segunda-feira, 31 de maio de 2010

“O Gaio e a raposa”

«Um gaio esfomeado
Estava pendurado
Numa figueira.
Mas constatando
Que os figos estavam
Ácidos ainda,
Ficou esperando,
Em vigilância,
Que amadurecessem.
Uma raposa ali o encontrou,
A eternizar-se,
Numa constância
Que a espantou.
A causa perguntou
De tal pasmaceira.
E exclamou,
Assim que o gaio
Lha explicou:
“Que disparate,
Meu caro gaio,
Ficar ligado
A uma esperança
Tão irrisória!
É aliciadora,
Mas não enche o papo,
Qual história!

Esta fábula visa
O espírito mexeriqueiro»,

- Segundo o fabulista -
Já que a raposa intriguista
Não aceita a parolice
De se ficar pendurado como um paio
À espera de uma felicidade
Que demora a vir,
Como fez o gaio
E a raposa disse,
Achando tolice.
Mas na opinião do tradutor francês,
Daniel Loayza,
Da editora Flammarion,
Deve ser engano a grega palavra
De moral absurda.
Por isso propõe outra,
Emendando Esopo,
A qual significa antes
Espírito vitorioso,
De lutador sem tréguas
Por muitas mágoas
Que deva atravessar
Por azar.
Talvez seja verdadeira
Esta interpretação
Que o nosso Pessoa também usou
A respeito do Bojador
Aplicável a todo o lutador:
- “Quem quer passar além do Bojador,
Tem de passar além da dor” -
No caso da utopia do gaio
O termo que Esopo usou,
Atribuível à raposa maliciosa,
Sempre pouco generosa,
Aceito essa lição.
Porque as pessoas intriguistas
Que não têm mais que fazer
Do que na pele dos outros roer
Merecem condenação
Por não deixarem cada um ser
Como lhe apetece ser
Ou viver.
Se, por seu lado,
O tradutor francês tiver razão,
Longe de mim a ideia
De discordar.
Mas o gaio empoleirado
À espera de se banquetear,
Lembra-me os tais que esperam Godot
Sem quase se mexerem
Para o merecerem.

Não, não devemos o gaio imitar.
É preciso trabalhar.
Por isso a raposa tinha razão
Em troçar.
Se era intriguista ou não
Ao menos uma vez
Devemos dar-lhe razão.
Embora o Esopo nem sequer fosse
Da mesma opinião.

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