhor rir dessa gente com os pretextos genuínos que essa gente não possui quando se ri de nós. Na legislatura anterior, que ainda conservava vestígios civilizacionais, a praxe consistia em sabotar cada intervenção governamental com interpretações zangadas da “Grândola”. Nada impede, por enquanto, de se desmontar através da pura galhofa os rústicos que por aí passeiam arrogância. Até por questões de higiene, não é necessário fazê-lo na cara dos rústicos: podemos rir do dialecto do dr. Costa e das figuras dos seus serviçais a partir do sofá da sala. O fundamental é não esquecer o potencial anedótico das criaturas e situações em causa, sob pena de acabarmos com uma úlcera. E não lembrar que, de uma maneira ou de outra, o país acabará com coisa pior.
Notas de rodapé:
1. Não sei bem o que é a Altice e, francamente, não quero saber. Basta-me a noção de que é uma empresa de comunicações, comprou a TVI e está a irritar imenso o poder e seus acólitos. Quando, num momento boçal sem grandes precedentes na História Universal da Boçalidade, o dr. Costa aproveita o debate do Estado da Nação para culpar a Altice pelas falhas de comunicação nos incêndios e afirmar que usa a “rede” de uma concorrente, percebe-se o medo desta gente em perder um fiel veículo de propaganda. E percebe-se a espécie a que pertence o dr. Costa. E percebe-se a que fosso desceu a nação.
2. Os avisos do metropolitano de Londres vão deixar de ser precedidos pela saudação “Ladies and gentlemen”. A frase, que não respeitava a “neutralidade de género”, será substituída por “Hello, everybody”, que é fresca, inclusiva e não ofende ninguém. O “mayor” local, já conhecido por adorar proibições, apoia a mudança. Os “media”, conhecidos por acarinharem a infantilidade, julgam-na natural. E os “activistas” LGBTQQIAAP (juro), conhecidos pela devoção ao controlo social, explicam-na: “A linguagem é muito importante para a nossa comunidade”. No último século, diversas “comunidades” acharam o mesmo, mas nenhuma deixou saudades. Hello, everybody: o “politicamente correcto” ficou sem travões.

Comentário de José Ramos
"Sinistra, mentirosa e repulsiva" e "antes de mais, ridícula" é a exacta definição deste governo de (mau) vaudeville. 
É igualmente sinistro, repulsivo, com ressaibos de algo tentacular e fétido, a boa "imprensa" e a boa "opinião" que esta quadrilha venal e lorpa tem tido, para não falar em gente - alguma que conheci há séculos - que antes clamava pela "liberdade", mesmo pelo "libertarianismo", e que agora rasteja com o afinco de uma velha jibóia com décadas de prática, bajula "Suas Excelências" e emporcalha de baba o capim por onde, confortável e gorda, se arrasta.
Eça sabia-o e disse-o, Alberto também o sabe: "O riso é a mais antiga e mais terrível forma de crítica" - mas ele há alturas em que um bom cacete faz muita falta...

Habilidades
António Barreto
DN, 16/7/17
Os dicionários são de grande utilidade. Habilidoso, por exemplo, tem vários significados no dicionário da Academia das Ciências. "Que tem destreza para executar determinada tarefa com perfeição; que tem habilidade". Ou ainda "Que age de modo adequado, com perícia...". Ou finalmente "Que se quer fazer passar por bom; que usa de manhas para que o julguem capaz". Estamos entendidos. A precisão na língua ajuda a compreender.
A remodelação feita nesta semana tem razões misteriosas, mas foi conduzida com habilidade. É verdade que não precisamos de saber tudo. A ideia de que tudo deve ser transparente é ridícula. Para muitas decisões, exige-se discrição. Mas é claro que, quando não se sabe o necessário sobre um qualquer acto público, ficamos autorizados a toda a especulação, desejável ou não, a fim de perceber. Esta remodelação, que não é remodelação, ficará connosco como um gesto que suscita legítima desconfiança e revela falta de qualidades do primeiro-ministro. E quem quer recato paga depois a factura.
Esta estranha remodelação tem como ponto de partida uma história banal de bilhetes de avião charter e de um camarote num jogo de futebol. Consta que o voo era de ida e volta no mesmo dia. E que incluía uma sanduíche embalada e uma gasosa. Parece mentira mas é verdade. Ou antes, será parte da verdade. Horas depois de o "caso" ser conhecido, são tornadas públicas as decisões judiciais de arguição daqueles VIP de futebol. E dias depois, apareceram as medidas fiscais sobre a reavaliação de activos e os benefícios de várias centenas de milhões de euros que algumas empresas, entre as quais a GALP e a EDP, vão receber do Estado. Falta saber por onde andava a PT. Uma dessas empresas, pelo menos, também gosta de futebol.
A história recente destes grupos, GALP, EDP e PT, trindade à qual se deve acrescentar o grupo BES em todo o seu esplendor, assessorado pelo BPN e pela CGD, será contada, um dia, com pormenores dignos de obra romanesca, operática ou de cordel. Mas seguramente triste. Para essa história, sabemos que contribuíram, primeiro, o governo de José Sócrates e António Costa, depois o de Passos Coelho e Paulo Portas e finalmente o de António Costa.
Enquanto António Costa se exercitava em golpes de habilidade junto dos seus parceiros e dentro do seu partido, ou em truques retóricos diante dos adversários no Parlamento, tudo parecia correr bem, no melhor dos mundos, com sorte e carisma. A ajuda preciosa do Presidente da República era um presente dos deuses. O crescimento económico da Europa e do turismo confirmavam o velho lugar-comum segundo o qual a fortuna sorri aos audazes. Só que, de repente, sem prevenir, o destino bateu à porta. Três ou quatro vezes, mais do que o carteiro. Nas florestas de Pedrógão, foi a calamidade. Nos paióis de Tancos, foi o desastre, a roçar a farsa, não fora a crise aberta nas Forças Armadas. A venalidade pateta de alguns secretários de Estado foi um entremez burlesco. A reavaliação de activos foi choque inesperado. A anunciada greve dos juízes é sinal de extrema gravidade. Em menos de um mês, revelou-se a imperícia de um governo e a fragilidade de uma solução política.
O ataque do primeiro-ministro ao grupo Altice barra PT barra Meo destina-se a lamber as feridas auto-infligidas. O ataque à PT barra SIRESP tem como objectivo retirar António Costa desta enorme embrulhada na qual estão metidos todos os governos desde os tempos de Sócrates e António Costa. A identificação da PT como culpada de parte dos desastres dos incêndios e da falta de prevenção navega no mesmo sentido. As perguntas feitas publicamente aos serviços envolvidos nos incêndios e na prevenção constituíram um golpe da mais sofisticada demagogia. A tentativa de atribuir as culpas ao governo anterior e aos serviços, aos organismos subalternos e aos bombeiros, aos polícias e aos guardas, é um esforço de dissolução de responsabilidades sem precedentes. Tanta habilidade só tem um problema: é que agora percebemos tudo.

Comentário de Rui Lima · 
Com certeza é o socialismo a funcionar : " E dias depois, apareceram as medidas fiscais sobre a reavaliação de activos e os benefícios de várias centenas de milhões de euros que algumas empresas, entre as quais a GALP e a EDP, vão receber do Estado. Falta saber por onde andava a PT. Uma dessas empresas, pelo menos, também gosta de futebol."

As Minhas Fotografias: DN, 16 de Julho de 2017
O rio Tejo, com barco, em dia de neblina, diante da Ribeira das Naus, em Lisboa
 - Quase toda a minha vida se passou em cidades com rios. O Douro. O Corgo e o Cabril. O Mondego. O Ródano. O Tejo. E novamente o Douro, sempre. Sem esquecer que as mais belas cidades da minha vida têm rio: Arno, Tibre, Sena, Tamisa, Neva, Forth, Amstel, Danúbio e Moldava. Quem fundou as cidades sabia o que estava a fazer. Há quarenta anos, quando cheguei a Lisboa, a história desta cidade com o seu rio era a de um acto falhado. Tinha passado, mas quase não tinha presente. Hoje, entre as pontes e as margens, as esplanadas e os passeios, os barcos e a vela, os cruzeiros e as praças à beira rio, algo se passa. Há romance. Ainda faltam muitas árvores e jardins, mas lá chegaremos.


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