terça-feira, 17 de novembro de 2009

Ai, eu sou arguido

Perguntou-me a minha amiga se eu tinha ouvido a grande notícia sobre a nossa balança económica do 3º trimestre em franca recuperação, mesmo superior à dos povos europeus, nos 0,9 % de saldo positivo, devendo-se o facto às importações de Angola, que preferem vir cá comprar o vestuário e os cremes e perfumes personalizados e os automóveis topo de gama, mais baratos aqui do que na América e mesmo na Europa, além de que temos a língua em comum. Eu respondi que sim, que ouvira, e até pensara que isso se devia ao facto de o nosso PM ser, não só bom gerente da nossa balança comercial, como igualmente um modelo de elegância e bem vestir, exemplar chamariz da elegância do povo angolano, em dignificante demonstração de marketing de que nos devemos orgulhar. Além de que, na questão da língua, também contribuiu nobremente para a uniformizar.
Mas a minha amiga enfureceu-se comigo pela insensibilidade que demonstrei perante o quadro das crianças angolanas para as quais se fazem peditórios, para elas não morrerem à fome, enquanto os donos do capital autêntico de Angola vêm largar as suas maquias, resultantes de um solo fértil em combustível e pedraria faiscante, em luxos faraónicos, superiores aos do próprio Dubai.
Fiquei esmorecida ao ouvi-la ironizar sobre a minha insensibilidade ou ignorância dos casos desumanos, e só pude responder que o que eu desejava de facto, era que a nossa balança continuasse a subir, mesmo que tivéssemos de seguida que distribuir parte dela para sanar a fome das crianças angolanas que não pertencem à gama do topo, nem mesmo a outra qualquer gama de valor positivo.
Isto trouxe à baila a sacrossanta corrupção de que não me apetecia falar também, mais interessada em saber se estivera com as suas amigas e do que tinham falado. Ainda contou de uma do grupo, que era professora, com quem metera conversa porque a vira tomar um xanax e ela explicara que só consegue aguentar as aulas e o resto, enfiando tranquilizantes de controlo médico.
Perguntei seguidamente se não ouvira ontem o “Prós e Contras”.
- Não ouvi, não! Aquilo não é para ser ouvido. Quem aguenta ouvir à uma da manhã!
- Bem! À uma hora é quando acaba! É um programa comprido!
- E as pessoas que trabalham conseguem ir até ao fim? E estamos a pagar por um programa que não podemos ver? A minha raiva é porque não vejo!
- Eu ontem consegui ver os malabarismos cínicos e até as más criações dos que sabem que vão ganhar! Uma chamada Moreira, muito deselegante com um professor universitário da linha oposta, que defendia, naturalmente, a família, na sua qualidade irrefutável de procriadora e continuadora da raça humana. Cá por mim, sou a favor do referendo. E gostei de os ouvir, a todos os que defenderam o casamento entre os dois sexos, a começar pelo Ribeiro e Castro. Mas foram vários, entre os quais uma senhora da assistência, que argumentaram muito bem, contra a “dignidade” que os da linha homossexual acham que vão obter se legalizarem o casamento.

- É! Eles vão ganhar, já se sabe, o Sócrates não vai nisso do referendo. Para quê? Num mundo de bandalheira e miséria económica, que importam os casamentos do mesmo sexo? As crianças que esses casais poderão adoptar também se habituarão a explicar aos seus amiguinhos da escola que são filhos de dois papás ou de duas mamãs. Temos que ser modernos e sensíveis à dignidade e aos direitos de toda a gente, claro, menos aos direitos e dignidade das crianças, de serem filhos de um pai e de uma mãe, como os outros. Mas agora, se se receber convite para casamento, impõe-se a pergunta: “com homem ou com mulher?”
A minha amiga retomou a corrupção:
- Qualquer dia neste país as conversas fazem-se assim: “- Então já és arguido?” “- Eu já! E tu?”
E continuou, lançada:
- Não tem a mínima importância! Nós estamos a ser direccionados e governados e espezinhados por implicados em crimes vários.
- Fala também do Sócrates?
- Esse ainda não é! Não vai ser! Mas o historial é incrível! Como é que vai ser com as provas destruídas? Hoje o ser arguido não é vergonha nenhuma!
- Oh! É uma honra!
- É certo que ser arguido não é ser culpado. Mas nenhum vai ser culpado. Aqueles arguidos não há maneira de serem culpados.

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