Não tem muita simpatia
pela juventude portuguesa, Vasco
Pulido Valente, como, de resto, pelos portugueses, os indígenas da sua
designação rancorosa, o qual desejaria para o seu país mais qualidade mental, o
que é, aliás, a ambição de tantos, derrotados na verdade dos números ínfimos de
alfabetização, dos tempos da monarquia, gradualmente progredindo segundo as
políticas republicanas, mas que não nos farão nunca apanhar a carruagem dos
outros povos europeus, mais previdentes e estruturados de longa data, nos
parâmetros da dignificação humana. Portugal, um país bom, de bom sol, de boa
gente, segundo se diz e a gente o sente, na ternura linguística do nosso atraso
de “inhos” e “inhas” que simultaneamente nos agasta e nos agrada, nós próprios
também abusando, e que Fernando Mendes evidenciou no carinho pela sua
Lenkazinha de beleza esplendorosa, que nem esta repele.
Em conversa com a
minha filha, soube das suas lutas últimas, com alunos desordeiros que ela bem
descreve nas suas participações à directora, lutando por uma sociedade mais
digna, considerando estar a Escola reduzida ao nada de uma indisciplina
inominável. Pobre da minha Paula, pobres de todos esses professores sem um
mínimo de condições sérias, num país que inutilmente se esforçam por elevar, há
muito votado ao rebaixamento da indignidade legalizada em termos disciplinares
e consequentemente culturais.
Vasco Pulido Valente tem razão. Para quê essa medida
discriminatória de proibição da venda de bebidas alcoólicas a menores, quando
se não tem possibilidade de averiguar da sua eficácia, nos vários
condicionalismos que igualmente permitem que a droga se propague numa sociedade
em que, “por várias razões, as famílias não educam os filhos”?
Leiamos o seu artigo, no qual, aceitando embora a
necessidade de imposições como a da proibição de compra de bebidas alcoólicas a
menores, permitem, contudo, as estruturas sociais, o partidarismo de uma
mocidade mais ou menos desordeira, que
pouco mais apresenta que a expressão sonorosa da sua reivindicação sem
consciência efectiva daquilo que reivindica, na ausência de leitura e
preparação reais. A mocidade que, continuando atrelada a amizades como meio de
evolução pessoal para as suas ambições, poderá vir a dirigir a coisa pública,
como se tem visto, em cursos arrebanhados na pressa da ambição amparada.
“O Sangue dos Outros”, um livro de Simone de
Beauvoir, me vem à memória, não pela menoridade etária das personagens participantes,
mas pelo contraste com a sua juventude participativa consciente, personagens
que, provenientes de uma burguesia bem instalada, por ódio às injustiças
sociais apoiadas em tenebrosos fascismos, escolhem – com hesitações no seu
caminho – (os egoísmos existencialistas como rocha impeditiva da participação
imediata) – a luta por ideais de fraternidade e de defesa dos direitos humanos
que terão a morte como resultado. (Nada que não estejamos saturados de ouvir,
aliás, do ideário comunista, direccionado exclusivamente, hoje, sobre as
medidas governamentais que não implicam retaliações à maneira nazi e por isso
propícias ao ruído, que na época das Resistências se fazia pela calada). Mas os
livros de Simone de Beauvoir e dos seus companheiros da época são impregnados de
saber filosófico, pertencem a mentalidades estudiosas que envolvem os seus
enredos nos artifícios da sua preparação intelectual. Não têm a ver com a nossa
juventude – a da mândria, do desrespeito, da reivindicação em gritos de
balbúrdia – os mais espertos e sérios definindo-se por outras filosofias – as do
capitalismo - que, afinal, talvez não sejam nem melhores nem piores que as dos
tempos dos facínoras que espalharam a guerra e a morte no mundo.
A educação da juventude
Público, 17/4/15
O Estado, na sua qualidade de educador, resolveu agora
proibir a venda de bebidas alcoólicas (de qualquer espécie) a menores. Já era
proibido vender tabaco a crianças. Para não falar de drogas que são
universalmente ilegais.
Claro que a eficácia desta medida é discutível: em casa não
se pode verificar quem bebe o quê e quanto. Fora que há sempre o mercado negro
ou um amigo ou irmão maior que abastece os mais miúdos. Mas não deixa de ser
verdade que o mais pequeno obstáculo diminui o consumo e que, neste caso, o fim
é meritório. A dependência do álcool não se adquire depressa (“too much, too
often, too long”) e atrasar ou dificultar o processo contribui para uma
população mais saudável e segura. Uma vez que por várias razões as famílias não
educam os filhos, medidas como estas acabam por se justificar.
Em compensação, proibir o fumo em locais públicos fechados —
como, por exemplo, restaurantes, cafés, bares, discotecas, casas de jogo e
sítios semelhantes — frequentados geralmente por adultos não passa de uma
restrição à liberdade individual, sem desculpa ou atenuante. O fumo, como nos
lembram em toda a parte, a todo o tempo, é uma actividade perigosa. De acordo.
Só que daí não se segue que um cidadão, na posse das suas faculdades, se veja
impedido de correr os riscos que bem lhe apetecer, ainda por cima por um Estado
que não cumpre os seus deveres mais básicos. Principalmente quando não existem
riscos para terceiros, porque a maioria dos locais públicos fechados não admite
hoje fumadores. A nova lei contra o fumo que por aí se anuncia não passa de um
acto de uma prepotência mesquinha.
Pior ainda: no meio da sua preocupação com o bem-estar dos
portugueses (que, aliás, morrem no desemprego e na miséria) e do seu amor ao
viçoso crescimento da nossa querida juventude, o Estado permite a ascensão e a
influência das “mocidades” partidárias. Um menor está impedido de comprar
tabaco, de beber álcool, de se casar sem a autorização dos pais. Desde os 14
anos não está, em contrapartida, impedido de escolher qual o regime que melhor
convém à sua doce pátria e as políticas mais capazes de a salvar e modernizar.
Para essas actividades menores, nem o Governo, nem os partidos o consideram
irresponsável ou inepto. Depois de beber o seu leitinho ou a sua limonada sob a
vigilância da polícia e provar (com testemunhas) que nunca comprou um único
cigarro, a criancinha irá daqui em diante pastorear o povo no exercício dos
seus plenos direitos.
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