22 de Fevereiro de 2010. A minha Mãe partiu o colo do fémur. Longa odisseia vivida numa recuperação que se julgava impossível, pela idade centenária. Mas o fisioterapeuta tem feito milagres.
21 de Maio, quase três meses depois: a minha Mãe percorreu o corredor - uns oito ou nove metros – hoje, sem se sentar, ela própria movendo o andarilho, numa pressa de fome, pois passava do meio dia, eram horas do almoço e aí vai, desejosa de se instalar no sofá, com a mesa posta e a minha irmã à volta, na eficiência de a bem servir. Uma rainha. Tudo agora trabalha bem nela, e as ideias vão-se aclarando, nas evocações, mesmo repetidas, mas que ouvimos sempre – sobretudo a minha irmã, na paciência e até no deslumbramento, de a ver mergulhar no seu passado de filha responsável – mais velha de três irmãs e um irmão, com mais quatro irmãos anteriores. Única da família que resta, e isso a faz chorar por já não ter pai nem mãe, nem irmãos a quem amar e isso nos indigna um pouco, ao lembrar-lhe a família posterior, e ao lembrar a nossa própria orfandade do nosso pai.
Gosta de falar no seu passado de moça casadoira, com muitos pretendentes – e cita as terras desses tais - Cedrim, Sejães, Bispeira, Ladário (mais renitente, esse, que o rapaz tinha muitas terras e de terras e gados estava ela farta), Cambarinho, Souto de Lafões, Carrazedo, um Cipriano, rapaz muito lindo de Lagoa, no alto da serra das Arcas, o seu Carregal. Ficou-se por Destriz, mas o meu Pai virara africano, condição sine qua non para ser aceite e, além disso, era lindo de morrer, com muita instrução, ganha em Macau, com vários prémios de melhor aluno, e com o “honesto estudo” que aliou ao seu engenho próprio, provado em concursos onde ganhou os dois primeiros rádios da nossa vida. Eu já o disse num livro de memórias, mas não me importo de relembrar, que o meu Pai ficou também como figura mágica que nos acompanha, não sei se no coração, mas numa saudade imperecível. São dele as seguintes três quadras aos cigarros Império:
“À porta do Céu, Tibério / Pede a S. Pedro um lugar. / - “Fuma cigarros Império? / - diz-lhe o Santo – “Pode entrar”.
“Resume-se a vida assim / Para quem tem gosto e critério: / Deixar correr o marfim, / Fumar cigarros Império.”
“Que dos cigarros Império / Nenhum fumador se prive. / Porque cigarros Império / Quem os não fuma não vive.”
Era todo branquinho, o rádio que o meu Pai ganhou com elas, que me acompanhou longos anos, até que os solavancos de uma descolonização de trambolhões o fez abandonar, num esquecimento que pôs a vasta família na vanguarda das opções de retorno.
Mas retomando a actual lucidez da minha Mãe, a dada altura das suas evocações matrimoniais, saiu-se com a seguinte frase: “É como quem está a comprar uma ovelha!”
Tratava-se das manipulações das famílias para unir os jovens casadoiros, com olho no dote, nas terras respectivas: “É como quem está a comprar uma ovelha” e isso a aproximou, no meu espírito, dos orgulhos de uma Silvia, repudiando, por independência feminina, o namorado Dorante proposto na combinação dos respectivos pais, na peça de Marivaux “Le Jeu de l’Amour et du hasard”, em estratagema de troca de posição com a criada, que, por igual jogo de Dorante, de substituição pelo papel de criado, resultara segundo a combinação da autoridade dos pais.
Mas isso não se passou com a minha Mãe, ela própria moçoila independente, mas, chorando durante o resto da sua vida o não se ter despedido do seu santo paizinho quando partiu para África após o casamento por procuração.
Muito mais histórias recolhi ultimamente dela, mas finalizo com uma quadra que deve ser bicentenária, pois afirmou: "A minha mãe cantava isto!", e chorou, lembrando:
“Aveiro por ser Aveiro, / Por ser marinha de sal, / Não há terra como Aveiro / No Reino de Portugal!”
É que ouço Pedro Passos Coelho afirmar que se sente “confortável, que o PSD não é nenhum partido que apoie o governo”.
E a imagem de força, da minha Mãe correndo de andarilho para o seu almoço, que nos mereceu palmas e aplausos e referências à nova Rosa Mota, desvaneceu-se, suplantada por outras imagens de força maior, dos nossos actuais corredores para os banquetes pátrios, todos confortáveis, todos confortáveis.
Gosta de falar no seu passado de moça casadoira, com muitos pretendentes – e cita as terras desses tais - Cedrim, Sejães, Bispeira, Ladário (mais renitente, esse, que o rapaz tinha muitas terras e de terras e gados estava ela farta), Cambarinho, Souto de Lafões, Carrazedo, um Cipriano, rapaz muito lindo de Lagoa, no alto da serra das Arcas, o seu Carregal. Ficou-se por Destriz, mas o meu Pai virara africano, condição sine qua non para ser aceite e, além disso, era lindo de morrer, com muita instrução, ganha em Macau, com vários prémios de melhor aluno, e com o “honesto estudo” que aliou ao seu engenho próprio, provado em concursos onde ganhou os dois primeiros rádios da nossa vida. Eu já o disse num livro de memórias, mas não me importo de relembrar, que o meu Pai ficou também como figura mágica que nos acompanha, não sei se no coração, mas numa saudade imperecível. São dele as seguintes três quadras aos cigarros Império:
“À porta do Céu, Tibério / Pede a S. Pedro um lugar. / - “Fuma cigarros Império? / - diz-lhe o Santo – “Pode entrar”.
“Resume-se a vida assim / Para quem tem gosto e critério: / Deixar correr o marfim, / Fumar cigarros Império.”
“Que dos cigarros Império / Nenhum fumador se prive. / Porque cigarros Império / Quem os não fuma não vive.”
Era todo branquinho, o rádio que o meu Pai ganhou com elas, que me acompanhou longos anos, até que os solavancos de uma descolonização de trambolhões o fez abandonar, num esquecimento que pôs a vasta família na vanguarda das opções de retorno.
Mas retomando a actual lucidez da minha Mãe, a dada altura das suas evocações matrimoniais, saiu-se com a seguinte frase: “É como quem está a comprar uma ovelha!”
Tratava-se das manipulações das famílias para unir os jovens casadoiros, com olho no dote, nas terras respectivas: “É como quem está a comprar uma ovelha” e isso a aproximou, no meu espírito, dos orgulhos de uma Silvia, repudiando, por independência feminina, o namorado Dorante proposto na combinação dos respectivos pais, na peça de Marivaux “Le Jeu de l’Amour et du hasard”, em estratagema de troca de posição com a criada, que, por igual jogo de Dorante, de substituição pelo papel de criado, resultara segundo a combinação da autoridade dos pais.
Mas isso não se passou com a minha Mãe, ela própria moçoila independente, mas, chorando durante o resto da sua vida o não se ter despedido do seu santo paizinho quando partiu para África após o casamento por procuração.
Muito mais histórias recolhi ultimamente dela, mas finalizo com uma quadra que deve ser bicentenária, pois afirmou: "A minha mãe cantava isto!", e chorou, lembrando:
“Aveiro por ser Aveiro, / Por ser marinha de sal, / Não há terra como Aveiro / No Reino de Portugal!”
É que ouço Pedro Passos Coelho afirmar que se sente “confortável, que o PSD não é nenhum partido que apoie o governo”.
E a imagem de força, da minha Mãe correndo de andarilho para o seu almoço, que nos mereceu palmas e aplausos e referências à nova Rosa Mota, desvaneceu-se, suplantada por outras imagens de força maior, dos nossos actuais corredores para os banquetes pátrios, todos confortáveis, todos confortáveis.
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