quinta-feira, 6 de maio de 2010

Um tema caprino

O amor da liberdade
Não é compatível com a democracia
Que informa que a liberdade acaba para um
Onde começa a liberdade do outro um.
Embora não seja tão verdade assim,
Parece-me a mim
Com tanta falta de respeito
Como preceito.
No tempo de La Fontaine
Em que a democracia não existia,
Segundo parecia,
A sua fábula d’ As duas Cabras
Prova-o sobremaneira.
Mas, se pensarmos bem,
Hoje em dia também,
Quer se queira ou não se queira ,
A democracia é só uma balela
De gente tagarela.
Vejamos, pois a fábula
“As duas Cabras” da minha cábula:

«Mal as Cabras acabaram de pascer
Certo espírito de liberdade o seu Destino
As faz procurar: partem em viagem
Para os lugares da pastagem
Menos frequentados pelo ser humano
Nem sempre humano:
Ali, onde lugar houver
Sem estrada e sem caminhos,
Mas sim um rochedo, um monte
Vergado em precipícios,
É onde estas damas
Vão passear seus caprichos
Em busca de benefícios.
Nada pode deter
Este animal trepador.
Duas Cabras, pois, se emanciparam,
Ambas tendo pata branca;
Cada uma por sua banda
Os baixos prados largaram:
Uma contra a outra caminhava
Ao acaso do passeio.
Um rio ali de permeio
Tinha uma prancha por ponte.
Duas doninhas somente
Se poderiam cruzar
Sinuosamente
E de fronte, sobre esta ponte.
A rápida onda e o fundo rio
Deveriam fazer tremer
As amazonas de receio
Pelo seu desvario.
Apesar de tantos perigos, uma das ditas donzelas,
Com ar sagaz
E sem mais aquelas,
Pousa um pé sobre a prancha, e a outra o mesmo faz
Da outra banda.
Imagino ver, contra Luís o Grande
Filipe Quarto avançar
Para a ilha da Conferência.
Paciência!
Assim passo a passo avançavam
Nariz contra nariz
As nossas aventureiras
Que, ambas altaneiras,
Até ao meio da ponte não quiseram
Uma à outra ceder. Elas tinham a glória
De contar, na sua raça, segundo reza a história,
Uma, certa Cabra de mérito sem par,
Com que Polifemo presenteou Galateia;
E a outra a Cabra Amalteia
Que a Júpiter amamentou.
Como nenhuma recuou
A queda foi inevitável:
Ambas à água caíram
E nem sequer baliram
A chamar pelas mães
Sem tempo para tais ais,
Ou mé més , como se queira dizer,
O que foi bem detestável.

Este acidente não é invulgar
No caminho da Fortuna,
Da Sorte, Dita ou Destino,
Fado, Sina, Desatino,
Como lhe queira chamar
O Humano pequenino
Pequenino.»

Eis aqui mais uma fábula
De todos bem conhecida
De duas cabras amigas
Da liberdade
Mas não ainda
Da igualdade e da fraternidade.
Eu julgo mesmo que estas duas
Condições
Não chegarão a existir
Enquanto cada homem só a si se ouvir
Sem objecções.
Nem preciso de citar
Os exemplos que por aí
Polulam de egoísmos e falcatruas,
Para não me enervar.
A verdade é que andamos
Todos por aqui
Numa estreita ponte onde só cabe
Um de cada vez.
Mas como todos procuramos
A outra margem
Do rio que atravessamos
Todos de uma só vez,
Em vez de esperarmos,
Educadamente,
Quando nos cruzamos
Na estreita ponte,
Logo nos empurramos
E caímos
Para nos afogarmos
Indecentemente.

E vamos cair
E vamos cair
Embora haja sempre
Os que podem fugir
Que podem fugir.

Mas também
Como apoio à lição,
Sobre o amor à liberdade
Para não referir só La Fontaine
Cito ainda a Blanquette,
A cabra do sr. Séguin
Do conto de Daudet,
Das “Lettres de mon Moulin
Tão amada pelo dono
Que tudo fez para que não fugisse.
Mas fugiu.
E procurou a montanha
E os seus ínvios caminhos
Por muito que lhe custasse.
A última vez
Contra o lobo lutou
Até ao amanhecer
Sem o dono lhe valer.
E assim morreu
E assim morreu.

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