Passou por nós com as vestes negras cobrindo quase até aos pés o corpo de uma amplidão desconforme. Vestes largas e longas e pretas como as das ciganas viúvas, talvez para não se ver a largura das pernas e o negro dos tornozelos, um dos quais envolto em ligadura, da má circulação ameaçando trombose, úlcera varicoza, flebite, coisas assim de nomes assustadores.
Encontramo-la no café, aos domingos, às vezes com o filho, mais disforme ainda que a mãe, em tamanho exigente de roupas desmesuradamente amplas que deve ser complicado obter. Parece não ter ainda trinta anos, a mãe com cinquenta e cinco, ouviu-a a minha amiga dizer. O marido, magro e de olhar triste, com ar de quem sofre, sem esperança, uma tão pesada carga.
A minha amiga chama sempre a minha atenção, quando os vê passar. E desabafa a sua revolta, num quase monólogo em catadupa de frases :
- “Porque é que estas pessoas não são ajudadas de alguma maneira? Porque prometeram que, quando ficassem em listas de espera seriam mandadas para a Europa! Até nos tira o ar só de ver. Isto é uma doença gravíssima. Se estas pessoas não são operadas é porque estão em listas de espera. É muito mais que obesidade. É gravíssimo. Eu não sei como ela se senta naquela cadeira, deve ter mais de duzentos quilos. O que é que pode acontecer a uma pessoa dessas? Porque é que não há alguém com dinheiro que mandasse fazer a operação?
Acabrunhada, acrescenta:
- O pior é que a pessoa faz a primeira operação que é para pôr a banda gástrica. Sobram quilos de pele para operar, operar, ir operando... Se a operação fosse só uma! Mas não é, infelizmente. Eles sofrem muito e não é porque comam muito, deve ser alguma disfunção metabólica. Deve ser por isso que andam por aqui e ninguém vê.
No meu caso, prefiro, de facto, não olhar. Por delicadeza, acho eu, com receio de que se sintam ofendidos, como bobos em exposição.
Mas o quase monólogo da minha amiga saiu assim, como explosão de revolta inútil, tomada a bica do nosso “carpe diem” da coscuvilhice, em fuga breve à digna missão doméstica.
Encontramo-la no café, aos domingos, às vezes com o filho, mais disforme ainda que a mãe, em tamanho exigente de roupas desmesuradamente amplas que deve ser complicado obter. Parece não ter ainda trinta anos, a mãe com cinquenta e cinco, ouviu-a a minha amiga dizer. O marido, magro e de olhar triste, com ar de quem sofre, sem esperança, uma tão pesada carga.
A minha amiga chama sempre a minha atenção, quando os vê passar. E desabafa a sua revolta, num quase monólogo em catadupa de frases :
- “Porque é que estas pessoas não são ajudadas de alguma maneira? Porque prometeram que, quando ficassem em listas de espera seriam mandadas para a Europa! Até nos tira o ar só de ver. Isto é uma doença gravíssima. Se estas pessoas não são operadas é porque estão em listas de espera. É muito mais que obesidade. É gravíssimo. Eu não sei como ela se senta naquela cadeira, deve ter mais de duzentos quilos. O que é que pode acontecer a uma pessoa dessas? Porque é que não há alguém com dinheiro que mandasse fazer a operação?
Acabrunhada, acrescenta:
- O pior é que a pessoa faz a primeira operação que é para pôr a banda gástrica. Sobram quilos de pele para operar, operar, ir operando... Se a operação fosse só uma! Mas não é, infelizmente. Eles sofrem muito e não é porque comam muito, deve ser alguma disfunção metabólica. Deve ser por isso que andam por aqui e ninguém vê.
No meu caso, prefiro, de facto, não olhar. Por delicadeza, acho eu, com receio de que se sintam ofendidos, como bobos em exposição.
Mas o quase monólogo da minha amiga saiu assim, como explosão de revolta inútil, tomada a bica do nosso “carpe diem” da coscuvilhice, em fuga breve à digna missão doméstica.
Um comentário:
A tua amiga é refilona, mas sensível. No entanto, tem toda a razão e não pensa só nos seus problemas. Diz-lhe amanhã, durante a vossa escapadela doméstica.
Postar um comentário