domingo, 9 de maio de 2010

“Olhai os lírios do campo”

O texto é de António Cerveira Pinto. Saído no blog “A Bem da Nação”. Um texto extremamente bem escrito sobre o problema da Educação, a propósito do programa “Plano Inclinado” da SIC, que Cerveira Pinto considera arrastado, com alguma pertinência. Também me parece a mim, mas pela inutilidade de uma chamada à razão de uma Nação que cada vez mais vai petrificando numa irracional bestialidade de mau agoiro, comandada por dirigentes que tudo fizeram para estilhaçar o sentido nobre do termo, de formação do espírito, instrução, reduzindo-o ao sentido primeiro, de criação dos animais, cultivo das plantas.
Cerveira Pinto acentua duas tendências no ensino, desde a década de setenta, o da “massificação” e o da “qualidade”, este “diversificado, cada vez mais especializado e sujeito a critérios exigentes de avaliação”.
O primeiro “orientado para as estatísticas e para a ocupação de exércitos crescentes de indivíduos sem lugar no mercado de trabalho, nem sequer nas actividades de diversa índole, burocrática, educativa, médica, social, ambiental, etc, que os governos têm vindo a promover... Um ensino tolerante, sobretudo destinado a ocupar os tempos livres da juventude enquanto cresce, proporcionando-lhes ambientes cognotivos e criativos tendencialmente imersivos... Tudo o que as mais recentes e escandalosas reformas educativas têm vindo a introduzir no nosso sistema de ensino...”
“Mas também houve, há e haverá sempre um ensino reservado à formação das elites dirigentes e à produção efectiva do saber, onde a exigência e a competição são cada vez maiores...”
Em tempos passados havia também duas espécies de ensino: o técnico, mais voltado para as técnicas comerciais ou industriais, dizia-se mais tolerante do ponto de vista cultural, o liceal sendo um ensino direccionado para os quadros futuros, naturalmente de formação cultural mais exigente.
Dei aulas no ensino liceal e no ensino técnico, nunca soube distinguir tais disparidades, e ajudei a formar brilhantes alunos na Escola Comercial que, ingressados na Secção Preparatória, correspondente ao 6º e 7º anos do liceu, puderam singrar pelo ensino superior.
Sei quanto a unificação do ensino, concomitante com a massificação geral, técnicas e liceus reduzidos à designação genérica de escolas secundárias, conduziram ao estado caótico que a tal tolerância pedagógica, acompanhada que foi pela permissividade a todas as indisciplinas propostas pelas “mais recentes reformas pedagógicas” contribuiu para fortalecer.
Não vejo é como, num país com tais parâmetros educativos, se pode falar em ensino dirigido às elites, como afirma Cerveira Pinto. Sabemos o modo de formação apadrinhado de algumas dessas elites governativas ou outras. Por altura da Queima das Fitas vemos a falta de compostura de tanta dessa mocidade de futuros educadores, saída das universidades. Não vemos razão para acreditar nela, a não ser naqueles que, vivendo à margem desses desconchavos educacionais, por motivos vários – interesse cultural, acompanhamento familiar, bom nível educativo, etc – podem formar as tais elites referidas.
Transcrevo os dois parágrafos finais deste enigmático texto:
“Enquanto não formos capazes de pensar numa sociedade pós-capitalista, onde a actividade humana substitua a exploração do trabalho, ou pelo menos possa caminhar a seu lado como horizonte possível de libertação sem se ver castigada por regimes irracionais e improdutivos de sujeição disciplinar ao Estado fiscal, a discussão sobre a crise educativa será sempre um tumulto de vozes sem sentido.
Olhai para os artistas livres, apreciai o perfume de um botão de rosa prestes a desabrochar e só depois falai de educação. Não é trabalho aquilo de que precisamos no futuro. Mas sim de arte, de partilha de bens e serviços, de festas e de um novo horizonte amoroso. É muito mais difícil do que disputar as migalhas minguantes dos orçamentos. Mas é sem dúvida muito mais estimulante para a nossa sensibilidade e para a nossa inteligência.”

Deciditamente, não compreendemos a tese de Cerveira Pinto. Podemos aceitar a discordância sobre um programa condenatório, dum modo geral, do que vai mal no ensino, ou no país, atribuindo tal discordância a uma visão cegamente chauvinista, ou, como neste caso, a um entendimento superior e vaidoso de um problema já sem solução, e cuja discussão na praça pública fere os nervos desse alguém superior.
Mas após uma análise pertinente do ensino, em que se parece condenar as políticas educativas, concluir com observações utópicas sobre as transformações sociais que implicam uma mudança radical das estruturas mentais humanas referentes aos interesses que têm regido o evoluir das sociedades – a luta natural pelo capital, o esforço de cada um para alcançar o seu bem-estar, passando embora pelos atropelos de quem consegue alcançar mais, para finalizar com o apelo a uma vivência na liberdade sem sujeições, nem a princípios nem a convenções, parece isso antes uma proposta de troça, uma inesperada consideração anárquica bastante desonesta.
Em boa verdade vos digo que longe vão os tempos em que Cristo pregava esses desprendimentos materialistas, ou, segundo o Evangelho de S. Mateus (6. 34): “Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo”
Por isso finalizo este comentário alargado com o breve comentário que nesse texto apus, com a indignação de quem discorda destas formas perversas orientadoras da opinião pública com a autoridade de um pseudo-saber que não é mais do que armadilha para converter inocentes. Ou idiotas.

“Parece-me bem leviana a forma como se avalia o actual sistema educativo português. Para docentes briosos, para discentes também, que vivem actualmente as misérias de uma contínua degradação nos saberes e nos comportamentos escolares, para os portugueses que desejariam para o seu país um desenvolvimento que não lhes pode ser proporcionado no actual estado de coisas, sujeitos sempre à infâmia de serem considerados os últimos a nível europeu e não só, considerar que arte é do que se precisa para a resolução das nossas misérias culturais, morais, económicas etc, creio que só para rir. Se é que não se esteve a rir de todos o senhor que subscreve o texto.”



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