A minha amiga leu o texto da “mulher barbuda”, ou seja, do provérbio popular que a minha mãe desenterrou há dias dos arcanos da sua memória e logo, deslumbrada pela coincidência, relembrou uma entrevista de ontem, feita pela televisão, que mostrara uma mulher de grande bigodaça, a deixar-nos ainda mais abatidas relativamente à Maitê Proença, moça muito sensível aos pêlos do nosso atraso. A minha amiga acrescentou mesmo: “Espero que a brasileira não tenha visto”, o que eu me apressei a corroborar, em expressão humilde de um complexo que tem a ver com as berças ancestrais, por onde não passaram os artifícios estéticos responsáveis pelas irreverências das desdenhosas maitês.
- Mas a que propósito apareceu a mulher de bigode?
Fora na questão do padre que fugira para casar com uma paroquiana, optando pelo amor terreno em desabono do divino. O povo entrevistado, no meio do qual a mulher com bigode, concordou com a decisão do padre, já bem distanciado da sociedade beata dos tempos do padre Amaro, o qual se viu obrigado a esconder os seus amores com a Ameliazinha, prendada e recatada filha da Sanjoaneira. Tomou-a às escusas, após os serões de iniciação na paixão em casa da mãe daquela e a bênção do cónego Dias, amante desta, e mais a conivência enternecida das beatas de Leiria, amigas da Sanjoaneira. Dela teve um filho que mandaria para os anjinhos à nascença – o crime do padre Amaro - para continuar a sua impecável carreira eclesiástica, já por Lisboa, liberto da presença comprometedora da Ameliazinha que tivera o bom senso de morrer, deixando-o livre para outras afeições menos tenebrosas, na amplidão menos coscuvilheira dos espaços alfacinhas.
O povo entrevistado, incluindo a velha do bigode, já democratizados, a léguas das beatas do século XIX, desculpavam o padre de Carvalhas, freguesia de Celorico de Basto, achando que ele tinha todo o direito de resolver a sua vida em liberdade, já que a nossa igreja ainda não se modernizou o suficiente para liberalizar o matrimónio sacerdotal.
E veio novamente à baila o tema do machismo que, ao contrário do que afirmei ontem, está bem contido na designação “dono” da sentença: “Mulher barbuda, cabra cornuda, vaca embiguda, seu dono ajuda”, e que, por artifício linguístico propositado para atingir uma tese de apoio à mulher – a uma mulher que admiro, Manuela Ferreira Leite – entendi não reconhecer tal machismo. Sinuosidades discursivas também patentes nas actuais políticas de trocas e baldrocas, de escutas assumidas, de escutas destruídas, daí que me ache no direito de ter enveredado por falsa argumentação, segundo a expressão principesca de que os fins justificam os meios.
Não, a mulher portuguesa, mau grado as vezes que se assumiu como chefe de família, quer no tempo das lutas de reconquista, quer no tempo dos descobrimentos, quer, afinal, como escravizada sempre em trabalhos da lavoura tão valente como o seu homem, não deixou de o ver como seu dono, o dono da cabra, da vaca e da mulher. O homem é o dono-mor.
Ei-los que se digladiam, os donos – "dominos", senhores - nas suas lutas pelo naco, os do PSD igualmente, empurrando a mulher digna que os poderia valorizar como grupo, séria, inteligente, com mais capacidade de luta do que a que lhe querem atribuir, tirando-lhe o tapete a cada passo, forçando-a a desistir, quando poderia trazer alguma dignidade a este pobre país de trapaceiros.
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