domingo, 23 de julho de 2017

Humor corrosivo, normativo. Exclusivo


Decididamente, corajosamente, inteligentemente, eloquentemente, de um extremismo que não se deixa manipular pelos falsos moralismos devotamente unilaterais de uma esquerda redentora. Espirituoso, sabedor dos meandros, q.b., Alberto Gonçalves.

Jogo da Glória: regras e regulamentos
OBSERVADOR, 2017
Na sua página do Facebook, um comentador lembra-lhe educadamente que, além de outras interessantes peculiaridades “culturais”, os ciganos também acham a homossexualidade uma “anomalia”. Recue uma casa.

3. Um médico qualquer considera a homossexualidade uma “anomalia”. Você assina uma petição a exigir o fuzilamento do sujeito e, posteriormente, a respectiva expulsão da Ordem. Não satisfeito, distribui por amigos, via e-mail, um texto alusivo de autoria da filha de Adriano Moreira. Avance três casas.
8. O texto da filha de Adriano Moreira contém inúmeros erros de português básico, a sugerir que, incrivelmente, ela escreve ainda pior do que o pai – e a convidar alguns dos seus amigos a usá-lo como pretexto de chacota. Recue duas casas.
17. Um candidato autárquico do PSD condena o apreço dos ciganos por subsídios. Você assina no Facebook umas linhas decisivas a chamar racista ao candidato, a Pedro Passos Coelho e a todos os eleitores do PSD que não se “demarquem”, com urgência, das pérfidas declarações. Jogue outra vez.
26. Na sua página do Facebook, um comentador lembra-lhe educadamente que, além de outras interessantes peculiaridades “culturais”, os ciganos também acham a homossexualidade uma “anomalia”. Recue uma casa.
33. Você bloqueia o comentador e explica que o seu “mural” não é um abrigo de fanáticos da extrema-direita. Avance duas casas.
38. Para não abalar as massas e as sondagens, a Protecção Civil proíbe os bombeiros de falarem dos incêndios, embora em prol da liberdade não os impeça de discutir futebol, bilhar de carambola ou artesanato turco. No seu blogue, você ri-se de todos os que notam a aproximação do regime aos métodos em vigor na Venezuela. Avance uma casa.
44. Inquirido a propósito, você não consegue explicar se se ri da comparação porque o governo português é bom e o venezuelano é mau, ou porque o português é mau e o venezuelano é bom. O facto de você admirar ambos é realmente susceptível de complicar a explicação. Recue até à casa 19.
51. Pedro Passos Coelho chama “lei da rolha” ao silêncio imposto aos bombeiros. O dr. Costa discorda e declara que “a informação devidamente organizada e estruturada é uma mais-valia para todos”, uma definição exacta da “lei da rolha” e um mandamento em vigor nos regimes que o dr. Costa venera lá no fundo, mas não muito no fundo. Munido de insultos sortidos, você invade páginas do Facebook de perigosos “neoliberais” a fim de os iluminar: a censura vigente não é – longe disso – censura. Prova? A sua inatacável opinião. Jogue três vezes.
57. O prof. Marcelo promulga a lei das quotas de género, a qual obriga as empresas a enfiarem pelo menos 33,3% de mulheres nos “quadros”, algumas delas tão brilhantes quanto os políticos (e políticas, atenção) que cozinharam isto. Você apoia a medida e tenta lançar, sem apreciável sucesso, as “hashtags” #marcelobem e #empoderamentodamulher. De seguida, pergunta à esposa se o jantar está pronto. Avance uma casa.
60. No Twitter, diversos “seguidores” lembram-no de que a “cultura cigana” tem pelas mulheres que você tanto exalta um respeito e uma consideração semelhantes aos do islão e aos do mosquito do dengue. Fique sem jogar até que todos o ultrapassem.
65. Você elimina dezassete “seguidores” por nítidas inclinações racistas, sexistas e intolerantes em geral. Sobre o islão, acrescenta não fazer sentido discutir-se o apedrejamento das adúlteras enquanto subsistir uma única vítima de violência doméstica em contexto de “heteropatriarcado” (sic). Sobre o dengue, não acrescenta nada. Avance quatro casas.
71. A revista “Sábado” descobre que o tal candidato autárquico do PSD pede igualmente “a redução drástica da presença islâmica na União Europeia”. Você, que defende o aumento drástico da presença islâmica na União Europeia, telefona para o “Fórum” da TSF a condenar a xenofobia de Pedro Passos Coelho. Avance cinco casas.
78. Infelizmente, o “Fórum” dessa manhã é tipicamente dedicado à exaltação da política económica do dr. Centeno e o moderador “Manuel Acácio” (pseudónimo) corta-lhe a palavra logo após vinte e seis minutos. Recue duas casas.
83. O dr. Rui Tavares, talvez líder de um partido imaginário, imita centenas de génios similares e acusa Pedro Passos Coelho de incitar ao ódio racial. Você partilha a acusação sob a frase “Carrega, Rui!”. Salte para a casa 92.
89. Multiplicam-se as notícias desfavoráveis à Altice, que, depois de comprar a PT, comprou a TVI e ameaça transformar a estação numa fonte de informações não devidamente organizadas e estruturadas pelo governo. O caos, portanto. Para cúmulo, o fundador da empresa é um português que, ao contrário dos verdadeiros patriotas, optou por ganhar a vida à revelia do Estado. A título solidário com os trabalhadores, você decide juntar-se a um protesto à porta da PT. Avance oito casas.
91. Como o dia estava agradável, você publicou um “post” indignado acerca da Altice, faltou ao protesto, baldou-se aos trabalhadores e preferiu a praia. Regresse à casa de partida.
93. Ferro Rodrigues, personalidade que existe para que as alforrecas não pareçam tão inúteis, jura haver “espasmos” da “direita” e da “extrema-direita” contra ele. E elabora: “Há pessoas que, quando algumas coisas mais graves acontecem, mostram que o seu conceito de democracia não é o mesmo do que o da maioria dos portugueses”. Ao almoço, você subscreve tudo a quem o queira ouvir (cerca de um empregado de mesa). Avance para a casa que lhe apetecer.
99. Aparentemente, Portugal é o único país da UE avesso a sanções à Venezuela. O governo desmente, o que provavelmente confirma o facto. Você liga para o “Opinião Pública”, da SIC Notícias, mas a meio da ligação esquece-se se concorda com o governo, com as sanções, com a ausência de sanções ou com o progressismo do sr. Maduro. Recue cinco casas. Você recusa-se a recuar, avança até ao final e ganha o jogo. Parabéns! Você alcançou a Glória. Você também demonstrou ser um rematado imbecil, mas em Portugal isso não constitui obstáculo a coisa nenhuma.



Para compensar da depressão causada pela irascibilidade antiesquerdina sem tréguas de A. G., transcrevo alguns passos da entrevista de Alexandra Carita e José Carlos Carvalho da Revista E de 8/7/17 (que a Internet facilitou, com grande surpresa minha), sobre um homem fascinante – André Jordan, “pai do turismo português”, com os seus projectos “Quinta do Lago” e “Vila Moura”.
 Título da entrevista: “Não é chique ser bandido em Portugal»
«Diz que este país é o único do mundo onde as amizades contam para fazer negócio. Ele preserva as suas mais do que tudo na vida. É o seu luxo. O seu segredo, esse, é o poço de histórias que tem para contar e que fascinaram sempre as pessoas. Chamam-lhe o pai do turismo português»
…….
Há os atrativos culturais, também...
Sim. Mas eu diria que é muito importante preservar a personalidade portuguesa. Não temos grandes monumentos, nem grandes museus, nem grandes obras de arte nas nossas coleções. Mas temos boas coisas, como os Jerónimos, que têm um equilíbrio e uma escala humana muito interessantes, ou a Fundação Calouste Gulbenkian, que é uma peça importante dentro do contexto cultural português, ou ainda Serralves... Mas não é isto que conta fundamentalmente, o importante é o ambiente de vida, o estilo de vida……………

Neste mundo dos negócios, os amigos contam muito?
Vou dar-lhe uma resposta dramática. O único país do mundo onde os amigos contam é Portugal. Os portugueses são muito boa gente, mas claro que também há lutas nos negócios ….

Mesmo depois de o engenheiro Jardim Gonçalves ter sido condenado continuou ao lado dele?
Sempre. Ele cometeu alguns erros, e todos cometemos erros. Mas não está ao nível de muitos outros.
Que são cada vez mais...
Sim, mas mesmo assim a honestidade ainda é um valor muito alto em Portugal. Não é chique ser bandido em Portugal. Noutras sociedades é. Basta ver o Trump, não preciso ir mais longe.
…..

Será mesmo assim? Oxalá fosse verdade, mesmo que seja a timidez intelectual a causa do nosso retraimento. Preferimos fazer as coisas pela calada, exemplifique-se com os fogos postos…


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