terça-feira, 11 de maio de 2010

Gedeão na berra

Não resisto à tentação de transcrever o texto da minha filha, que, na sua escola, vai aprendendo os novos percursos da função que exerce, com a maleabilidade possível, não suficiente, contudo, para os novos enquadramentos de uma pedagogia de pseudobenemerência, sinónima de idiotia ou de acefalia gradualmente generalizada a que a geração de adultos descendente do Maio 68, e compactuada com a sua doutrina, tem acentuado a eficácia – na educação dos filhos, na orientação pedagógica e cultural, no desrespeito pelo seu significado clássico.
Sendo um texto singelo, de relato circunstancial, como os seus pares – Camões e a Leonor descalça e graciosa, Rodrigues Lobo e uma Leonor mais sofisticada da hipérbole barroca, Gedeão e o sentido dinâmico e sensual do descritivo da corrida de lambreta com o namorado, e do vestuário, de uma Leonoreta bem moderna nos anos sessenta, expressivos de uma sociedade a abrir-se à trepidação e à desconcentração, ele contém igualmente o sentido amargo de uma realidade bem distorcida do senso comum – a realidade desta “geração auricular” da primeira década do século XXI, marcada pelo atrevimento de uma indisciplina inócua – pondo também o texto, ao contrário dos precedentes, duas pessoas em confronto, dois mundos – a geração jovem desatenta e avessa a orientações que exijam esforço pessoal, a geração adulta preocupadamente crítica.
Eis, pois, o texto, de Paula Lacerda:

«Sozinha, com os seus phones...»

«Mote
Sozinha, com os seus phones,
segue, altiva, pela estrada.
Vai em frente, Leonor,
que estás bem acompanhada.


Entro na rua da escola
com o meu Passat animado,
o espírito já se me enrola
no Ibn abençoado!
E a pé, pela rua fora,
vem jovem apessoada.
No meio da rua rola,
completamente aluada.
Meu carro estanco, então,
lançando o pé ao travão:
a Ninfa, muito segura,
não se desvia da rua;
nem se digna tomar nota
de que alguém, com atenção,
travou… e, devagar continua
da rotunda até à lua…
Ela, no seu pé, segura,
e eu atrás, sem paciência,
ao volante da viatura,
praguejando da indolência
e sem sequer perceber
porque lhe não chega aos ouvidos
a fúria dos meus sentidos,
a música do meu motor…

Finalmente, estacionamos.
Passo ao pé, à sua frente.
Constato, com pertinência,
que tem phones escondidos,
sob o cabelo que cai.
Ao resto do mundo indiferente,
a ideia sobressai
de que ouve só o que entende,
abençoada Leonor!

Geração auricular,
avançando para o lugar
em que o mundo é só seu.
Intimista e concentrada,
com a couraça ilustrada
da surdez que ela escolheu.»

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