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Um artigo moralista, natural
em quem se preocupa com o status quo e se aflige com um mundo de
desconcerto, resultante de ambições, egoísmos e más políticas governativas. Serve
para meditar, abrangente que é e profuso nos considerandos. Não resisti a
transcrever um comentário – de Gualter Cabral Cabral - que ele
mereceu, o qual, ao exemplificar, desce do domínio da abstracção para o do
concreto, facilitador do entendimento.
Também por cá se fala em «lei
da rolha», por certo outro bom exemplo de tirania subentendida
Tirania
António Barreto
DN, 23/7/17 –
SEM EMENDA
Onde nasce a tirania? Antiga
pergunta a que muitos tentaram dar resposta. Umas vezes com cultura e isenção,
outras com fanatismo e crença. Mas há décadas ou séculos que a pergunta se
repete e que as respostas se sucedem. Há poucos meses, mais um ensaio sobre
o tema foi publicado por Timothy Snyder. Recomenda-se. É quase um manual de
vida prática sobre o que fazer para evitar a tirania. Em tempos
difíceis, como os de hoje e dos últimos anos, a interrogação volta sempre.
Onde nasce a tirania? A pergunta
é actual. Não porque em Portugal o governo ou a oposição nos ameacem. Nem
porque haja sinais evidentes de que a besta espreite. Mas simplesmente porque é
sempre actual e porque no mundo, dos Estados Unidos à Rússia, passando pelo
Islão e pela Europa, há gente de sobra que a aprecie. A tirania é sempre do
Estado ou através do Estado. Difícil é saber onde começa.
Como se sabe e é verdade, a tirania pode nascer da família, da terra, do
capital e da espada. Mas também do voto, da assembleia, do sindicato e do
partido. Do poder dos fortes, dos deuses e dos sacerdotes. Mas também do poder
dos homens sobre as mulheres e dos mestres sobre os alunos. Do poder dos
brancos, dos pretos e dos amarelos sobre qualquer uma das outras cores e do
poder dos militares sobre os civis.
A tirania nasce de todos os poderes excessivos, mesmo legítimos, mesmo
legais e mesmo maioritários. Nasce quando o poder é de um grupo ou uma
entidade, um país, uma classe, uma igreja, um sindicato, uma etnia, uma
profissão ou um banco. Nasce
quando num país se recorre ao nacionalismo para afirmar a autonomia ou a
independência. Nasce quando o singular se sobrepõe ao plural e quando a
uniformidade leva a melhor sobre a diversidade. Nasce com o catecismo, o livro
de citações, a cartilha, o livro único e o manifesto. Nasce quando o grupo se
sobrepõe e domina o indivíduo ou quando este se submete e resigna.
A tirania nasce onde fraqueja a razão, o recurso, a liberdade e a oposição.
Surge onde faltam a liberdade do artista, a palavra do escritor e a livre
iniciativa. A tirania nasce na desigualdade de condição e na igualdade imposta.
Nasce da extrema pobreza e da extrema riqueza. Mais ainda do que na desigualdade, a tirania
nasce na injustiça.
A tirania nasce no rancor e no ressentimento dos derrotados a quem não é
dada uma segunda oportunidade. E ainda no medo dos que já tiveram qualquer
coisa e correm o risco de perder tudo. Mas também nasce na corrupção, na
promiscuidade e na condescendência com a desonestidade. Como nasce na
impunidade dos mais fortes e dos mais ricos, dos que têm mais votos ou mais
sócios.
Nasce da fraqueza da sociedade civil, isto é, na fraqueza dos empresários,
dos sindicatos, das associações, das igrejas e dos jornais. A tirania nasce no
desenraizamento, na desordem cívica e no caos institucional. Nasce onde não há
instituições, associações, igrejas e empresas ou onde todas estas dependem do
Estado ou do partido. Onde o produto é mais importante do que o produtor e o
consumo domina o consumidor.
Nasce quando o argumento é substituído pela proclamação. Quando o debate cede lugar ao insulto. Quando as
opiniões são recitadas. Quando a força do dinheiro, da arma ou do voto exige a
obediência.
Os inimigos da liberdade e as fontes da tirania estão longe e no exterior,
mas também perto e no interior, dentro da democracia. A tirania nasce nas
maiorias que não reconhecem as minorias, mas também nas minorias esclarecidas
que têm a certeza de ter ideias para os outros e para todos. Nasce da multidão,
tanto quanto da vanguarda.
A tirania nasce das ideias de perfeição, de pureza, de igualdade, de
virtude, de utopia, de salvação e do homem novo. Nasce nas revoluções e
alimenta-se do imprevisível.
A tirania nasce na ausência de justiça.
As minhas fotografias: O Terreiro do Paço, com
a estátua de D. José, o Cais das Colunas e o cacilheiro no rio Tejo
A praça existiu durante quase três séculos, até ser destruída pelo
terramoto. A versão que lhe sucedeu foi construída depois. O seu arquitecto
foi Eugénio dos Santos. A estátua equestre é de Machado de Castro e foi
fundida, em 1774, de um só jacto, o que, para aquelas dimensões, era raríssimo
na altura. O rei morreria três anos depois, o que ditou o imediato
afastamento do Marquês de Pombal, cujo poder exercia, durante mais de 25 anos,
quase sem contrapeso ou moderação. Ainda hoje, a personalidade e a política
deste "secretário de Estado do Reino", uma espécie de
primeiro-ministro, são controversas. Esta bonita praça, que os ingleses
chamaram, durante um século ou dois, "do Cavalo Preto", já teve comerciantes,
mercadores, marinheiros, ministros, soldados, mendigos, árvores e automóveis. Agora
tem turistas.
Quem
nos rouba nunca dá.
Numa
democracia os governos servem para cumprir a vontade dos cidadãos, pelo que é
desconcertante verificar, a miúde, pessoas e instituições a pedir isto e
aquilo. Em todos os "nossos governos
democráticos" verificamos que estes mais se empenham em ficar do que a
governar. Vêm-nos, depois com falinhas mansas, com
" o dever de votar", mas em contrapartida não há a possibilidade de
votar em pessoas com curriculos abertos (e nas listas deparamos com os sempre
eternos ilegíveis), os lugares para amigos e boys estão garantidos, as
mordomias à Lagardere continuam, assinam isto e aquilo - de interesse vital -
sem que para o mesmo sejam mandatados por referendo. Os
cidadãos não se insurgem por frouxidão, indolência, incúria e desconhecimento.
São os agentes passivos da tirania.
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