A minha amiga leu o texto anterior, que referia uma notícia que ela não ouvira. Fiquei contente por poder dá-la em primeira mão a quem usufrui habitualmente desse privilégio. Foi sobre a afirmação de Durão Barroso de que não iríamos ser punidos pela UE por não cumprirmos com o ressarcimento dos nossos débitos e até de os cultivarmos com simpatia.
- Como não somos punidos? Parece conversa p’ra burro! A nossa vida já é uma calamidade!
- E já viu isso de o Sócrates não cumprir? E só prometer? Não lhe parece de aldrabão?
A minha amiga tenta proteger o nosso PM, que acha mais magro e grisalho, embora, ultimamente de aparência mais branda e, direi mesmo, afectuosa, razão da deferência dela, mulher sensível aos males e também aos modos brandos:
- Ele agora também já não tem outro remédio senão ser aldrabão.
Indignei-me, sempre prezei a hombridade. Mas sugeri, por ser 1 de Novembro, dia de Todos os Santos e do Pão por Deus, que bom seria que os santos todos, em conluio com a UE, nos acudissem e revogassem a dívida. Para começarmos um novo débito, sem nos ralarmos com o anterior.
Mas ela só acredita no Santo António, que tem pouco peso no meio dos santos todos. E então, aproveitei para lembrar um texto, escrito nos idos pós-abrilinos, que bem confirmava a minha razão quando contestei que só há uma década é que temos piorado nas contas, segundo um economista que ela citou, sem se lembrar do nome. A crise começou logo, com a delapidação do espólio deixado pela ditadura.
Eis o texto – um skatch dramático – extraído de “Cravos Roxos”, III - “Lusos 74” (“Mais Pedras de Sal”), 1981, que o comprova :
“17- NUDISMO
Num escritório.
ELA – Ó Carlos, venha cá ler esta...
ELE – Qual?
ELA – Sobre o nudismo. O governo vai deliberar sobre a prática do nudismo.
ELE – Por isso a televisão apresentou há dias uma reportagem giríssima sobre a opinião dos transeuntes.
ELA – Eu ouvi. Um deles não tinha opinião, não sabia o significado da palavra, disse que só entendia do seu trabalho.
ELE – Ignorâncias devidas ao fascismo e que tanto nos deslustram.
ELA – Vai passar a haver recintos privados para a prática do nudismo, o que é uma medida bestial.
ELE – Bestial?
ELA – Sim, para o treino. Ó filho, com a redução económica do país não tarda que precisemos todos de usar tanga...
ELE – Eu por mim sou adepto do nudismo. Lá em casa andamos todos como Deus nos pôs no mundo.
ELA – O quê? Mesmo o seu filho?
ELE – Esse degenerou um pouco, infelizmente. Modernices! Usa óculos escuros.
ELA – E a sua mulher não se constrange?
ELE – Não, ela está muito formal. Adoptou a religião do natural... caseiro e em casa é toda natural. Mesmo quando chora não precisa de lenço.
ELA – Então?
ELE – Assoa-se aos dedos.
ELA – É estupendo para poupar sabão. Outro aspecto positivo nas restrições do país.
ELE – Também por isso não dispensamos o cinto.
ELA – O cinto?
ELE – Como medida económica para apertar...
ELA – Vocês afinal comportam-se lá por casa como manda o governo.
ELE – E como descreve a Bíblia. Não esqueça que somos praticantes.
ELA – Bem, a Bíblia só antes do pecado...
ELE – Exacto. Tudo em pureza. Por isso não concordo com os recintos.
ELA – O quê? Acharia melhor sem recintos?
ELE – Não somos todos irmãos? Ou há fraternidade e nos despimos todos ou a democracia é uma batata...”
Por agora, ainda não se falou em nudismo. Deve ser por estarmos a caminho do inverno, embora o outono corra quente. Temos ouvido falar em poupança, também com entrevistas na rua que atestam a nossa docilidade aos mandamentos. Reduz-se a carne, o peixe, a fruta e os refrescos, o vestuário deixa de ser de marca e as senhoras entrevistadas estão contentes por iniciarem os seus filhos numa nova era de abstinência, com efeitos positivos sobre o decréscimo da poluição, o aumento das poupanças, que já se verifica segundo os cálculos bancários – efectuados posteriormente aos desfalques - poupanças indispensáveis aos próximos desfalques.
Mas na nossa opinião, cremos que com anuência geral, a revogação da dívida teria mais eficácia. E hoje até é dia do “Pão por Deus”.
- Como não somos punidos? Parece conversa p’ra burro! A nossa vida já é uma calamidade!
- E já viu isso de o Sócrates não cumprir? E só prometer? Não lhe parece de aldrabão?
A minha amiga tenta proteger o nosso PM, que acha mais magro e grisalho, embora, ultimamente de aparência mais branda e, direi mesmo, afectuosa, razão da deferência dela, mulher sensível aos males e também aos modos brandos:
- Ele agora também já não tem outro remédio senão ser aldrabão.
Indignei-me, sempre prezei a hombridade. Mas sugeri, por ser 1 de Novembro, dia de Todos os Santos e do Pão por Deus, que bom seria que os santos todos, em conluio com a UE, nos acudissem e revogassem a dívida. Para começarmos um novo débito, sem nos ralarmos com o anterior.
Mas ela só acredita no Santo António, que tem pouco peso no meio dos santos todos. E então, aproveitei para lembrar um texto, escrito nos idos pós-abrilinos, que bem confirmava a minha razão quando contestei que só há uma década é que temos piorado nas contas, segundo um economista que ela citou, sem se lembrar do nome. A crise começou logo, com a delapidação do espólio deixado pela ditadura.
Eis o texto – um skatch dramático – extraído de “Cravos Roxos”, III - “Lusos 74” (“Mais Pedras de Sal”), 1981, que o comprova :
“17- NUDISMO
Num escritório.
ELA – Ó Carlos, venha cá ler esta...
ELE – Qual?
ELA – Sobre o nudismo. O governo vai deliberar sobre a prática do nudismo.
ELE – Por isso a televisão apresentou há dias uma reportagem giríssima sobre a opinião dos transeuntes.
ELA – Eu ouvi. Um deles não tinha opinião, não sabia o significado da palavra, disse que só entendia do seu trabalho.
ELE – Ignorâncias devidas ao fascismo e que tanto nos deslustram.
ELA – Vai passar a haver recintos privados para a prática do nudismo, o que é uma medida bestial.
ELE – Bestial?
ELA – Sim, para o treino. Ó filho, com a redução económica do país não tarda que precisemos todos de usar tanga...
ELE – Eu por mim sou adepto do nudismo. Lá em casa andamos todos como Deus nos pôs no mundo.
ELA – O quê? Mesmo o seu filho?
ELE – Esse degenerou um pouco, infelizmente. Modernices! Usa óculos escuros.
ELA – E a sua mulher não se constrange?
ELE – Não, ela está muito formal. Adoptou a religião do natural... caseiro e em casa é toda natural. Mesmo quando chora não precisa de lenço.
ELA – Então?
ELE – Assoa-se aos dedos.
ELA – É estupendo para poupar sabão. Outro aspecto positivo nas restrições do país.
ELE – Também por isso não dispensamos o cinto.
ELA – O cinto?
ELE – Como medida económica para apertar...
ELA – Vocês afinal comportam-se lá por casa como manda o governo.
ELE – E como descreve a Bíblia. Não esqueça que somos praticantes.
ELA – Bem, a Bíblia só antes do pecado...
ELE – Exacto. Tudo em pureza. Por isso não concordo com os recintos.
ELA – O quê? Acharia melhor sem recintos?
ELE – Não somos todos irmãos? Ou há fraternidade e nos despimos todos ou a democracia é uma batata...”
Por agora, ainda não se falou em nudismo. Deve ser por estarmos a caminho do inverno, embora o outono corra quente. Temos ouvido falar em poupança, também com entrevistas na rua que atestam a nossa docilidade aos mandamentos. Reduz-se a carne, o peixe, a fruta e os refrescos, o vestuário deixa de ser de marca e as senhoras entrevistadas estão contentes por iniciarem os seus filhos numa nova era de abstinência, com efeitos positivos sobre o decréscimo da poluição, o aumento das poupanças, que já se verifica segundo os cálculos bancários – efectuados posteriormente aos desfalques - poupanças indispensáveis aos próximos desfalques.
Mas na nossa opinião, cremos que com anuência geral, a revogação da dívida teria mais eficácia. E hoje até é dia do “Pão por Deus”.
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