sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Textos da saudade, textos de evasão

Lembrou bem, Salles da Fonseca, o poema simples de Manuel BandeiraVou-me embora pra Pasárgada”, lembrou bem o belo poema de Baudelaire L’Invitation au Voyage”. No seu texto de “A Bem da Nação”, sobre o significado da Diáspora, que expandiu a lusofonia por estradas várias do mundo, num formigueiro de inquietação que desde longa data nos fizeram assentar arraiais longe do lar, para voltar sempre a ele, em saudoso retorno, bem à maneira do “Regresso ao Lar” de “Os Simples” de Guerra Junqueiro, na romântica amargura dos seus roteiros de desilusão:

Ai, há quantos anos que eu parti chorando
Deste meu ditoso saudoso lar!...
Foi há vinte?... há trinta? Nem eu sei já quando!...
Minha velha ama, que me estás fitando,
Canta-me cantigas, para me eu lembrar!...

Dei a volta ao mundo, dei a volta à vida...
Só achei enganos, decepções, pesar...

Não foi verdade, em todo o caso, que fossem só de desilusão os roteiros a que se refere Junqueiro, creio que figurativamente. Não foi por terras dos descobrimentos que andou perdido, penso que se refere às saudades da infância, tema que Pessoa retomará com maior originalidade, nos paradoxos da sua angústia existencial:

Natal... Na província neva.
Nos lares aconchegados,
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.

Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade!
Meu pensamento é profundo
Estou só e sonho saudade.

E como é branca de graça
A paisagem, que não sei,
Vista através da vidraça
Do lar que nunca terei.

Aprendemos na história que o sonho do Império, para além da expansão da fé, repousava sobretudo na ambição material, por roteiros marítimos, livres da fiscalidade e perseguição a que a rota pelo Levante era sujeita. Mas a evasão e o sonho também estiveram na origem dessa epopeia, que Salles da Fonseca ilustra com os dois poemas primeiro citados:
Assim, de Manuel Bandeira, na simplicidade da linguagem corrente, as ambições dos prazeres comezinhos, libertadores das malhas duras da vida:

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei.

......
Aqui não sou feliz
Lá a existência é uma aventura...

....Vou-me embora pra Pasárgada.

De Charles Baudelaire, o poema de doçura e evasão, Invitation au voyage, em três momentos do sonho “d’aller là-bas”– o convite, o descritivo do espaço interior imaginário de requinte oriental, o descritivo do espaço exterior, igualmente imaginário, de luz e doçura, visto da janela:

Mon enfant, ma soeur,
Pense à la douceur,
D’aller là-bas, vivre ensemble….

Là, tout n’est qu’ordre et beauté
Luxe, calme et volupté.
….

Salles da Fonseca considera que o sonho da aventura, que veio trazendo os povos europeus desde a sua origem levantina, firmando-os gradualmente nos territórios respectivos, mais ordeiramente os do centro, ou empurrando os mais rebeldes para ocidente, na mira do desconhecido, já dando provas dessa rebeldia no tempo dos romanos, após a epopeia marítima estão confinados ao terreno donde partiram para ela. Na desordem. Sem Pasárgada. E sobretudo sem rei.

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