Foram
publicados no “A Bem da Nação”, devidamente ilustrados por fotos
escrupulosamente escolhidas por Salles da Fonseca, três longos textos do
professor José Augusto Fonseca, sobre os antecedentes do 25 de Abril, que
me fizeram reviver um passado de intranquilidade mas confiança, antes do
pesadelo que desabou sobre os terrenos da colonização histórica portuguesa.
Apenas transcrevo o último, com o comentário que para ele enviei:
«N(O)S CAMINHOS DE ABRIL (3)»
1
– E Abril de 61 marcou a primeira e última tentativa muito séria de encerrar o
longo consulado de António de Oliveira Salazar. E aquela em que não
seria fácil sair de tão complicada situação. Porque não era comandada por
elementos exteriores à liderança do Estado Novo. Era chefiada por elementos
afectos ao mesmo, e mais grave ainda dirigida pela direcção política e militar
das FA’s, que integravam um governo de AOS e devidamente escudados no CEMGFA.
AOS reage, e tal como nos tempos conturbados da Guerra Civil de Espanha (como
tudo está perigosamente esquecido) e II Guerra Mundial, chama a si e acumula
com a Presidência do Conselho de Ministros a Defesa Nacional. Justifica: “para
Angola rapidamente e em força”. E rapidamente e em força nomeia CEMGFA o
general Gomes de Araújo, para ministro do Ultramar o Doutor Adriano Moreira, e
logo depois, para Governador-Geral de Angola o general Venâncio Deslandes que à
data era Embaixador em Madrid, e para Moçambique o almirante Sarmento Rodrigues
que já tinha sido Ministro do Ultramar. Tudo pesos pesados. E agora Salazar não
teme enfrentar, se necessário, todos eles, se acaso o seu mando possa ser posto
em causa. Não haverá novos episódios de desafio grave à sua autoridade. E, em
62, vai demonstrar isso mesmo. No “desaguisado” entre Adriano Moreira e
Venâncio Deslandes. Em que um perde o Ministério do Ultramar e o outro o
Governo-Geral de Angola. É ele que manda mesmo. Com mais alguém
segundo George Ball.
2
– Mas o ano de 61 não vai ser fácil para o Chefe do Governo. As crises vão-se
acumulando. E que resultam, da maneira enérgica, como actuou em Angola. Porque
o território angolano ao contrário do que muitos vaticinavam, vai conhecer em
prazo muito curto, o restabelecimento em todo o território da autoridade
política e militar. Os guerrilheiros da UPA e do MPLA estavam agora na
defensiva, e se queriam sobreviver à acção das Forças Militares Portuguesas
teriam de regressar à segurança das suas bases na República do Congo-Kinshasa e
República do Congo (Brazzaville), ou refugiarem-se nas densas matas angolanas.
O Exército Português tomava agora a iniciativa e repunha de forma controlada a
autoridade posta em causa. Mas, os adversários de Portugal não nos dariam
tréguas. Se não podemos vencer em Angola vamos causar “mossa” noutro lado. Na
ONU e no terreno.
E, a 1 de Agosto de 1961, o
pequeno território apenas constituído pela Fortaleza de S. João Baptista de
Ajudá na República do Daomé (Benim) é ocupado pelas forças daquele País.
Território pequeníssimo, habitado por um administrador e mais alguns
portugueses, que não punha nada nem ninguém em causa. Mas que os adversários de
Portugal sabiam que tinha tanto valor como qualquer grande território que
tivesse a Bandeira Nacional. E sabiam a “dor” que provocavam no “timoneiro”.
Dadrá e Nagar-Aveli tinham agora lugar no Atlântico Africano Português. E era o
sinal de que a pressão sobre Portugal iria aumentar. E aumentou.
3
– Com a perda do Estado da Índia Portuguesa, em Dezembro de 1961. Aqui,
considero, que foi o maior desgosto que António de Oliveira Salazar sofreu em
toda a sua vida, tanto a nível pessoal, como ao serviço do Estado Português.
Salazar nunca acreditou que Pandita Nehru que tinha uma “aura” de pacifista
fosse capaz de mandar invadir os territórios de Goa, Damão e Diu. E que
manchasse a sua carreira política. Que manchou a nível internacional. Com os
seus adversários da China e do Paquistão a esfregarem as mãos de contentes.
Nehru não podia nunca mais ir “chorar” para a ONU a sua desdita em relação a
estes dois grandes países asiáticos. E disso se apercebeu logo. Mas temos de
lhe fazer justiça.
Nehru
tinha cedido à enorme pressão do seu ministro da Defesa Krishna Menom
que advogou desde sempre a invasão sem mais do Estado da Índia Portuguesa, até
para anular as dificuldades que o Partido do Congresso estava naquele momento a
ter a nível interno. E Krishna Menom argumentava que se os Ingleses e Franceses
tinham feito “as malas” tinha chegado a hora dos portugueses saírem também. E
Menom em Londres já nos tinha avisado no final década de 40, na pessoa do nosso
Embaixador, que os portugueses tinham de sair. A bem se o quiséssemos fazer. A
mal se necessário. E Pandita Nehru perderia para sempre o seu enorme prestígio
político. A máscara de “pacifista” tinha caído e aberto caminho a quem o
desafiava no lado paquistanês e chinês.
4
– E como não queríamos sair, o Exército Indiano actuou. Aqui Salazar vendo o
inevitável transmitiu ao Governador-Geral da Índia Portuguesa uma directiva de
actuação. Constava: “organizar a defesa pela forma que melhor possa realçar o
valor dos portugueses, segundo velha tradição na Índia. É horrível pensar que
isso pode significar o sacrifício total, mas recomendo e espero esse sacrifício
como única forma de nos mantermos à altura das nossas tradições e prestarmos a
maior serviço ao futuro da Nação”. Salazar pede resistência total e sem limites
o que implicava o sacrifício da própria vida. Aqui, perdoe-se-me. Não se pode
pedir um tal sacrifício quando a desproporção de forças é enorme. O Exército
Indiano juntou na Frente Goa, Damão e Diu, o que melhor tinha em homens e
material, num contingente de 45 mil homens, para mais e não para menos. E com
retaguarda próxima bem escudada em muitos milhares de soldados caso necessário.
O Exército Português com pouco mais de dois mil combatentes espalhados pelas
três frentes, mal armados e equipados, que pouco mais eram que símbolo de soberania.
E com a sua retaguarda a milhares de quilómetros de distância. Aqui o Exército
Português fosse qual fosse a sua atitude perante o adversário (inimigo) sairia
sempre honrado. E o general Vassalo e Silva perante o que se lhe deparou, com
coragem, tomou a única atitude possível. Cessar-fogo. A nossa grande aventura
por terras tão longínquas tinha terminado. E não da melhor maneira. Mas foi a
que pôde ser.
E
o general Vassalo e Silva, e alguns dos seus subordinados, não mereciam
o tratamento posterior. Razão tinha tido o Embaixador Marcello Mathias quando
disse um dia, a Salazar, que a sair era preferível como na Praça de Mazagão.
–
Mas também não aceito que, ainda hoje, a directiva de AOS seja tão criticada.
Porque muitos anos antes outro homem de grande dimensão perante uma tão grande
desproporção de forças dava precisamente a mesma directriz. Chamava-se Winston
Churchill. Quando o Comando Militar Inglês de Hong-Kong pede instrucções
perante o avanço japonês no II Conflito Mundial, Churchill não hesita e
determina: “não pode haver qualquer ideia ou pensamento de rendição. Há que
travar luta por todos os recantos da ilha”. Aqui Churchill é muito claro em que
não admite que as forças inglesas se rendam. E para o Comandante Militar de
Singapura a ordem vai ser ainda mais explícita: “Não pode haver qualquer
pensamento de salvar tropas ou poupar população. A batalha tem de ser travada a
todo o custo até ao seu fim amargo. Os comandantes e oficiais superiores devem
morrer com as suas tropas. Está em causa a honra do Império Britânico e do
Exército Britânico”. É muito doloroso o que estes dois Homens pediam às suas
tropas. Mas não os podemos julgar por isto. Dois Homens que sentiam que o Tempo
dos seus Impérios estava a chegar ao fim. E não queriam que esse Tempo fosse
já. Pensavam que, talvez, por artes do destino, ainda fosse possível evitar o
inevitável. Mas não era. Porque dois novos gigantes políticos e militares
nasciam após a II Guerra Mundial: EUA e URSS. E eram eles que queriam o comando
de um novo mundo que nasceria após 45. A Europa, a velha Europa, deixou-se
apanhar. E foi palco de duas “guerras civis” que a deixaram exausta. Ontem como
hoje. Hoje como ontem. E que ninguém se iluda. E no Estado da Índia nada valeu.
Nem a NATO. Nem a velha de séculos Aliança Luso-Britânica. Custa…mas também
temos de aceitar. E um dia fui surpreendido. Novo MNE na Índia. Um tal Doutor Eduardo Faleiro.
Nome bem português. Valha-nos isso.
6
– Mas nem só os nossos adversários não nos davam descanso. Em 62 os americanos
voltam à carga. Mas, desta vez, mais de mansinho. JFK manda a Lisboa o
Subsecretário de Estado George Ball para falar com Salazar. George Ball acumula
três características extraordinárias que o recomendam para falar com o Chefe do
Governo: é um homem de invulgar cultura, é um europeísta convicto e é um
negociador nato. Três qualidades num homem só, perante outro homem de grande
cultura, negociador experimentado e de profundas convicções políticas,
reconhecidas tanto por amigos como por adversários. Sim. Também por
adversários. Muitos dos que o ignoram publicamente, estudam e de que forma, o
seu mando e a sua obra, até para com ele aprenderem uma certa “arte”. E que bem
empregam nos dias de hoje. Mas mal. Porque aprendem mal.
Mas
voltemos a George
Ball. Encontro com Oliveira Salazar. E aqui a Cultura e
a Política ao mais alto nível encontram-se. E convivem. E Ball quando o
encontro termina, só lhe resta telefonar para Washington e transmite que afinal
Portugal não era governado por um homem só mas sim por um triunvirato: Salazar,
Vasco da Gama e Infante D. Henrique. Um significado: os valores que este líder
encarna não são possíveis de serem modificados. Agora só o decorrer do tempo e
muita paciência podem alterar o comportamento do aliado português.
7
– E só em 1965, precisamente em Setembro, os EUA voltam a insistir com
Portugal. O Secretário de Estado americano e o Embaixador em Lisboa, o
Almirante George Anderson, apresentam um plano ao MNE português Doutor Franco
Nogueira. Segundo Norrie MacQueen (em A Descolonização da África Portuguesa) o
plano não foi logo rejeitado por Salazar, e discussões prosseguiram entre
Washington e Lisboa. Mas em Março de 1966 o lado português rejeitou-o, porque
entendia que o chamado “Plano Anderson” apesar de muito bem elaborado, abria
portas, que depois não podiam ser fechadas, mesmo com o auxílio dos americanos.
8
– E a vida continuava como habitualmente. Mas uma cadeira estava à espreita.
Mal articulada. Em 1968. E o homem que nela se sentou para descanso, caiu, e
nunca mais voltaria a ser o mesmo. E Salazar teve de ser substituído. E nem os
maiores especialistas portugueses e americanos puderam fazer qualquer coisa por
ele. E outro lhe sucederia. De grande dimensão. Mas também com idade e graves
problemas de saúde familiares que o apoquentavam.
Era
Marcello Caetano.
A quem Américo Tomás confia a Presidência do Ministério. Com carta-branca para
tudo. Apenas com uma advertência. Que se não fosse aceite, a nomeação não ia
para a frente. O Ultramar não era passível de discussão ou cedências.
Advertência acatada. Nomeação feita. As FA’s ficam sossegadas.
9-
Mas, como em tudo na vida, há sempre um calcanhar de Aquiles. E tínhamos um. A
Guiné. Governada e comandada por um militar de excepção. António de Spínola. O
tenente-coronel de 61 era agora general e comandante-chefe em 68. E que, com o
decorrer do tempo, mergulhado em decisões e contrariedades, que só homens
excepcionais têm capacidade para enfrentar, como sejam a Operação Mar Verde
(invasão da Guiné-Conakri) que não correu tão bem como era
previsto, e o abate de aviões da FAP por mísseis SAM 7 (terra-ar) que
indiciavam que o conflito na Guiné estava a mudar de escala, e que não
possibilitavam apoio aéreo às operações no terreno. E resolve aceitar o diálogo
com o Presidente Senghor do Senegal que, por várias vezes, mostrava vontade de
ajudar Portugal para solucionar a questão da Guiné.
Senghor era
homem de cultura superior e antigo deputado à Assembleia Nacional de França. E
Spínola aceita ir secretamente conversar com Senghor, de forma a quebrar o
impasse guineense. E uma confiança ilimitada nasce entre estes dois homens. E
isto tem de ser transmitido a Lisboa. E ao Presidente do Conselho Marcello
Caetano.
10
– Marcello ouve atentamente Spínola. Que deseja autorização para continuar as
negociações com Senghor. Que lhe é negada. Perante isto Spínola contrapõe: a
não haver negociações, pode estar em causa um colapso militar português na
Guiné. Até porque as operações terrestres deixam de ter cobertura aérea de
forma eficaz. E assim nada feito. Marcello mantém o que diz. Não a mais
negociações. Mas acrescenta: prefiro uma derrota militar na Guiné, do que pôr
em causa os territórios de Angola e Moçambique com essas negociações. Spínola
não quer acreditar naquilo que ouviu. Uma coisa é uma derrota militar como na
Índia em que dois Exércitos estão frente a frente. Outra coisa é acontecer às
Armas Portuguesas o que aconteceu aos franceses em Dien Bien Phu, derrotados e
aprisionados por guerrilheiros vietnamitas. E encarar como possível isso mesmo
ao Exército Português às mãos dos guerrilheiros do PAIGC era de todo impossível
de aceitar.
11
– Spínola parte para a Guiné. Deixa de acreditar em Marcello Caetano. E conta o
que se passou aos seus militares de confiança. Com Marcello Caetano já nada era
possível. A contagem decrescente começava para o Regime. A oficialidade
portuguesa na Guiné começa a conspirar. Spínola não quer continuar e deseja ser
substituído. E para Governador da Guiné e Comandante-Chefe vai outro militar de
excepcional craveira: o general Bettencourt Rodrigues. E Spínola, com muitas
ajudas, escreve Portugal e o Futuro. E é nomeado Vice-Chefe do
Estado-Maior General das Forças Armadas, cargo que nunca existiu. Contra a
vontade do Presidente da República. Que diz a Marcello Caetano que se fosse
necessária a sua assinatura para a nomeação não a teria. E em 1974 sai o livro
do general António de Spínola. Marcello Caetano lê o livro de uma assentada. E
sabe que um qualquer Golpe de Estado está em marcha.
12-
E como escrevi no primeiro texto. Não foi um Abril; foram dois. Agora a 25 de
Abril de 1974. Com Marcello Caetano e Américo Tomás postos em causa, e a
partirem para o exílio. Mas aqui, e logo aqui, e nesse dia, com outro
derrotado. Era o general António Sebastião Ribeiro de Spínola. Que se tivesse
comandado logo tudo de início, e dando a cara, talvez o que pensava para
Portugal pudesse ser equacionado. Mas ao deixar tudo por conta e risco do
Movimento das Forças Armadas, e assumindo o comando político e militar só após
negociações com o mesmo, logo ali tinha o destino marcado. Porque Spínola se
estivesse atento, teria que contar com os “imponderáveis da política” no dizer
do Professor Doutor Silva Cunha, e como não contou com eles, por ignorância, ou
excesso de confiança, deixou logo evoluir um Golpe de Estado para uma
Revolução. E se o livro tinha poucas hipóteses de colocar em marcha o que
continha, então agora é que não tinha mesmo viabilidade. Digo eu. E sabemos
como tudo terminou. Uma Descolonização como foi possível, no meio das clivagens
políticas e militares das Forças Armadas. Com Spínola a sair em 30 de Setembro
de 1974, porque a sua autoridade estava minada e condicionada. E que teve de
sair à pressa do País em Março de 75. E com todo o tipo de desmandos só
travados em Novembro de 75. Faz este ano também 40 anos. Com o Regimento de
Comandos a assumir o papel dos Paraquedistas em 1961. Mas isso já é outra
história da História e da Geopolítica. Já agora, e só para alguns…estudem com a
“velha” Oposição Democrática. Com Ramada Curto, Hélder Ribeiro, Hernâni Cidade,
Armando Cortesão, Nuno Simões, Lopes de Oliveira, Alberto Madureira e Cunha
Leal. Em política interna, desacordo total com Salazar. Na defesa ultramarina,
em especial no primeiro embate de 61, não hesitaram. O Ultramar tinha de ser
defendido, e depois logo se via. Primeiro o essencial, depois o acessório. Como
deveria ser nos dias de hoje. E acreditem. Com estes textos que hoje finalizo,
apenas acrescentei um grão ou dois de areia às “praias” que outros construíram.
Be
Documental e Investigação: Coronel Viana de Lemos; Embaixador Franco Nogueira;
Embaixador José Calvet de Magalhães; Professor Doutor Adriano Moreira;
Almirante Américo Thomaz; Mestre José Freire Antunes; Professor Doutor Marcello
Caetano; Marechal António de Spínola; General Silvino Silvério Marques; General
Kaúlza de Arriaga; Norrie MacQueen; AHM; (outros).» José augusto Fonseca
O comentário:
Páginas
bem historiadas de um percurso inesquecível, que se viveu no espanto e no
apreço por um timoneiro que governava em tríade - "ele mesmo, o Gama e D.
Henrique" - conceito que mandou difundir e que resultou durante algum
tempo, se...Mas os monóculos da vaidade (com perdão para o de Eça, que lhe
assentava que nem ginjas), impondo as galas da inovação e da prosápia,
possibilitaram, no seu desleixo de uma escrita de escândalo, a desatenção pelo
que se passava em torno e que ele próprio, Spínola, já não foi a tempo de
evitar, levado pelos acontecimentos que não tinha estofo para assumir. Mas
nesse espaço de 13 anos a gente portuguesa fez mais em África do que fizera em
séculos, mostrando como tudo poderia ter sido diferente, se a rapaziada do ódio
à tríade tivesse sido mais vigiada.
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