O
mal é que não conseguimos fechar os olhos nem tapar os ouvidos. Não, não vale a
pena insistir nisto da nossa imaturidade, da nossa astúcia, da nossa prosápia
ruidosa, da nossa pretensa qualidade de ironizar, que julgamos inteligente e a
maior parte das vezes não passa de falta de princípios e de educação, a verdadeira
ironia exigindo uma subtileza que nos falta. Vasco Pulido Valente
descreve-os melhor do que ninguém, tanto no retrato sobre um António Costa que
se deu ares de moderado, nas suas conversas com os dois companheiros da
Quadratura, mas que, nas suas danças e discursos de rua, não passa do mesmo
arruaceiro sem contenção vocabular nem ideias para melhorar o status
comprometido. O mesmo que fazem os do striptease, desejosos de exibição ou de
ganhar umas coroas, sem consciência nem vergonha do seu papel de bonifrates. Vasco
Pulido Valente descreve-os, melhor do que ninguém. Com uma tristeza crescente:
O Salvador
Público, 3/4/15
O
menos que se pode dizer da operação que levou António Costa a secretário-geral
do PS e a candidato a primeiro-ministro é que não foi “elegante”.
Nessa
altura, muita gente desculpou ou justificou a grosseria e a brutalidade da coisa,
porque esperava de António Costa uma nova oposição ao governo lúcida e
compreensível e, sobretudo, com princípio, meio e fim. A discrição e as
meias-frases na Quadratura do Círculo davam a impressão de esconder um
pensamento sólido e um plano político original, que nos tirasse do lugar-comum
e da pura irrelevância do debate instituído. Infelizmente, não aconteceu nada
disso. Nem nos rituais do Congresso Socialista, nem a seguir em meia dúzia de
entrevistas de uma “prudência” claramente exagerada e de uma ambiguidade
extrema, António Costa saiu da mastigação das velhas lamúrias da esquerda e da
extrema-esquerda.
Esperança
não trouxe nenhuma; e extinguiu depressa o entusiasmo das “primárias” do PS, em
que não se sabe ao certo quem votou. Apareceu então um putativo salvador que se
calava ou, quando se mexia, era como se andasse a pisar ovos. O que, de resto,
não o salvou de erros sem desculpa. Prometeu baixar o IVA da restauração para
13% (como se os 23% não tivessem também o objectivo de melhorar a qualidade dos
serviços prestados); prometeu a “reposição total” dos salários (do Estado,
claro) e das pensões, sem explicar onde iria buscar o dinheiro para essa
extravagância; prometeu que os municípios passariam a reter uma indeterminada
percentagem do IVA, gerado localmente; e prometeu um “programa nacional” de
“requalificação urbana”, aparentemente financiado pela “Europa”. Ora isto por
um lado é muito, e por outro lado muito pouco. Meia dúzia de medidas não faz um
plano estratégico; e um plano estratégico precisa de uma inspiração
unificadora, capaz de ser adoptada e compreendida pelo cidadão comum.
Mas,
para nossa desgraça, António Costa, talvez por falta de inspiração própria, não
mostrou até agora capacidade para inspirar ninguém. No governo foi um razoável
ministro; na câmara um administrador sofrível; e no partido um ambicioso hábil.
O que não chega para um país sem futuro certo ou destino visível. Tropeçando de
papel em papel e de comissão em comissão, António Costa vai fatalmente
desaparecer, já desapareceu, no cansaço e no desespero dos portugueses.
Striptease
Público 4/4/15
Apareceram
ultimamente muitos pequenos partidos da extrema-esquerda. Depois de uma grande
agitação e uma dança de cadeiras muito complicada, só os peritos nesta espécie
esotérica de fenómenos conseguem perceber o que separa esses partidos entre si,
ou que separa um partido de um grupo, ou um grupo de uma qualquer
“personalidade de televisão”.
Entre
Marinho e Pinto, o “Livre – Tempo de Avançar”, o “Agir”, o “Juntos pelo Povo”,
o “Nós” e o “Mas” (?) e outros de que provavelmente ninguém ouviu falar, a
escolha é impossível, sem uma investigação miúda, histórica, pessoal e
pormenorizada. Ainda por cima, antigamente esta extraordinária fissiparidade
assentava nas querelas teológicas do marxismo, que, embora com repugnância,
sempre se iam percebendo. Agora só há diferenças de programa, de estratégia ou
de alianças num futuro imaginário ou improvável.
Fora
isto, que não é pouco, aparecem quase dia a dia ajuntamentos com um papel na
mão, que pretendem promover causas sem sentido, a roçar a pura idiotia, e se
manifestam por aí com o vocabulário e a ênfase de uma religião apocalíptica.
Ora, para além da facilidade de comunicar pela Internet, seria bom saber o que
trouxe à cena política as várias guerrilhas do nosso patético radicalismo.
Claro que a desagradável tendência para a exibição (e a exposição) explica uma
parte substancial deste amor romântico pelo espectáculo. A peonagem obscura da
sociedade portuguesa descobriu de repente que a política era um bom caminho
para a “fama”; e a crise, naturalmente, produziu a sua própria colheita de
“famosos”.
Mas
de que estarão convencidos na intimidade da sua cabeça, se de facto a têm, os
“protagonistas” das melancólicas seitas, que hoje ocupam a televisão e os
jornais? Presumo que uns tantos ambicionam genuinamente governar, um impulso
normal em pregadores de profissão. E não me admirava que meia dúzia de outros
se convencesse mesmo de que a Pátria precisava das suas luzes. Mas, no fundo,
suspeito que a comédia se basta a si própria. Aquelas pessoas que se arrebanham
e separam, se elogiam ou injuriam, que se indignam ou extasiam, que prometem à
Pátria a salvação ou o abismo, não aspiram a mais do que a passar o tempo,
entre os membros da sua tribo que não sentem, como eles, o ridículo e a
futilidade do exercício. E verdade seja dita são inteiramente inócuos.
Apareceram
ultimamente muitos pequenos partidos da extrema-esquerda. Depois de uma grande
agitação e uma dança de cadeiras muito complicada, só os peritos nesta espécie
esotérica de fenómenos conseguem perceber o que separa esses partidos entre si,
ou que separa um partido de um grupo, ou um grupo de uma qualquer
“personalidade de televisão”.
Entre
Marinho e Pinto, o “Livre – Tempo de Avançar”, o “Agir”, o “Juntos pelo Povo”,
o “Nós” e o “Mas” (?) e outros de que provavelmente ninguém ouviu falar, a
escolha é impossível, sem uma investigação miúda, histórica, pessoal e
pormenorizada. Ainda por cima, antigamente esta extraordinária fissiparidade
assentava nas querelas teológicas do marxismo, que, embora com repugnância,
sempre se iam percebendo. Agora só há diferenças de programa, de estratégia ou
de alianças num futuro imaginário ou improvável.
Fora
isto, que não é pouco, aparecem quase dia a dia ajuntamentos com um papel na
mão, que pretendem promover causas sem sentido, a roçar a pura idiotia, e se
manifestam por aí com o vocabulário e a ênfase de uma religião apocalíptica.
Ora, para além da facilidade de comunicar pela Internet, seria bom saber o que trouxe
à cena política as várias guerrilhas do nosso patético radicalismo. Claro que a
desagradável tendência para a exibição (e a exposição) explica uma parte
substancial deste amor romântico pelo espectáculo. A peonagem obscura da
sociedade portuguesa descobriu de repente que a política era um bom caminho
para a “fama”; e a crise, naturalmente, produziu a sua própria colheita de
“famosos”.
Mas
de que estarão convencidos na intimidade da sua cabeça, se de facto a têm, os
“protagonistas” das melancólicas seitas, que hoje ocupam a televisão e os
jornais? Presumo que uns tantos ambicionam genuinamente governar, um impulso
normal em pregadores de profissão. E não me admirava que meia dúzia de outros
se convencesse mesmo de que a Pátria precisava das suas luzes. Mas, no fundo,
suspeito que a comédia se basta a si própria. Aquelas pessoas que se arrebanham
e separam, se elogiam ou injuriam, que se indignam ou extasiam, que prometem à
Pátria a salvação ou o abismo, não aspiram a mais do que a passar o tempo, entre
os membros da sua tribo que não sentem, como eles, o ridículo e a futilidade do
exercício. E verdade seja dita são inteiramente inócuos.
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