terça-feira, 11 de maio de 2010

Visita aérea

A minha amiga está mesmo escandalizada com a visita papal que nos vai custar uns milhões e eu esforço-me por a acalmar, porque acho que milhão a mais ou a menos pouco monta na nossa generosa maneira de ser e de estar, de povo habituado a receber e a dar, com igual liberalidade, embora com superavit no caso do receber, pelo menos a título pessoal. Até evoquei a propósito uma embaixada portuguesa ao papa Leão X, em 1514, conduzida com trombetas, tambores e animais raros na Europa de então - um cavalo persa, um rinoceronte indiano, um elefante que virou mascote papal, além das pedrarias e dos cruzados aos milhares, que não só provaram a nossa abastança da altura, com tanto descobrimento afortunado feito no tempo do rei venturoso, como muito ajudaram aos luxos do Vaticano de então, já enriquecido, aliás, com a venda de indulgências aos fiéis, segundo bem escreveu Gil Vicente, no seu Auto da Feira, referindo a ignóbil simonia, mas por pura rebeldia anti-clerical a merecer condenação, que não deixou de faltar.
Também expliquei à minha amiga que, se estivéssemos nos tempos da ditadura salazarista ela não poderia protestar tão expostamente, correndo o risco de ser denunciada e feita prisioneira pelos esbirros dessa época, como tantos disseram que foram (para as benesses dos novos tempos), caso eu fosse dos falsos amigos chamados bufos, capaz de traições dessas. E logo ali protestei, com elegância, o meu não enquadramento nessas vis manobras do savoir faire universal.
Achei é que os papas que cá têm vindo ultimamente, é certo por conta do nosso milagre de Fátima, nada mais fazem do que retribuir as ajudas ofertadas pelo Venturoso ao papa Leão X, pois as presenças papais num país sem a dimensão de antigamente, são bem prova de apreço de quem não se importa de aqui vir, a este espaço limitado, trazer-nos a bênção das suas santas pessoas.
Ainda para mais correndo o risco de levar com uma lufada de cinzas vulcânicas, como no caso do papa Bento XVI, embora a minha amiga também proteste que aquelas puderam lixar o tráfego aéreo português, mas para o papa Bento elas vão desviar-se para ele poder cá vir nas calmas.
Às vezes não compreendo as ironias da minha amiga. O que eu sei é que a nossa inquietação está a pedir um milagre e só vejo a possibilidade de este papa no-lo fazer. Mas a minha amiga, sendo devota sobretudo do Santo António, refere alguns pecados que a imprensa tem trazido ultimamente a lume contra ele, no tempo em que ainda era só bispo. Por isso tenho as minhas dúvidas no milagre dele.
Mas felizmente que ainda há muitos que não têm.

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