Na Quadratura, de 7/7. Muitos
outros escreveram, e continuam a escrever, única faca e queijo que se tem na
mão para condenar ou desculpar. De resto, todos nos sentimos em parte responsáveis
por sermos desta cepa assim, preguiçosamente enfezada, em complexo que sempre
nos empurrou para o canto em termos de confronto, excluindo as exaltações patrióticas
de antigos épicos e pregadores de uma retórica exaltada que, ao despertarmos
num mundo novo de eficiência e luzes de cultura, nos faz sentir esta nossa pequenez
inamovível e agora comprovada com um incêndio assassino e com um furto de armas
amplamente criminoso.
Ainda há pouco ouvi, no TV
Memória referências ao CNC, cujo historial escutei com agrado,
revendo acções passadas dos nossos preservadores intelectuais da identidade cultural
que, com a redução pátria, passou a traduzir-se, já não com o trabalho dos
cabouqueiros das terras que descobrimos, mas com os passeios por elas,
formativos, ao que se disse, pelo menos dos aproveitadores de ocasião, mas
dispendiosos e redutores, isso sim, do erário público, para favorecer vaidades
no oportunismo parasita que a tantos acometeu com o 25 de Abril, mesmo sem os
intuitos ilustradores desse Centro Nacional de Cultura que não resisto a
transpor da Internet, como expressão da nossa bizarria cultural elitista, que
me faz acudir à lembrança o provérbio “depois do cavalo morto, cevada ao
rabo”, de certa maneira também justificativo de tantos discursos sobre as
armas e o incêndio.
E, todavia, é sempre consolador ler textos como os de Francisco Assis,
sérios e justos, e os de jovens como Rui Tavares, fabricadores
de uma nova pátria, onde o equilíbrio é necessário.
SOBRE NÓS (CNC)
Breve
Historial e Objetivos
Criado em 1945 como um "clube de intelectuais"
para o debate de ideias, projeto de um grupo de monárquicos com o objetivo da
"defesa de uma cultura livre", evoluiu ao longo dos anos 50 e, nos
anos 60, sob a liderança de Sofia de Mello Breyner, Francisco Sousa
Tavares, Gonçalo Ribeiro Teles e António Alçada Baptista, afirmou-se como um
fórum democrático.
No final da década de
70, já depois do 25 de Abril de 1974, iniciou, sob o impulso da equipa liderada por Helena
Vaz da Silva, uma nova fase com atividades muito variadas e dirigidas a
um público diverso: os Passeios de Domingo, ciclos de viagens, cursos
de formação e de divulgação, encontros internacionais e seminários, exposições,
edições, concursos literários e artísticos, prémios e bolsas, atividades
infantis, prestação de serviços culturais a escolas, empresas e grupos
estrangeiros de visita a Portugal.
No século XXI, o CNC
reforça a sua matriz identitária, valorizando a memória histórica e
promovendo a criação contemporânea. Tem como grandes objetivos a promoção,
defesa e divulgação do património cultural português, incluindo o seu registo
sistemático, a promoção do "turismo cultural", baseado numa noção
integrada de turismo, ambiente, património e itinerários culturais e a formação
das jovens gerações num sentido de cidadania global. A sua ação
pode resumir-se como uma política de "pôr em contacto",
"articular", "fazer acontecer".
OPINIÃO
Por uma reflexão necessária sobre a tragédia de
Pedrógão Grande
Que o Estado falhou numa das suas funções essenciais
constitui uma evidência que nenhuma mente clarividente pode pôr em causa.
Francisco
Assis
Público, 29
de Junho de 2017
Vivo numa região
densamente florestada e nos anos em que fui presidente da Câmara de Amarante
passava os estios atormentado com o espectro dos incêndios. Reconheço, por
isso, a complexidade do tema e a dificuldade de uma abordagem linear do mesmo.
Nunca é fácil a imputação de responsabilidades directas dada a coexistência de
múltiplos factores, uns de ordem estrutural, que apontam para um tempo longo, e
outros de natureza mais conjuntural, que relevam de uma imediatez que não
permite nem aconselha conclusões instantâneas. Pela sua dimensão trágica, o incêndio
de Pedrógão Grande apela a um excepcional sentido da responsabilidade, de modo
a que no tempo próprio se possam extrair todas as ilações possíveis, com as
consequências práticas daí advenientes.
Tem por isso razão
António Costa quando apela à observância de um período razoável para que se
possa avaliar em toda a extensão o ocorrido, como tem razão Pedro Passos Coelho
quando reclama a legitimidade de debater politicamente esta questão. Erram os
que apelam a um consenso difuso, baseado numa momentânea comunhão emocional,
usada instrumentalmente com a intenção de impedir o confronto de argumentos
racionais em torno do assunto. Este é um tema claramente político e que, como
tal, deve ser objecto de discussão e tratamento nas instâncias politicamente
adequadas, como é notoriamente o caso do Parlamento.
Que o Estado falhou numa
das suas funções essenciais constitui uma evidência que nenhuma mente
clarividente pode pôr em causa. Falhou agora como tem sistematicamente falhado
neste capítulo desde há muitas décadas. Infelizmente, desta vez esse falhanço
originou consequências especialmente trágicas. A ideia de que se tratou apenas
de um problema natural não resiste à comparação com o que se passa em países
vizinhos dotados de características meteorológicas e geomorfológicas idênticas
às nossas. Como sempre, nestas ocasiões é fácil encontrar bodes expiatórios,
sejam eles o eucalipto ou a ministra da Administração Interna. Não digo que se
não possam apontar responsabilidades à excessiva “eucaliptização” das nossas
florestas, nem que a ministra não possa ser alvo de uma apreciação crítica,
como aliás muitos outros ministros da mesma pasta antes dela. Num país
desorganizado, quando ocorrem tragédias desta natureza é sempre má sorte ser
eucalipto ou titular daquela pasta.
Uma situação de tal modo
excepcional e dramática como aquela que o país experimentou há poucos dias
obriga, contudo, a uma exigência reforçada em matéria de inquéritos,
investigações e imputações de responsabilidades. Compartilho, por isso, inteiramente
a tese expendida nos últimos dias por aqueles que apelam à constituição de uma
comissão presidida por um dos sages da nossa República, seja ele António
Barreto, Jaime Gama, Mota Amaral, Francisco Pinto Balsemão, Manuel Alegre, João
Cravinho ou Vera Jardim, para citar apenas alguns, já que isso garantiria
rigor, isenção, serenidade e inteligência. Essa comissão não se substituiria
nem ao Governo, nem ao Parlamento, nem aos partidos políticos, e poderia ter o
condão de contribuir para a elevação do debate político que os nossos
compromissos democráticos reclamam.
Como é óbvio, só por
puro artificialismo fantasista se pode supor que as diferentes forças políticas
se vão pôr agora de acordo quanto às soluções a aplicar quer no domínio do
ordenamento do território e da floresta, quer no próprio âmbito das estratégias
de combate imediato aos fogos. Não é, aliás, por acaso que várias iniciativas
marinam há largos meses na Assembleia da República. Isso acontece devido à
existência de profundas divergências interpartidárias, inclusivamente no seio
da própria maioria parlamentar vigente. Mesmo estas divergências no interior
dessa maioria não são de estranhar, já que reflectem as profundas clivagens
programáticas e ideológicas que subsistem entre os partidos que a integram, mau
grado os recentes entendimentos alcançados em torno de alguns pontos da
governação.
Impõe-se, assim, um
debate a dois tempos: um incidindo sobre as questões ligadas à florestação, que
não tem de ser levado a cabo a mata-cavalos, com as consequências perniciosas
facilmente antecipáveis; e um outro, de carácter mais urgente, sobre a
fiabilidade dos sistemas e meios de combate aos incêndios. Este último é de
particular acuidade, dado estarmos apenas no início da época dos fogos
florestais. Pelo que já se percebeu, há fortes razões para o país estar
inquieto em relação à capacidade de resposta nesse domínio.
Ocorreram demasiadas
falhas em Pedrógão Grande para que alguém possa permanecer tranquilo. E não nos
venham cinicamente repreender por chamar a atenção para este facto que o país
inteiro constata com justificada apreensão. Temos um sistema de comunicações
precário e, pelos vistos, destinado a falhar quando o seu funcionamento é mais
necessário, temos uma estrutura da protecção civil que inspira escassa
confiança, dirigentes dos bombeiros que não escondem perplexidades e forças de
segurança pública com notória escassez de meios humanos e materiais. Não
tenhamos ilusões: o que aconteceu em Pedrogão Grande já poderia ter ocorrido
antes e infelizmente não há nenhuma razão para ter a certeza de que não poderá
ocorrer no futuro.
Não sou apologista das
demissões imediatas e não creio que uma democracia madura deva recorrer ao
mecanismo do bode expiatório. Aliás, o mecanismo do bode
expiatório serve apenas para proteger quem fica e contribuir para que pouca
coisa se altere. Muito francamente, não acho, por exemplo, que Constança
Urbano de Sousa seja mais incompetente que os ministros que a antecederam e
notei nela uma genuína emoção, a qual lhe tem merecido algumas críticas que me
parecem bastante injustas. Essa genuína emoção não é incompatível com um
comportamento racional e com uma atitude exigente na condução dos assuntos que
estão sob a sua alçada.
Esta tragédia veio
lembrar-nos que não há milagres instantâneos nem homens providenciais. Depois
de longos meses circenses, em que festejámos com ardor infantil sucessos
futebolísticos da selecção, vitórias no mundo da Eurovisão, êxitos do Benfica
como se fossem verdadeiros acontecimentos consensuais no país, a vinda do Papa
a Fátima para beatificar os célebres pastorinhos e a falsa ideia de uma ruptura
radical com políticas económicas, orçamentais e financeiras anteriormente
prosseguidas, reencontramos a realidade. A realidade de um país onde convivem a
modernidade e o arcaísmo, onde coincidem o pulsar de uma sociedade inovadora,
localizada sobretudo nos grandes centros do litoral, com regiões minadas pelo
despovoamento. Talvez esse regresso à realidade nos torne a todos um pouco
menos sectários e nos permita compreender que o país não se divide de forma
maniqueísta e que o mundo é mais complexo do que as excitações adolescentes com
que se comprazem grande parte dos nossos dirigentes políticos.
No último fim-de-semana
acompanhei a par e passo um incêndio que lavrava bem perto do nosso país, no
sul de Espanha. Viveram-se momentos terríveis de angústia, de medo, de
desespero, mas no final não morreu ninguém. Perdão, morreu um lince fêmea, de
entre cerca de 30 espécimes salvos, devido ao stress que o acometeu
no momento em que estava a ser resgatado. É provável que as circunstâncias dos
dois incêndios fossem muito diferentes, mas esta comparação entre a capacidade
de uns para resgatar animais e a incapacidade de outros para salvar vidas
humanas não deixa de nos interpelar com uma veemência verdadeiramente trágica.
Excert0s
do Público d2 5/7/17
De
Rui Tavares: «Portugal reencontra-se consigo mesmo»
«… Mas temo bem que, depois
do falatório, das investigações, das exonerações e das eventuais demissões, as
conclusões não passem da superficialidade habitual. Temo bem que ninguém queira
encarar a realidade de um país onde a retórica da soberania é permanente e grandiloquente
mas que se demonstra incapaz de fazer o que tem a fazer quando está em causa um
elemento tão central da sua soberania como — apenas e só — garantir que as
armas das suas Forças Armadas não caem em mãos erradas.»
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