sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Um País refeito

A minha amiga não se deixou entusiasmar pelo meu texto anterior sobre o plenário, que lhe li com emoção um tanto romântica, agarrada à ideia dos velhos amigos deputados que ontem estiveram o dia inteiro, como lhes competia, é certo, para nos defenderem do lobo feroz, mas em todo o caso num exagero de sacrifício de horas que nem pensava que lhes merecêssemos, nem ao Primeiro Ministro, nós os cidadãos da pátria, pouco habituados a tais considerações. Cheguei a ter remorsos do sacrifício imposto.
A minha amiga alargou-se em pormenores, que tinha escutado, creio que ao Medina Carreira, menos sensível do que eu ao sacrifício dos deputados e do PM que, aliás, nos habituou à sua enérgica presença quinzenal na Assembleia da República:
- Estão já a perder um tempo doido. Continuam no blablabla. Quanto à Justiça: a lei está feita para proteger o bandido. Quando quiseram modificações, o governo absoluto rejeitou-as. Já se viu alguém importante, depois de começadas as averiguações, a ir para a cadeia? Ninguém, porque se presume a inocência e entretanto o caso prescreve: os casos da face oculta, o furacão, o abate das árvores, os desfalques dos bancos... Pois é! A lei está muito benfeitinha. E agora só falta aqueles da Casa Pia virem pedir indemnização às vítimas! Eles têm direito! Porque cada um é do mais puro que se possa imaginar! “A nossa vida ficou destroçada!” Cada um disse uma frase. O Rito nunca conheceu nenhum dos que o acusou. O Carlos Cruz jamais!
- Jamé!
- acudi eu, em reminiscência piedosa.
- É! O palerminha do “jamé!” foi excluído. A Lurdes deve dizer: “Olha o filho da mãe, fiz tudo o que ele quis e agora fui corrida!”
- Realmente! Não sei para quê! A próxima ministra fará o mesmo do mesmo
.
- Vão ser discussões atrás de discussões! Onde é que há tempo para isso?
- E o país a morrer!
- Quanto à agricultura, cada vez temos menos terras. É tudo cidade. O país ardeu. A agricultura que está à venda não é de cá! Ouvi ontem um a dizer o mesmo que eu costumo dizer: “Até os limões são da Espanha!”
- Tudo cidade, mas de má qualidade. Tudo estrada também. E com o TGV, não tarda é tudo espanhol.
- Sabemos o que dá muito nas vistas, não sabemos tudo. Prédios espanhóis em Lisboa... Eles podem comprar. Empresas espanholas, camiões espanhóis a deslocarem-se cá... Eles podem gerir...
Quando vim para casa estava o plenário a concluir o dia de ontem, interrompido pela noite.
O Luís Fazenda dos Verdes, o Telmo Correia do CDS-PP, o José Pedro Aguiar Branco do PSD. Todos seriamente empenhados em fazer sentir ao Governo que teriam que governar de forma diferente, tal o quadro negro que apontaram sobre o governo anterior, dirigido pelo mesmo ministro, de défice não nos 5,9 da informação socialista, mas dos 8% da informação europeia.
Indiferente às propostas de “corrigir”, “mudar”, “rectificar”, o Governo, pela voz de Luís Amado, dispõe-se a continuar a sua política, acusando os partidos de falta de diálogo, o que é oneroso para a democracia, responsabilizando-os pela instabilidade provável. Até porque nenhum partido lhe fez nenhuma moção de censura. Então, o PM vai começar a trabalhar, entendendo por diálogo democrático apenas o seu monólogo ditatorial.
Paulo Bento, entretanto, dá uma conferência de imprensa sobre a sua saída do Sporting. A sua imagem e o seu discurso aos solavancos estão em todos os canais. O país está refeito. Pelo menos a voz de Paulo Bento, aos solavancos, não deve voltar a ouvir-se tão cedo.

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